Relatório de Primavera 2019 revela um SNS “bem melhor do que muitos pretendem fazer crer”

A necessidade – “por vezes adormecida” – de se continuar a assumir a Saúde como um direito humano, tal como consagra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, justifica o Relatório de Primavera (RP) 2019, da autoria do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). O relatório, que este ano coincide com o fim de um ciclo legislativo, foi apresentado ao país no dia 11 de julho de 2019 na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

O RP2019 encontra um Serviço Nacional de Saúde (SNS) “bem melhor do que muitos pretendem fazer crer”, com a evolução dos indicadores de saúde do país a fazer prova disso, mas interroga-se sobre a capacidade de resposta aos desafios presentes e futuros: o aumento da procura, uma população envelhecida, mas também mais exigente e um setor privado cada vez mais pujante em termos de recursos técnicos/tecnológicos e humanos.

Do balanço sobre a atividade governativa do setor o RP2019 ressalta o tempo perdido em reformas que se impunham e que ficaram, mais uma vez, por concretizar. Da Reforma do SNS à Lei de Bases da Saúde, considera-se que o que fica para memória futura é manifestamente pouco, face às expectativas geradas tendo a sustentação financeira do SNS no imediato dominado as preocupações e orientações políticas, em detrimento da sustentabilidade técnica, estrutural, humana e financeira a longo prazo. Cuidados de Saúde Primários (CSP) a funcionar a duas velocidades (USF versus UCSP), ou a escassez da criação de lugares em Cuidados Continuados Integrados, nomeadamente nas áreas domiciliária e de saúde mental são, segundo os autores, apostas perdidas na atual legislatura.

Por sua vez, a Estratégia Integrada para a Alimentação Saudável, o Plano Nacional para a Promoção da Atividade Física e a criação do Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados são os principais pontos positivos apontados. Mas o RP2019 alerta para a necessidade de reformas de fundo no SNS, nas áreas do planeamento estratégico integrado, equidade, clarificação de responsabilidades do SNS enquanto financiador e prestador, definição das fronteiras entre o público e o privado, a gestão do SNS, e os profissionais de saúde, este último ponto considerado pelos autores como o principal desafio.

O capítulo sobre a reforma dos Cuidados de Saúde Primários evidencia as “virtudes e vícios” das Unidades de Saúde Familiares (USF), destacando-se positivamente a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde prestados e o desempenho de todas as unidades funcionais, fruto de um modelo de contratualização que tem evoluído que concilia a centralidade do cidadão com dimensões que valorizam a progressão para a excelência das equipas. Considera-se, no entanto, que é necessária uma gestão mais descentralizada, que a organização assente em Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) dificulta a proximidade com os utentes e alerta-se para a importância de incluir, na avaliação da efetividade dos CSP, variáveis referentes ao sistema de saúde e da integração de cuidados, mas também relativas ao utente. Os autores apelam à necessidade de um novo impulso na reforma dos CSP, e recomendam um conjunto de pressupostos para um novo modelo de contratualização.

O capítulo dedicado ao VIH: O que estará para mudar dá conta de que, apesar da progressão da epidemia no país, Portugal continua a ser um dos países europeus com maior número de diagnósticos por 100.000 habitantes (3.000 casos/ano). Destaca positivamente o trabalho desenvolvido pelas estruturas de investigação comunitárias, bem como o excelente trabalho de Portugal no diagnostico de mulheres grávidas, cuja cobertura próxima dos 100% permitiu a eliminação da transmissão mãe-filho ao nível nacional.

Contudo, continua a faltar planeamento, estratégia, informação sobre quanto se investe em promoção da saúde e prevenção do VIH, e o estigma e a descriminação continuam presentes.

Os autores alertam também para o silêncio mediático, nas políticas de saúde e no debate sobre promoção da saúde e prevenção da doença, sobre a ameaça que a infeção VIH ainda representa em Portugal. Um claro contraste com o período de entusiasmo e mobilização que se vive atualmente, ao nível internacional, em torno do objetivo definido pelo programa ONUSIDA: que até 2030 o VIH deixe de ser uma ameaça à saúde pública.

A análise das Políticas de Saúde Mental demonstra que Portugal permanece com atraso, quando comparado com a evolução europeia, no que diz respeito ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento da doença mental, fruto da inexistência de um compromisso político de investimento nesta área.

São identificados alguns fatores que explicam muitos dos obstáculos à melhoria dos cuidados de saúde mental e os autores recomendam um investimento na contratação de maior número de psicólogos no SNS, especialmente nos CSP, cuja evidência associa a uma redução em cerca de 20%-30% dos custos e diminuição das idas às urgências, das hospitalizações e dos tempos de internamento. Ainda neste capítulo é possível verificar que Portugal ocupa o primeiro lugar, entre os países da OCDE, no consumo de psicofármacos.

O capítulo do Medicamento analisa a despesa com medicamentos, evidenciando um ligeiro aumento em anos recentes, explicado em parte pelas novas moléculas comparticipadas em ambulatório, que representam mais de 40 milhões de euros de encargos em 2018, com destaque para os novos anticoagulantes orais. As assimetrias geográficas na despesa com medicamentos continuam a verificar-se, com um menor consumo de fármacos e, consequentemente, menor gasto, no distrito do Porto, e o maior consumo registado em municípios da região Centro. Da análise ao acesso à inovação terapêutica em Portugal, conclui-se que existem amplas oportunidades para melhorar o planeamento e processos de decisão, evitando os casos de “necessidade imperiosa e urgente” (ex. hepatite C), através de um adequado exercício de antecipação e previsão dos ciclos de inovação. Ainda neste capítulo, os autores recomendam o incremento da transparência dos procedimentos de harmonização de fixação de preço e avançam com a proposta de passar o atual INFARMED a entidade reguladora independente, deixando para o governo a decisão final sobre o preço e comparticipações.

Com a apresentação deste documento cumprem-se 19 anos de análise ao sistema de saúde em Portugal, mas também de propostas e recomendações concretas à tutela. A coordenação do OPSS compromete-se, já a partir da próxima edição, a incluir uma breve análise com o seguimento que os governos deram às propostas enunciadas pelos colaboradores do RP no ano anterior.

Consulte AQUI o documento.

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