“A abordagem da anemia faz parte da terapêutica de suporte de um doente oncológico, tal como a abordagem da dor, da infeção ou do tromboembolismo”

É a Imuno-hemoterapia que é responsável pela gestão de stock de componentes sanguíneos, provenientes das doações benévolas, stock esse que é utilizado para suprir as necessidades transfusionais dos doentes nos Hospitais. Neste contexto, “a anemia é o companheiro de viagem do imuno-hemoterapeuta”, refere Dialina Brilhante. Com atividade clínica exercida num Hospital dedicado à oncologia, a representante da Associação Portuguesa de Imuno-hemoterapia explica os riscos que a anemia representa para os doentes com cancro e a necessidade da correcção dos défices de ferro, ou vitamina B12 e ácido fólico, nesta população.

RAIO-X (RX) – Qual é que é o envolvimento da imuno-hemoterapia no estudo das anemias?

Dialina Brilhante (DB) – A Imuno-hemoterapia está muito envolvida no estudo das anemias pois é a área clínica responsável pela doação benévola de sangue e no acompanhamento dos dadores de sangue e estes refletem a prevalência da anemia na população em geral. Quando avaliamos os parâmetros analíticos dos dadores verificamos que a prevalência de anemia é muito elevada na nossa população, assim como a ferropénia. Esta é uma população que nós vigiamos pois é a partir dela que se asseguram os stocks de componentes sanguíneos do país. No caso dos doentes oncológicos, que são o grupo com quem mais trabalho aqui no IPO, temos de estar ainda mais atentos à anemia e às deficiências de ferro, uma vez que há um conjunto de terapêuticas antineoplásicas que induzem a destruição dos glóbulos vermelhos ou uma insuficiência na sua produção, para além de eles também refletirem a alta prevalência de ambas as entidades existentes no nosso país. Diria que a anemia é um companheiro de estrada de um imunohemoterapeuta. É uma área para a qual temos que estar sempre atentos porque podemos corrigi-la, suplementando aquilo que tiver em falta, e só recorrendo à transfusão quando necessário.

RX – O sangue que é recolhido de um dador que tem anemia é utilizável?

DB – É utilizável se o componente sanguíneo obtido cumprir os requisitos legais quanto ao seu conteúdo. No entanto, convém lembrar que a todos os dadores é realizado um controlo prévio da hemoglobina. Dependendo da meto- dologia utilizada, esses métodos podem ser mais ou menos sensíveis mas, um dador com anemia conhecida ou suspeitada é suspenso da dádiva de sangue. Também por esta razão os limites para a doação de sangue são Hb ≥ 12,5 g/dL nas mulheres e 13,5 g/dL nos homens. Qualquer dador com níveis inferiores aos referidos é orientado para o seu médico de família ou estudado no local de doação.

RX – Nos casos em que há uma anemia ou uma ferropénia mais acentuada, é frequente uma investigação mais aprofundada com vista a um potencial diagnóstico de alguma doença desconhecida para o dador?

DB – Toda a anemia deve ser investigada. A ferropénia deve ser corrigida, mas tão importante como a sua correção é perceber porque é que ela existe, isso é fundamental. E daí que, muitas vezes associado ao estudo da anemia, há a referenciação da pessoa a uma consulta de gastrenterologia ou de ginecologia, no caso das mulheres. A anemia pode ser um primeiro sinal de situações tão diversas como o défice alimentar, um erro de alimentação, uma neoplasia ou até uma insuficiência cardíaca. A anemia é sempre um primeiro sinal que nos deve dar o alerta para perceber porque é que ela existe. Tratar sem saber a etiologia não me parece ser uma atitude prudente.

RX – No caso dos doentes oncológicos, em que tipo de tumores é que a anemia e a ferropénia são mais frequentes?

DB – Potencialmente, são todos. Temos a existência de tratamentos que nos obrigam a uma monitorização hematológica permanente. No fundo, a estratégia do enquadramento da anemia, quer na população saudável, quer em qualquer doente, mesmo no doente oncológico, é sempre a mesma. Temos de identificar potenciais défices e caracterizá-los e, em segundo lugar, encontrar-lhes uma causa. Se podermos corrigi-los com terapêutica médica, avançamos para isso, se não tivermos tempo, teremos que transfundir componentes sanguíneos. Associado a este tema da anemia-transfusão fala-se muito do conceito de otimização das condições do doente – Patient Blood Management. Este PBM não deve ser apenas para o doente que vai fazer uma cirurgia eletiva. A otimização das condições do sangue é válida para todos os doentes oncológicos A transfusão é um instrumento ao qual só devemos recorrer em última linha. Se podemos utilizar outros recursos, temos de o fazer. Se temos condição, por exemplo, para chamar à atenção para a alimentação, isso também é uma forma importante de corrigir os défices. No IPO de Lisboa temos um folheto sobre a ferropénia em dador, no qual, explicamos quais são as necessidades de ferro que um individuo saudável tem. Temos também uma lista dos alimentos que devem constar num regime saudável, equilibrado e variado. Tudo isto são informações válidas para doentes e para não doentes, para dadores e não dadores.

RX – Num doente oncológico, em que situações é que deve ser dada preferência a uma suplementação endovenosa em detrimento de uma suplementação oral?

DB – A correção da ferropénia é feita com ferro que pode ser administrado tanto de forma oral, como de forma endovenosa. Se o doente tiver uma síndrome inflamatória, que não favorece a absorção de ferro, é preferível a administração de ferro endovenoso porque com o ferro oral a absorção é errática e diminuída. É importante que não nos esqueçamos que, quando existe uma ferropénia, o tempo de tratamento com ferro oral é longo. Quem tem esse défice deve ser avisado de que tem de fazer umas largas semanas de suplementação de ferro oral. Por sua vez, quando estamos a usar o ferro endovenoso, nós calculamos qual é a dose em falta e pode- mos até administrá-la de uma só vez. Não estou a dizer que o ferro endovenoso é a única alternativa ao tratamento da ferropénia. No entanto, em casos de uma síndrome inflamatória associada deve ser tido em conta. Há também situações em que as pessoas têm uma grande intolerância ao ferro oral e numa situação dessas o médico assistente tem que pensar nesta alternativa. O ferro endovenoso tem de ser administrado em meio hospitalar, o que acaba por limitar a sua utilização. Mas este tratamento está disponível no hospital em geral e nos serviços de imuno-hemoterapia, na sua atividade de hospital de dia pelo que só é necessário ter os doentes devidamente assinalados e orientados.

RX – Qual é o impacto da anemia num doente oncológico, em termos de prognóstico e também de qualidade de vida?

DB – A anemia do doente oncológico tem particularidades que a individualizam de todas as outras. A abordagem da anemia faz parte da terapêutica de suporte de um doente oncológico, tal como a abordagem da dor, da infeção ou do tromboembolismo. Várias instituições, como a ESMO, o NCCN ou a ASH, têm recomendações relativas a esta entidade. Em termos de prognóstico, penso que não é possível generalizar. É verdade que, em alguns casos, se o doente apresentar anemia pode ter pior prognóstico e pior qualidade de vida, mas devemos avaliar caso a caso e não generalizar.

RX – Qual a importância de dedicar um dia à anemia?

DB – Há dias para tudo ou quase tudo, mas haver um dia dedicado à anemia no nosso país tem uma enorme importância porque não sei se é claro para todos os portugueses que a anemia é algo que está presente na nossa população. É tão fácil ultrapassarmos esta situação, basta estarmos atentos à correção dos défices que acompanham a anemia. Se este dia servir para chamar à atenção para a importância do seu diagnóstico e da sua correção, acho que vale a pena. Não direi que a anemia é desvalorizada, mas a sua priorização é, muitas vezes, discutível. Eu percebo que, num doente que tenha uma situação clínica de grande gravidade, por exemplo o diagnóstico de um tumor, a prioridade deve ser esse diagnóstico e a anemia passa para segundo plano. Mas, se por algum motivo, esse doente precisa de uma cirurgia urgente, então a anemia passa a ser uma prioridade.

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