Desafios Terapêuticos na Insuficiência Cardíaca

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome caracterizada por sintomas (ex. dispneia e fadiga) e sinais (ex. ingurgitamento jugular, fervores pulmonares e edemas do membros inferiores) que resultam de uma anomalia cardíaca estrutural e/ou funcional que reduz o débito cardíaco e/ou aumenta as pressões de enchimento, em repouso ou durante o stress.

A IC é um importante problema de saúde pública por quatro motivos.

1º. Prevalência elevada (26 milhões em todo o mundo):

A IC afeta 1 a 2% da população adulta nos países desenvolvidos, mas a prevalência aumenta com a idade, ultrapassando os 10% nas pessoas com mais de 70 anos. Em cada seis pessoas com mais de 65 anos de idade que procuram os cuidados primários por dispneia de esforço, uma tem IC não diagnosticada. Entre as pessoas vivas aos 55 anos de idade, 33% dos homens e 28% das mulheres desenvolverão IC ao longo do resto da sua vida. O envelhecimento da população e os avanços significativos no tratamento do enfarte agudo do miocárdio e da hipertensão arterial justificam que a prevalência da IC estejam a aumentar.

2º. Mortalidade e morbilidade elevadas:

A IC é uma doença letal com uma esperança de vida pior que a observada nos cancros mais comuns. Dados do estudo Framingham sugerem que a esperança de vida de um doente com 60 anos de idade e diagnóstico de IC é reduzida em 16 anos por comparação com uma pessoa saudável com idade idêntica. Depois de um primeiro internamento por IC, a sobrevivência média é de quatro a cinco anos. Os doentes com múltiplos internamentos por IC num curto espaço de tempo têm pior mortalidade.

A IC é responsável por 1 a 3% de todos os internamentos hospitalares na Europa e a causa mais frequente de internamento depois dos 65 anos de idade. Estes internamentos têm duração média de uma semana. A taxa de readmissões também é elevada, situando-se nos 25 a 30% aos 30 dias.

3º. Custos elevados:

Na Europa, a IC é responsável por 1% a 2% do total dos custos com a saúde. Cerca de 60% a 70% dos custos da IC devem-se às hospitalizações. Três em cada quatro doentes com IC têm pelo menos uma comorbilidade e os custos da IC aumentam com o número de comorbilidades presentes.

4º. Terapêutica não otimizada:

Na IC com fração de ejeção reduzida, a mortalidade e a morbilidade podem ser reduzidas por diversos fármacos e dispositivos elétricos, cujas indicações estão bem estabelecidas nas recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC). Estas terapêuticas incluem os bloqueadores beta-adrenérgicos, os inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (iSRAA), a combinação do valsartan com o sacubitril, a ivabradina, a ressincronização cardíaca e o cardioversor-desfibrilhador implantável.

No mundo real, muitos doentes com IC não são tratados com todas as terapêuticas para as quais são elegíveis, ou não tomam os fármacos com valor prognóstico em doses otimizadas (dose máxima tolerada). Os motivos são muitos, por vezes são contraindicações aceites, mas frequentemente são problemas de intolerância como hipotensão, bradicardia, agravamento da função renal, hipercaliemia, ginecomastia, doença pulmonar obstrutiva crónica, tosse, pieira, doença arterial periférica e disfunção erétil. Diversos estudos mostram a associação entre o incumprimento das recomendações clínicas para a IC e mais hospitalizações e maior mortalidade.

A hipercaliemia é um fator limitante da otimização do tratamento na IC com fração de ejeção reduzida, potencialmente criando obstáculos à redução da mortalidade e morbilidade nestes doentes.

Um registo da SEC, na IC com fração de ejeção reduzida, mostra que 8% dos doentes não são medicados com inibidor da enzima de conversão da angiotensina (IECA) ou bloqueador dos recetores da angiotensina-II (BRA); a hipercaliemia foi indicada como contraindicação ou motivo de intolerância em 4% dos doentes. O mesmo registo mostra que 14% dos doentes elegíveis não são medicados com antagonista dos recetores mineralocorticóides (ARM); a hipercaliemia foi indicada como contraindicação ou motivo de intolerância em 22% dos doentes. Entre os doentes medicados com IECA/ARA, a hipercaliemia impediu a titulação do fármaco em 4%; entre os medicados com ARM, a hipercaliemia impediu a titulação do fármaco em 17%.

O tratamento da hipercaliemia pouco se modificou desde 1958, ano em que foi introduzido o polistireno sulfonato de sódio; a segurança e a eficácia desta resina permanecem controversas. Duas novas terapêuticas foram recentemente desenvolvidas para o doente com (ou em risco de) hipercaliemia: o patirómero cálcico e o ciclosilicato de zircónio sódico. Ambos são administrados por via oral e aumentam a eliminação de potássio nas fezes.

O patirómero foi avaliado em três ensaios controlados: PEARL-HF em doentes com IC e taxa de filtração glomerular inferior a 60 ou com história de intolerância a IECA/BRA/ARM por hipercaliemia; OPAL-HK em doentes renais crónicos em estádios 3 ou 4, com hipercaliemia e tratados com iSRAA; AMETHYST-DN em diabéticos tipo 2, com doença renal crónica em estádios 3 ou 4, hipercaliemia e tratados com iSRAA. No estudo PEARL-HF, o patirómero permitiu aumentar a proporção de doentes que escalaram a dose de espironolactona; nos outros dois estudos, o patirómero reduziu a caliemia e permitiu manter o iSRAA. O efeito secundário mais frequente foi a obstipação.

Em suma, o advento de novas abordagens terapêuticas para a hipercaliemia pode ter impacto prognóstico relevante nos doentes com IC.

 

Opinião de Carlos Aguiar

Assistente Graduado de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental

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