“O doente hipertenso tem de perceber que a medicação não é um castigo nem uma penalização”

O 12º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global começou ontem, dia 22 de fevereiro, e decorre até dia 25. O evento é organizado pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH) e será realizado no Tivoli Marina de Vilamoura. Este Congresso conta com um programa “abrangente que vai ao encontro das expectativas de todos os congressistas”, afirma Manuel Carvalho Rodrigues, em entrevista ao Raio-X. Segundo o presidente da SPH, dentro dos principais temas em destaque, não faltará a discussão sobre o diagnóstico e tratamento da diabetes, das dislipidemias, da hipertensão arterial e da demência vascular.

Raio-X (RX) – Quais são os principais temas do programa científico deste 12º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global?

Manuel Carvalho Rodrigues (MCR) – Na sequência do êxito das edições anteriores, a Comissão Organizadora teve a preocupação de incluir um Curso de Pós-Graduação em Hipertensão Arterial e Risco Cardiovascular Global com uma abordagem essencialmente prática e muito interativa. E ainda, o curso das “Perspetivas futuras no RCVG”, dirigido preferencialmente a Internos Complementares das diferentes especialidades. Depois, o Programa Cientifico do Congresso conta ainda com as habituais sessões conjuntas entre a Sociedade Portuguesa de Hipertensão e as sociedades de outros países, tal como o Simpósio Luso-Húngaro e Luso-Brasileiro. No encerramento, dia 25 de fevereiro, teremos uma apresentação sobre “Envelhecimento vascular precoce: Do EVA ao SUPERNOVA”, dirigida por Stéphane Laurent da Sociedade Francesa de Hipertensão Arterial.

RX – O congresso aborda o risco cardiovascular que, em Portugal, é muito elevado, fazendo com que as doenças Cardio e cerebrovasculares sejam as principais causas de morte. Como é que tem sido a evolução ao longo dos últimos anos, deste risco, em Portugal?

MCR – Continuam a ser a principal causa de morte mas, nos últimos anos, tem havido um decréscimo, em termos estatísticos, desta mortalidade e morbilidade por risco cardiovascular cerebral. Embora se tenha registado algum aumento nos anos de crise.

RX – A hipertensão é conhecida por ser uma doença “silenciosa”. Não havendo sintomas, como é que se deteta a doença?

MCR – Se vamos à espera de sintomas, então não vamos diagnosticar os doentes hipertensos. Nós só conseguimos ter noção se somos ou não somos hipertensos, se medirmos a tensão arterial regularmente. Isso é exatamente aquilo que todas as pessoas têm que fazer.

RX – E a partir de que faixa etária é que devemos fazê-lo com regularidade?

MCR – Desde sempre. Porque cada vez é mais frequente a hipertensão na criança. É algo que está a crescer e temos que ter isso em atenção. A própria Sociedade Portuguesa de Pediatria tem já um núcleo de hipertensão específico e esse núcleo emergiu porque, de facto, a incidência é muito alta. E acontece exatamente o mesmo nos adolescentes e, naturalmente, nos adultos. Embora, nós, enquanto Sociedade Portuguesa de Hipertensão, debruçamo-nos com mais incidência sobre a faixa etária acima dos 18 anos.

RX – No entanto, a hipertensão surge frequentemente aliada a alguns fatores de risco, quais são?

MCR – Digamos que vem aliada a tudo. Não há uma especificação genética, que nos diga que , mais tarde ou mais cedo, este ou aquele tem risco de ser hipertenso. Claramente que, do nosso estilo de vida, o fator de risco que mais contribui para a hipertensão é o sal. Não tenhamos dúvidas. Evidentemente que devemos, por exemplo, realizar exercício físico sim, mas não vale a pena se não consumirmos menos sal. Portanto, estamos sempre à cabeça a falar da redução do consumo diário de sal.

RX – De que forma é que se pode reduzir o consumo de sal na população Portuguesa?

MCR – Para nós, Sociedade Portuguesa de Hipertensão, a existência de medidas só faz sentido se, ao longo dos tempos, essas medidas mostrarem em termos de indicadores, que há um impacto em termos de saúde pública. Se forem medidas que não modifiquem o país, não alterem a saúde dos Portugueses, estamos a falar apenas de “show off”. Portanto quando me falam nesta ou naquela medida, eu questiono sempre “onde está a base científica que me faça acreditar que isto vai ter impacto em saúde pública?”. Parece que eu estou contra as medidas, mas não, não estou. Apenas não me interessam medidas que não mudem o perfil do Português. Não vale a pena. Gasta-se dinheiro, gastam-se recursos e cria-se uma ideia de que somos incapazes.

Há uma disponibilidade para voltar a reduzir a quantidade de sal no pão. A Associação dos Industriais de Panificação, Pastelaria e Similares do Norte (AIPAN), que é a nossa parceira preferencial, afirma que continuam a produzir pão de boa qualidade mesmo que reduzam as quantidades de sal. Se há esta possibilidade, porque não faze-lo? Mas atenção a fazê-lo, que seja exatamente como foi feito em 2008. Ou seja, através de uma lei. Um protocolo não basta. Um protocolo é facilmente contornável sem qualquer penalização. Devemos fazê-lo sim, mas ao abrigo da lei, porque está de alguma maneira escudado.

Agora, há outras soluções… tendo em conta aquilo que já sabemos do ponto de vista de outros mercados, se nós conseguirmos implementar nos produtos embalados uma classificação simples em detrimento desta classificação que existe, complexa e que ninguém percebe, teremos também mais sucesso.

RX – E é em que é que consiste essa etiquetagem simples? 

MCR – Na sinalização dos semáforos. Sobre a qual nós ficamos a perceber que o produto ou é vermelho, ou amarelo ou verde. E isso todos nós interpretamos e não há dúvidas, nem dificuldades. E estamos todos disponíveis para isso, porque todos somos importantes, quer a indústria, as sociedades científicas, ou a população. É verdade que é uma questão difícil porque mexe com alguns interesses, mas vamos lutar e unir esforços para chegar a um consenso. Tenho a certeza que vamos lá chegar.

AVC é a principal consequência da HTA

RX – Quais são as consequências da hipertensão?

MCR – O Acidente Vascular Cerebral. Não só o fatal, mas também o que não é fatal e deixa sequelas. Muitas vezes nos esquecemos que é um doente que sofre de um AVC deixa de ser reconhecido pela Sociedade. Fica em casa, incapacitado e deixa de poder participar enquanto cidadão ativo e a sociedade não se apercebe que tem mais um dos seus cidadãos incapacitado, porque não o vê, não está com ele. Quem é que sente? A família. Que muda tudo… todos os tipos de ligações, todo o tipo de união de uma família, ficam ali quebradas.

RX – De que forma podemos tratar a hipertensão para que situações dessas não aconteçam?

MCR – O tratamento da hipertensão tem de ser sempre acompanhado de uma modificação do estilo de vida e com, nomeadamente, a redução do consumo de sal. Mas creio que apenas isso não vai chegar e, muito provavelmente, o hipertenso diagnosticado vai ter de passar a ser um hipertenso medicado. Claro que depois é uma questão de bom senso para saber medicar, como e quanto. Provavelmente vai começar com baixas doses, provavelmente em monoterapia, mas medicado. Não podemos apenas “tratar bem o hipertenso”, fazê-lo crer que se andar e comer menos quantidade de sal, vai ficar curado… Não… o doente tem que perceber que se quer continuar a viver e quer continuar a fazer parte de uma sociedade, a medicação passa a fazer parte da sua vida. O hipertenso tem de perceber que a medicação não é um castigo nem uma penalização.

RX – O 12º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global tem como foco principal exatamente o tratamento, mais concretamente a questão da adesão. Como é a adesão ao tratamento em Portugal?

MCR – Não somos diferentes dos outros, temos os mesmos defeitos, temos as mesmas dificuldades. Modéstia à parte, o que nós temos sobre os outros, é que fomos os primeiros a falar nisto. Ainda ninguém falava na adesão e nós já chamávamos à atenção para este problema que é nuclear. Se não trouxermos a adesão ao tratamento para cima da mesa, como fator de contribuição para um melhor controlo da hipertensão ou outro que esteja em causa, nada feito. Nós sempre dissemos “este é o caminho, o futuro provou que nós estávamos certos.”

É preciso consciencializar, é preciso mostrar que temos razão, é preciso mostrar que os outros também já nos estão a dar razão e que este é um caminho. É longo, carece de mentalização, de interiorização, dos profissionais de saúde em primeiro lugar, para que depois consigam passar a mensagem de conforto e também de crença para o doente.

RX – Quais são as estratégias que podemos usar para convencer os doentes a aderirem à terapêutica?

MCR – Simplificar a vida ao doente. Ou seja, nós temos que conversar com o doente, explicar-lhe a importância da medicação e evitar que tenham de tomar medicamentos a toda a hora ou a todas as refeições. Vamos arranjar maneira de, eficazmente, e de uma foram muito comoda, tratá-lo. Aí as associações fixas são naturalmente muito benéficas para nós. E se dentro desta associação nós conseguirmos colocar, forma fármacos, substâncias ativas, que atuam, não só na hipertensão, mas como também em outros itens do risco cardiovascular, temos a possibilidade de estar a tratar vários fatores de risco, com um fármaco só. Isso é exequível com a Polypill, que por mais que se fale, por mais que se tente criar entraves, ela está aí e ela vai ser o futuro.

RX – Relativamente ao Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global, que outros tópicos serão abordados?

MCR – A principal bandeira do nosso congresso são os cursos de pós graduação em hipertensão arterial, nos quais são destacados os temas mais atuais no âmbito desta doença. Seja a hipertensão resistente, seja a hipertensão na grávida, seja, de alguma maneira, o tratamento atual e mais adequado da hipertensão, portanto, a hipertensão arterial vista: na atualidade, na perspetiva futura e também sobre alguns grupos específicos que carecem de uma abordagem também muito específica.

RX – Quais são as suas expetativas para este Congresso?

MCR – Vamos ter um congresso de grande sucesso. Acima de tudo porque está constituída uma comissão organizadora do melhor que nós temos e, enquanto Presidente da Direção da Sociedade, não tenho palavras de elogio capazes de explanar a qualidade, o esforço e o empenho, que esta comissão, liderada pelo Dr. Vítor Paixão Dias, tem. Eles são os verdadeiros responsáveis pelo sucesso que eu estou certo que este Congresso vai ser.

Pode saber mais sobre este congresso, aqui: Programa

Por Rita Rodrigues

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