Bibi Sattar: “É a atitude que nos move, muda o nosso dia a dia e consegue fazer a diferença”

Não é por acaso que se chama aTTitude a associação de solidariedade social que este mês celebra dois anos de existência. Surgiu de um ato espontâneo de cidadania para ajudar a Síria e, com o apoio de vários parceiros e colaboradores, tem expandido a sua intervenção em diferentes áreas de cariz social, como sejam a nutrição oncológica e os cuidados paliativos pediátricos. A presidente da aTTitude, Bibi Sattar, contou ao Raio-X como tudo começou, perspetivando projetos futuros e sonhos a concretizar, com a confiança de que, passo a passo, é possível fazer a diferença.

Raio-X (RX) – Como surgiu a aTTitude?
Bibi Sattar (BS) – A aTTitude nasceu formalmente em setembro de 2014, mas a ideia remonta a dezembro de 2013, altura em que éramos diariamente solicitados pela comunidade internacional com pedidos de apoio em relação à situação de crise humanitária que se vivia (e vive) na Síria. Parece uma realidade distante, mas o mundo está cada vez mais global e sem fronteiras: por isso é preciso agir em qualquer parte do mundo. Foi nesse contexto que eu e o meu marido, Francisco Marques, decidimos em conjunto que não íamos ficar sentados a assistir ao que se passava e começámos a pensar imediatamente em formas de ajudar, por pouco que fosse.

RX – De que forma passaram da teoria à prática?
BS – Identificámos uma oportunidade ao verificar que, hoje em dia, as pessoas estão dispostas a despender um valor acima da média para usufruírem de uma experiência gastronómica. Decidimos, por isso, organizar um evento gastronómico que fosse, só por si, atrativo, mas que paralelamente contribuísse para uma causa solidária.
Com base num modelo de fundraising (pouco habitual no nosso país), surgiu o Quarteto Gastronómico, a estrutura embrionária do que viria a ser a aTTitude. Sob o mote “Degustar por uma boa causa”, a iniciativa consistiu na organização de quatro jantares encabeçados por chefes conhecidos do grande público, em espaços agradáveis, com uma imagem apelativa e uma plataforma associada. O evento foi um sucesso, com uma adesão rápida e muito significativa por parte do público, parceiros e sponsors.
No final, os donativos reverteram a favor da instituição do Dr. Jorge Sampaio, através da plataforma criada para ajudar os estudantes sírios – APGES. Por outro lado, a participação dos próprios estudantes nestes eventos tornou a experiência mais envolvente, já que as pessoas puderam testemunhar, de perto, a história destes jovens.
Nesta altura, percebemos que, não só é necessário ter atitude, como é possível contribuir para modificar a realidade com pequenos gestos. Por outro lado, com o sucesso desta iniciativa, os projetos começaram a ganhar uma dimensão muito significativa e chegámos à conclusão que tínhamos de criar uma associação de solidariedade social.

“Com base num modelo de fundraising (pouco habitual no nosso país), surgiu o Quarteto Gastronómico, a estrutura embrionária do que viria a ser a aTTitude. Sob o mote “Degustar por uma boa causa”, a iniciativa consistiu na organização de quatro jantares encabeçados por chefes conhecidos do grande público”

RX – Os projetos implementados desde aí seguiram o mesmo modelo?
BS – Nem todos. O Quarteto Gastronómico nasceu com o objetivo de apoiar instituições exteriores à aTTitude. A ideia é dar continuidade a este modelo, promovendo outras edições que possam apoiar as causas mais prementes a cada momento. A 2.ª edição da iniciativa, que vai decorrer ainda este ano,com dois jantares, um dia 5 de novembro que apoia a Make-a-wish, no Intercontinental de Lisboa e outro no dia 12 de novembro, que apoia a Acreditar – Casa do Porto, no Intercontinental do Porto (www.quartetogastronomico.pt). Para além disso, temos dois projetos filantrópicos em curso e com várias atividades já implementadas: um sobre nutrição oncológica e outro em torno dos cuidados paliativos pediátricos.

RX Como surgiu o projeto sobre nutrição oncológica e do que se trata?
BS – No decorrer do primeiro Quarteto Gastronómico, já estávamos a pensar num projeto de nutrição oncológica, uma vez que o tema está muito pouco desenvolvido em Portugal. Detetámos uma lacuna no mercado na altura que, devido a circunstâncias pessoais, procurávamos um guia que ajudasse os doentes a ultrapassar os efeitos secundários da quimioterapia, tais como vómitos, diarreia, obstipação, mucosite, xerotomia, falta de apetite, enjoos, e mesmo repugnância a certos alimentos.
Porquê nutrição oncológica? Porque as mais recentes estimativas indicam que 1 em cada 3 pessoas sofre de cancro, sendo que se prevê que dentro de 30 anos, com o desenvolvimento da doença, 1 em cada 2 pessoas possa vir ser afetada por esta patologia. Durante o tratamento, uma nutrição adequada assume um papel essencial, uma vez que contribui para que o organismo disponha dos recursos necessários para fortalecer as suas defesas e para manter níveis de energia adequados, contribuindo para uma reação favorável para ultrapassar os efeitos não desejáveis dos tratamentos.
Neste contexto, pensámos em editar um livro sobre princípios básicos e flexíveis da nutrição oncológica, incluindo receitas para ajudar os doentes em tratamento a ultrapassar sintomas ou efeitos secundários mais comuns decorrentes do tratamento, particularmente da quimioterapia. Convidámos 15 chefs (alguns comuns aos Quarteto Gastronómico) para criarem pratos originais, sob orientação de um equipa técnico-científica construída por um oncologista, o Dr. Carlos Carvalho, e uma nutricionista, a Dr.ª Ana Rita Lopes, que forneceram a matriz científica para os chefs confecionarem as receitas.

“Pensámos em editar um livro sobre princípios básicos e flexíveis da nutrição oncológica, incluindo receitas para ajudar os doentes em tratamento a ultrapassar sintomas ou efeitos secundários mais comuns decorrentes do tratamento, particularmente da quimioterapia”

O livro “Receitas deliciosas para doentes oncológicos em tratamento” foi publicado no dia 7 de dezembro de 2015 e os donativos angariados com as vendas reverterão a favor da continuidade deste projeto. Preparamo-nos para lançar, este ano, uma plataforma online com o objetivo de agregar e partilhar informação fundamental e credível sobre o tema, envolvendo um painel técnico-científico mais abrangente e representativo da realidade nacional.
Na nossa perspetiva, é importante massificar esta informação para além do livro, de forma a aumentar a literacia nesta área. E que ferramenta mais apropriada para esse fim do que o universo digital?
Em simultâneo, queremos realizar workshops com doentes, cuidadores e profissionais de saúde para sensibilizar para esse tema e, acima de tudo, alterar comportamentos.

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RXEm que consiste o projeto dedicado aos cuidados paliativos pediátricos?
BS – O projeto dedicado aos cuidados paliativos pediátricos intitula-se “Vamos Cuidar” e trata-se de uma plataforma que nasceu em meados de 2015, quando comecei a acompanhar as notícias sobre esta temática em Portugal e verifiquei ser uma áreapouco desenvolvida. A informação existente no nosso país era muito dispersa, pelo que foi necessário agregá-la com seletividade e rigor para a tornar útil, relevante e credível, tendo como apoio o conselho técnico-científico liderado pela Dra. Ana Lacerda. O nosso grande objetivo com este projeto é que as crianças com necessidades de saúde complexas e as suas famílias tenham acesso aos melhores cuidados possíveis, onde e quando for necessário. Para isso é necessário, pois, envolver toda a comunidade.
Este ano, a plataforma vai sofrer algumas alterações ao nível dos conteúdos e estabelecer novas parcerias nacionais e internacionais no sentido de a potenciar. Vamos também avançar com a atribuição de bolsas de formação avançada, apoiando a criação de equipas especializadas em hospitais públicos de referência pediátrica,que esperamos refletir-se num avanço ao nível da provisão de cuidados paliativos pediátricos.

RX A aTTitude obteve, no ano passado, o estatuto de IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). Qual a importância desta atribuição?
BS – A atribuição do estatuto de IPSS foi como um selo de credibilidade. Uma instituição que consegue este estatuo vê o seu trabalho reconhecido como estando a operar no sector social. Conseguir que o Instituto da Segurança Social dê valor aos projetos que a aTTitude desenvolve, considerando que a atuação da nossa associação pode criar valor na sociedade, é muito importante para nós do ponto de vista institucional.

“O nosso grande objetivo com este projeto [Vamos Cuidar] é que as crianças com necessidades de saúde complexas e as suas famílias tenham acesso aos melhores cuidados possíveis, onde e quando for necessário. Para isso é necessário, pois, envolver toda a comunidade”

RX – Com base no vosso lema de que a aTTitude é um conceito, uma vontade e uma afirmação, que mensagem gostaria de deixar aos leitores?
BS – Acreditamos que a atitude consegue trazer mudança, crescimento e amadurecimento. É a atitude que nos move, que muda o nosso dia a dia e que efetivamente consegue fazer a diferença. Com base nesta premissa, a aTTitude é claramente uma vontade, porque nasce da vontade de duas pessoas transformada na vontade de milhares de pessoas – é uma vontade da sociedade civil fruto da tomada de consciência social. É uma afirmação enquanto call to action, lembrando que para além das nossas preocupações e objetivos individuais, devemos estar atentos à realidade global que toca a todos. É também um conceito porque trabalhamos com aquilo que as pessoas podem/querem dar. A aTTitude tem implementado os seus projetos numa base pro bono, sem um único colaborador permanente: todo o trabalho é desenvolvido paralelamente à vida profissional de todos os seus membros. Embora se preveja uma profissionalização a médio prazo, tendo em conta o crescimento da instituição, funcionará sempre na ótica da redução dos custos fixos, de maneira a que o donativo seja aplicado diretamente na execução do projeto.
É este o espírito que move a aTTitude e, somando as atitudes positivas de todos, poderemos ter uma ação mais eficaz e implementar mudanças.

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Um sonho tornado realidade

Voluntária desde os 18 anos, Bibi Sattar confessou que “sempre quis criar uma instituição de solidariedade social”. “Durante as ações de voluntariado que fui fazendo, tinha algumas ideias com potencial de implementação. No fundo, fui somando ideias para um projeto social próprio”. E, se inicialmente começou por ser uma experiência, “a motivação das pessoas que se juntaram a nós foi tão marcante que rapidamente se tornou uma responsabilidade de seguir em frente e expandir o trabalho iniciado”, acrescentou.
“Quando começámos, o principal desafio foi conseguir o apoio das empresas, pois falávamos ao nível individual, sem uma estrutura de credibilidade”, referiu. A concretização do Quarteto Gastronómico foi o ponto de partida para outros projetos, com base na adesão, recetividade e apoios muito significativos.
Conciliar a vida pessoal e profissional com a direção de uma estrutura com esta dimensão e caráter social nem sempre é fácil. “Requer, acima de tudo, organização. Quando conseguimos criar métodos de organização com tarefas bem definidas, as coisas vão acontecendo”, explicou.
Daqui para a frente, Bibi Sattar gostaria que os parceiros, colaboradores, sponsors, bem como toda a população “continuassem a ter uma atitude muito positiva com a atitude, permitindo-nos fazer mais e melhor”.

Links úteis:

Website aTTitude
Facebook aTTitude
Página Quarteto Gastronómico
Site Nutrição Oncológica
Facebook Nutrição Oncológica
Site Vamos Cuidar Cuidados Paliativos Pediátricos
Facebook Vamos Cuidar Cuidados Paliativos Pediátricos

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