“À partida, a mulher com diabetes não é infértil, sendo de grande importância a programação da gravidez”

No Dia Mundial da Grávida, partilhamos uma entrevista sobre os desafios da gravidez para uma mulher com diabetes. Ao Raio-X, Jorge Dores, endocrinologista responsável da Consulta de Patologia Endócrina na Gravidez do Centro Hospitalar e Universitário do Porto, partilhou os cuidados a ter neste contexto, bem como as exigências do tratamento e a importância de sensibilizar a população em geral para esta temática.

Quais os principais desafios de uma gravidez para uma mulher com diabetes mellitus ?

O primeiro desafio para estas mulheres é enfrentar o mito de que a mulher com diabetes não consegue engravidar. Todas as mulheres em idade fértil devem ter em atenção que a qualquer momento podem engravidar, se não tomarem as mesmas medidas de contraceção do que as mulheres sem diabetes.

Qualquer gravidez deverá ser planeada recorrendo às consultas de pré-conceção a nível dos cuidados primários. No caso das mulheres com diabetes esse planeamento reveste-se ainda de maior importância pela necessidade de rastrear e tratar as complicações e outras doenças potencialmente associadas à diabetes. Além disso, é crucial a otimização do controlo da diabetes para evitar um ambiente metabólico adverso durante as primeiras semanas após a conceção e reduzir o risco de malformações congénitas. Estas consultas de planeamento devem ter lugar a nível dos cuidados hospitalares com recurso a consultas multidisciplinares envolvendo os endocrinologistas, obstetras, nutricionistas, enfermeira especialista dedicada à educação terapêutica, com acesso facilitado a outras áreas de conhecimento como a Nefrologia, Cardiologia, Psicologia, Psiquiatria e Neonatologia.

Para minimizar o risco de complicações maternas e fetais (abortamento espontâneo, pré-eclampsia, prematuridade, bebés demasiado grandes (macrossomia), traumatismo de parto, hipoglicemias maternas ou neonatais, malformações congénitas, entre outras) precisamos de conseguir motivação e disponibilidade adicionais das mulheres para investir no seu controlo da doença, com maior frequência de deslocação aos hospitais para consultas, com implicações potenciais na sua organização familiar e socioprofissional.

Que cuidados se devem ter para evitar riscos, tanto para a grávida como para o feto ?

Os cuidados a ter para evitar riscos materno-fetais, antes de mais são os aplicáveis a todas as mulheres que pretendem uma gravidez saudável: a abstenção do tabaco, das bebidas alcoólicas, de drogas de abuso ou fármacos com possibilidade de causar malformações. Em relação à diabetes, a mulher deverá seguir com maior rigor os conselhos e os ensinamentos ministrados e reforçados regularmente nas consultas pela equipa de saúde.

No caso das mulheres com diabetes tipo 2, geralmente com excesso de peso, a adoção mais consciente de um plano alimentar mais saudável fornecido por um nutricionista, assim como a realização de maior atividade física, adaptada a cada pessoa, ajudará na negativação do balanço energético e promoverá a perda de alguma massa gorda em excesso. A substituição de algumas classes de fármacos antidiabéticos por insulina, com ou sem metformina, é muito importante, em virtude da ausência de dados seguros sobre a utilização na gravidez de grande parte das classes de fármacos antidiabéticos.

A monitorização dos níveis da glicose é crucial para o ajuste constante da terapêutica. Essa monitorização é efetuada atualmente de forma contínua através de dispositivos que permitem a visualização dos níveis da glicose sempre que se passar um leitor perto de um pequeno sensor colado discretamente na face posterior do braço. Em alternativa, a monitorização pode ser efetuada através de pequenas picadas nos dedos, com desconforto mínimo, e a leitura num glicómetro.

A terapêutica farmacológica nas mulheres com diabetes tipo 1 assenta exclusivamente em esquemas de insulina de administração intermitente através das canetas injetoras ou de um modo contínuo através de dispositivos de perfusão subcutânea (bombas de insulina). O objetivo da terapêutica com a insulina é a administração de uma dose necessária para cobrir principalmente o teor em hidratos de carbono dos alimentos de cada refeição e a correção dos desvios da glicemia quando a insulina basal não é suficiente. Este será o esquema que melhor imita a nossa fisiologia e permitirá conseguir níveis glicémicos mais próximos do normal, sendo o objetivo conseguir ter mais de 70% dos valores da glicose entre 70 e 140 mg/dl e menos de 4% abaixo de 70 mg/dl. Com estes alvos glicémicos atingidos conseguiremos uma hemoglobina glicada (HbA1c- traduz controlo médio da glicemia nos 3 meses precedentes) inferior a 6,5%, valor recomendado para a peri-conceção porque este valor está associado a baixo risco de malformações e abortamentos espontâneos.

Os riscos entre uma diabetes existente antes da gravidez e uma diabetes gestacional são diferentes para a mulher e para o feto ?

Sim. A diabetes gestacional é uma situação de hiperglicemia ligeira que é desmascarada durante a gravidez com o aumento da resistência à insulina causado pela produção crescente de hormonas placentárias à medida que a placenta cresce. A diabetes gestacional surge mais frequentemente na transição do 2.º para o 3.º trimestre da gravidez, pelo que as malformações congénitas induzidas pela hiperglicemia não são caraterísticas desta entidade, uma vez que as malformações ocorrem logo no início da gravidez (primeiras 8 semanas) durante a formação dos órgãos e nesta fase geralmente ainda não surgiu elevação da glicose.

Todas as outras complicações materno-fetais da hiperglicemia podem ocorrer quer na diabetes prévia à gravidez, quer na diabetes gestacional, embora com maior frequência na primeira, pela maior dificuldade no seu controlo glicémico. Além disso, em certos casos mais complexos, a existência de complicações crónicas já previamente induzidas pela diabetes (retinopatia, nefropatia ou neuropatia, entre outras) podem complicar o tratamento ou o desfecho da gravidez.

Uma mulher com diabetes deve ter cuidados extras no planeamento da gravidez?

Sim, sobretudo se o seu controlo não estiver dentro dos objetivos já apontados, que é o que encontramos infelizmente na maioria das mulheres em idade fértil.

As mulheres com diabetes tipo 2 precisam geralmente de perder algum peso, mediante a adoção mais efetiva de um estilo de vida saudável e substituir alguns fármacos antidiabéticos ou anti-hipertensores por outros que sejam mais seguros em relação ao seu efeito sobre potenciais malformações. Esta substituição de fármacos pode causar uma desregulação inicial da glicemia que precisa de ser ajustada antes de terem autorização para engravidar.

Estes cuidados também se aplicam às mulheres com diabetes tipo 1, se tiverem excesso de peso, com a prescrição de um plano alimentar equilibrado em macro e micronutrientes, frequentemente com necessidade de suplementação antes da gravidez  com ácido fólico (para evitar malformações do tubo neural), ferro ou vitamina B12 se houver deficiência documentada.

A terapêutica insulínica tem de ser otimizada, ajustando-a aos valores da monitorização da glicose de modo a conseguir os objetivos já apontados.

Não menos importante é o rastreio e tratamento das complicações micro e macrovasculares, mediante a observação por um oftalmologista para avaliação do estado da retina e a determinação da taxa de excreção urinária de albumina, assim como a avaliação clínica da neuropatia (sensibilidade periférica e a presença de enfartamento ou vómitos tardios após as refeições) e da doença macrovascular (angina ou enfarte prévio, antecedentes de AVC, ou antecedentes de lesões nos pés com má circulação arterial periférica).

Considera que os profissionais de saúde estão sensibilizados para esta situação ?

Sim. Atualmente considero que a generalidade está sensibilizada. Felizmente, já escasseiam os casos de referenciação de mulheres com diabetes tipo 2 para o hospital por estarem grávidas com a suspensão de toda a medicação antidiabética habitual para não causar malformações, mas sem a terapêutica insulínica de substituição. Naturalmente, essas grávidas chegam muito descompensadas, com necessidade de intensificação rápida com terapêutica insulínica, com algum risco de agravamento de uma potencial retinopatia diabética.

O mais importante é o reforço regular da informação das mulheres em idade fértil, com diabetes, da importância acrescida da programação da gravidez e recordar a necessidade da redução dos riscos de complicações materno-fetais com um bom controlo metabólico na periconceção e toda a gravidez. Devemos ter em consideração a imprevisibilidade frequente de uma gravidez, pelo que uma parte do tempo na consulta deverá ser uma abordagem proativa sobre este tema, mesmo correndo o risco de nos considerarem maçadores.

E a população em geral ?

Penso que ainda há uma parte da população, sobretudo aquela que não tem familiares ou amigos próximos com diabetes tipo 1, que julga que estas pessoas por terem diabetes não conseguem engravidar.

A primeira noção a transmitir é que uma pessoa com diabetes pode fazer uma vida normal, desde que esteja bem ensinada e consiga gerir a administração de insulina com a variabilidade do horário e teor dos alimentos, atividade física e situações fisiológicas como o stress do dia a dia, ciclo menstrual, temperatura ambiente, entre outros fatores menos importantes.

Por outro lado, se uma mulher diabética está em idade fértil e tem vida sexual, se não adotar medidas contracetivas para evitar uma gravidez não desejada, coloca-se a jeito para que isso ocorra, dando razão ao aforismo “quem anda à chuva, molha-se”. E se uma gravidez indesejada pode causar grande transtorno a uma mulher, se esta tiver diabetes, este pode ser agravado pelo maior risco de agravamento de complicações maternas pré-existentes ou complicações muito importantes no desenvolvimento fetal, se o controlo glicémico estiver distante do normal.

Assim, a mensagem que deixo à população geral é que a mulher com diabetes, à partida, não é infértil e deverá tomar as mesmas medidas contracetivas do que as mulheres sem diabetes, sendo de grande importância a programação da gravidez. Esta programação permitirá avaliar o estado da sua diabetes e otimizar as condições para uma futura conceção, de modo a conseguir que uma gravidez decorra com a maior tranquilidade para o nascimento de um bebé saudável.

Por Marisa Teixeira

 

 

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