Será síndrome de Dravet?

Descoberta em 1978 pela epileptologista francesa Charlotte Dravet, a síndrome de Dravet afeta aproximadamente 500 portugueses, embora apenas cerca de 100 estejam identificados e devidamente diagnosticados. Uma crise convulsiva no primeiro ano de vida, crises epilépticas recorrentes, refratariedade à terapêutica antiepilética convencional e degradação cognitiva são algumas das características que devem levar os clínicos a questionarem se “será síndrome de Dravet”. Em entrevista ao Raio-X, Patrícia Fonseca, presidente da Dravet Portugal, descreve melhor as particularidades desta doença rara e alerta para importância de um diagnóstico atempado e de um tratamento adequado.

Raio-X – O que é a síndrome de Dravet?
Patrícia Fonseca – A síndrome de Dravet é uma encefalopatia progressiva, rara, que se caracteriza por uma epilepsia resistente ao tratamento. Para além da epilepsia existem outras características que definem a doença e que têm um impacto muito significativo, nomeadamente o défice cognitivo e psicomotor que limita bastante a vida dos doentes. A síndrome de Dravet manifesta-se durante o primeiro ano de vida. Aliás, esse é um dos aspetos que o médico deve ter em conta para o diagnóstico, ou seja, os doentes sofrem, pelo menos, uma crise convulsiva antes de completarem um ano de vida. Progressivamente vão surgindo outras crises de diversas etiologias e esse é outro sinal clínico que deve ser valorizado. São, geralmente, convulsões prolongadas, com duração superior a 30 minutos, muitas vezes com ocorrência de status epilepticus.

RX – Essa primeira crise costuma ser valorizada e gerar uma suspeita de diagnóstico?
PF – Geralmente, uma primeira crise epilética numa criança não é valorizada. Aliás, costuma dizer-se que a maior parte da população terá, ao longo da vida, pelo menos, uma crise convulsiva. Por norma, depois de uma primeira crise, há um período de espera em que os médicos ficam a aguardar um eventual segundo episódio. Em casos de síndrome de Dravet não é preciso esperar muito tempo até à ocorrência de uma segunda convulsão. Nessa altura os médicos começam a ponderar implementar terapêutica. Inicialmente com um antiepilético e, face à sucessão de crises, surge a necessidade de experimentar outros antiepiléticos e, chega a um ponto em que é preciso recorrer a uma associação de vários fármacos.

RXE com politerapia é possível manter as crises controladas?
PF – Não. Mesmo com politerapia não se verifica uma resposta. As crises continuam e este é o sinal clínico que, na maior parte dos casos, leva os profissionais a questionarem se estão perante uma epilepsia resistente.

RX – A heterogeneidade das convulsões e a refratariedade ao tratamento são então potenciais indicadores de diagnóstico que ajudam a diferenciar a síndrome de Dravet dos restantes tipos de epilepsia?
PF – Exatamente. E o nosso objetivo é que os profissionais de saúde pensem nisso e questionem a possibilidade de estarem perante uma síndrome de Dravet. Além disso, até à ocorrência de uma primeira crise, estas crianças apresentam um desenvolvimento normal e um crescimento absolutamente saudável, tanto do ponto de vista cognitivo, como do ponto de vista motor. E mesmo depois da ocorrência das crises convulsivas, os eletroencefalogramas apresentam, geralmente, um traçado normal. Só depois de várias crises é que começa a haver uma deterioração cognitiva e alguns sinais de alterações no eletroencafalograma. Portanto, perante um bebé que teve um crescimento normal, que sofreu uma primeira crise antes de completar um ano, que fez crises sucessivas, que não responde ao tratamento antiepilético, que apresenta eletroencefalograma normal, os médicos têm mesmo de ponderar o diagnóstico de síndrome de Dravet. O diagnóstico precoce é muito importante pois evita que as crianças sejam medicadas com fármacos que não são os mais adequados e que, inclusivamente, podem agravar a doença.

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Diagnóstico genético

RX – Mesmo perante as suspeitas clínicas de síndrome de Dravet, o diagnóstico genético deve sempre ser feito?
PF – O diagnóstico genético só existe desde 2003 e ainda hoje há muitos médicos que, apesar de suspeitarem de síndrome de Dravet, não prescrevem o teste genético. Preferem aguardar pela evolução da doença para perceberem se, de facto, todos os critérios clínicos de síndrome de Dravet estão presentes. Mas durante esta espera, a doença vai progredindo e a criança acaba por ser exposta a tratamentos que não têm sucesso.

RX – Como é o desenvolvimento destas crianças até à idade escolar?
PF – Dentro da síndrome de Dravet existe um espetro muito grande de afetação cognitiva. Alguns doentes apresentam um défice cognitivo moderado a grave, mas temos outros com défice grave e outros com défice muito grave. A evolução da doença difere de doente para doente. De uma forma geral, o percurso escolar das crianças que têm síndrome de Dravet é muito especial. Normalmente estas crianças são encaminhadas para o ensino público, se for esse o desejo dos pais, em que os apoios são muito limitados. São crianças que têm necessidades educativas especiais, apresentando grande dificuldade em frequentar o ensino regular. Não conseguem integrar-se porque, em termos gerais, não conseguem aprender, embora haja crianças que têm uma capacidade superior. Muitas vezes estas crianças são integradas em salas de multideficiência, não desenvolvem grandes capacidades em termos de escolaridade. Acabam por ser mais trabalhados aspetos relacionados com a autonomia. Mesmo assim, precisam de acompanhamento durante 24 horas por dia.

RX – Com a medicação adequada é possível controlar as crises?
PF – O controlo nunca é completo, mas existem doentes que conseguem manter-se livres de crises durante períodos mais prolongados de tempo. Mas o receio das crises está sempre presente e torna muito difícil que os doentes sejam autónomos e independentes. O simples facto de ir a uma piscina ou a um restaurante pode constituir um grande problema para uma família que tenha uma criança com síndrome de Dravet. É que, para além das crises epiléticas, alguns doentes desenvolvem características semelhantes às do autismo. Os distúrbios do comportamento têm uma incidência muito grande.

RX – A cirurgia ,que é muitas vezes o tratamento eleito para doentes com epilepsia resistente à terapêutica farmacológica, pode também ser uma solução para os doentes com síndrome de Dravet?
PF – A cirurgia da epilepsia não se aplica porque nos doentes com síndrome de Dravet as crises são generalizadas. Ou seja, não há uma lesão específica e localizada que possa ser corrigida cirurgicamente. A cirurgia não é aconselhada. Não é essa a melhor opção.

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Alertar, sensibilizar e informar

RX – O dia 23 de junho foi definido como o Dia Internacional da Síndrome de Dravet. Qual o objetivo de assinalar este dia?
PF – Esta data é assinalada mundialmente e tem como fim sensibilizar e chamar a atenção da população, mas também dos profissionais de saúde, para a existência de uma doença que é rara e em relação à qual há muita falta de informação e de conhecimento. Como acontece com as outras doenças raras, também na síndrome de Dravet há falta de diagnóstico, de apoio e, sobretudo, de tratamentos inovadores e dirigidos especificamente a este problema. Neste momento, não existem fármacos que sejam eficazes no tratamento da síndrome de Dravet, mas apenas fármacos que, de alguma forma, atenuam os efeitos da doença, ou seja, as crises epiléticas.

RX – Não havendo ainda esse tratamento específico para a síndrome de Dravet, há, pelo menos, investigação nesse sentido?
PF – Sim. Aliás, esse é um dos objetivos da Dravet Portugal, ou seja, dar apoio à investigação, no sentido de serem encontrados fármacos que sejam realmente eficazes na síndrome de Dravet e soluções dirigidas à raiz do problema e que equivalham a uma cura porque existe a possibilidade de isso acontecer. Neste momento estão em curso vários projetos de investigação e vários fármacos que estão a ser estudados em ensaios clínicos dirigidos especificamente à síndrome de Dravet. Estamos muito otimistas em relação a uma nova terapia genética que teve resultados muito positivos em modelos animais. Temos a certeza que nos próximos anos vão surgir novidades muito boas para estes doentes e para os seus familiares. Mas para que tudo isto avance é preciso reunir um conjunto de sinergias. E é nesse aspeto que as associações de doentes têm um papel essencial.

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“É imperativo identificar estes doentes”

RX – Em Portugal, quantos doentes estão identificados?
PF – Estima-se, para a síndrome de Dravet, uma incidência de 1/22 000 nascimentos, o que significa que, em Portugal, existam cerca de 500 casos, dos quais 80% estão por diagnosticar. Neste momento, cerca de 100 doentes estarão identificados. Destes, nós conhecemos 35. É imperativo conhecer os restantes.

RX – É também essa a missão do site www.dravet.pt ?
PF – Procurámos que o site fosse dirigido à população, no sentido de informar e ajudar as famílias a identificarem alguns sinais e a procurarem ajuda. É muito importante que cheguem até nós. Por outro lado, o site é também dirigido aos profissionais de saúde para que estejam atentos aos dados mais atuais sobre a síndrome de Dravet.

RX – A mortalidade nos doentes com síndrome de Dravet é superior à dos doentes que sofrem de outros tipos de epilepsia?
PF – A mortalidade é muito elevada. Mais elevada do que nos doentes que sofrem de epilepsia, mesmo de epilepsia refratária. Temos uma taxa de mortalidade europeia de 15% até à adolescência e de 20% até à entrada na idade adulta. Há um risco muito elevado de morte súbita quer devido à ocorrência de crises prolongadas, quer a outros incidentes ligados à epilepsia (traumatismos, fraturas, afogamento, etc). O risco de morte acaba por ser mais reduzido nos doentes que são diagnosticados mais cedo e que iniciam a terapêutica adequada mais precocemente. Nas 30 famílias que identificámos até agora já perdemos cinco doentes.

Cátia Jorge

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