Inês Tello Rodrigues: Investigação científica e prática clínica na Terapia da Fala

A investigação científica e a prática clínica são ainda perspectivadas como uma dicotomia, frequentemente herméticas e pouco colaborativas.
No entanto, numa profissão como a nossa, que se pauta por promover a comunicação, nada me parece mais adequado do que investir na passagem da informação entre estas duas grandes áreas da nossa actuação.

Para encontrar o equilíbrio é necessário compreender que a prática baseada na evidência é uma ponte fundamental ente a investigação e a prática clínica. É fundamental que nos envolvamos mais com aquilo que, por vezes, parece distante da prática clínica e que é o mundo da investigação científica. Nada deve estar mais próximo de um terapeuta que os fundamentos teóricos e o questionamento permanente acerca de tudo o que pretende fazer ou implementar. A inquietude clínica deve fazer parte do nosso genoma e caracterizar a nossa intervenção. Mas para isso, é necessário a humildade de admitir que sabemos muito pouco, que precisamos de aceitar as evidências mais recentes, receber a opinião dos nossos pares e consentir com a mutação do conhecimento face ao julgamento do tempo.

Nada deve estar mais próximo de um terapeuta que os fundamentos teóricos e o questionamento permanente acerca de tudo o que pretende fazer ou implementar. A inquietude clínica deve fazer parte do nosso genoma e caracterizar a nossa intervenção

Nunca, como hoje, os terapeutas da fala portugueses dispuseram de ecologias tão favoráveis ao estabelecimento de parcerias frutuosas entre a prática clínica e a investigação biomédica. Sabemos que a investigação científica reforça a credibilidade das atitudes clínicas, pode determinar padrões de qualidade e a eficácia de uma intervenção, beneficiando naturalmente as instituições, os profissionais e a própria comunidade.

Para tal, a análise crítica da literatura é fundamental, num tempo em que se multiplicam as intervenções diagnósticas e terapêuticas, muitas com benefício pouco fundamentado e, por vezes, com riscos relevantes. Na prática clínica, hoje, como sempre, deve ser obrigação de cada um de nós colher sistematicamente dados que permitirão semear perguntas ou encontrar respostas, num trabalho que se deseja cada vez mais multidisciplinar.

A evidência científica da profissão ajuda os terapeutas a medir a eficácia do tratamento implementado, a encontrar as estratégias mais eficazes e a compreender como é que as necessidades da pessoa entram nesta equação. Na aritmética de um plano de intervenção, esta última variável constitui o maior coeficiente e relembra-nos que o modelo científico não contempla apenas o modelo biomédico mas também o modelo psicossocial e o modelo holístico, onde a participação da pessoa é o vector para o sucesso de qualquer intervenção.

Nunca, como hoje, os terapeutas da fala portugueses dispuseram de ecologias tão favoráveis ao estabelecimento de parcerias frutuosas entre a prática clínica e a investigação biomédica

No entanto, trazer essa evidência para a prática requer recursos concisos, acessíveis e de fácil consulta no quotidiano clínico dos terapeutas. Não é possível ignorar as dificuldades com que muitos de nós se deparam quando tentamos conhecer melhor a investigação clínica disponível ou aceder a projectos e a programas de investigação e desenvolvimento.
O acesso à investigação deve ser alvo de uma enorme reflexão que terá necessariamente de desafiar e envolver centros de investigação, editores científicos, instituições de financiamento e parcerias governamentais.

Alguns destes desafios e os constrangimentos passam pelo massivo investimento nas ciências fundamentais sem qualquer articulação para a prática clínica. A título de exemplo, a vasta maioria das candidaturas a bolsas de doutoramento ou pós-doutoramento na área das Ciências da Saúde, aprovadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, nos últimos 20 anos, correspondem a projectos de investigação biomédica básica, não envolvendo estudos com doentes ou de cariz clínico.

Paralelamente, é frequente não existir partilha de informação sobre os projectos de investigação entre instituições, o que pode levar a duplicação de trabalhos científicos, algo incompreensível num país tão pequeno geográfica e economicamente.

O acesso à investigação deve ser alvo de uma enorme reflexão que terá necessariamente de desafiar e envolver centros de investigação, editores científicos, instituições de financiamento e parcerias governamentais

A passagem da informação para a sociedade civil é também escassa e ineficaz. Um dos maiores problemas da academia é confinar os resultados dos projectos de investigação ao meio científico, acabando por prejudicar a utilidade social destes projectos, quer na divulgação da informação, quer na definição do objecto de estudo.
Por tudo isto, é premente reforçar a continuidade do apoio financeiro à investigação clínica e promover a participação das sociedades científicas, das associações de doentes e da comunidade em geral, para uma cultura da investigação que trará, certamente, vastos benefícios a todos nós!

Nota: Artigo escrito ao abrigo do anterior Acordo Ortográfico por opção do autor.

Opinião de Inês Tello Rodrigues
Terapeuta da Fala
Membro da Comissão Científica do I Congresso da SPTF
Doutorada em Neurociências Cognitivas

Artigo originalmente publicado no Guia do I Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Terapia da Fala, que pode consultar AQUI.

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