A criopreservação das células estaminais da polpa dentária já está disponível em Portugal. Em entrevista, Helga Leite, médica dentista especialista em odontopediatria e ortodontia, explica em que consiste o processo de armazenamento das células estaminais dos dentes de leite das crianças e como pode ser útil no tratamento de algumas patologias, nomeadamente do foro neurológico.
Raio-X (RX) – Em que consiste a criopreservação das células estaminais da polpa dentária?
Helga Leite (HL) – O dente é uma estrutura rígida constituída por dentina e esmalte na coroa (porção que se encontra fora do osso e visível na cavidade oral) e por dentina e cemento na raiz (porção que se encontra dentro do osso alveolar – maxilares). O dente reserva dentro de si a polpa dentária, que é composta por vasos sanguíneos, nervos e células estaminais. A criopreservação significa preservação a baixa temperatura. A criogenia é a ciência que desenvolve um método físico de criar baixas temperaturas. Esta temperatura garante a preservação da célula – que se sabe ocorrer aos -133º – por tempo indeterminado. Através da criopreservação as células estaminais mantêm-se vivas e com a qualidade suficiente para poderem, em caso de necessidade, ser aplicadas no tratamento de determinadas patologias.
RX – De que forma as células estaminais são obtidas a partir do dente e como são conservadas?
HL – A polpa dentária é recolhida mediante a extração do dente de leite, que é um processo não invasivo e que pode ser feito naturalmente durante o período de troca dos dentes da criança, ou seja, entre os 5 e os 12 anos. Os dentes candidatos ao processo de criopreservação deverão estar a abanar ligeiramente. Desta forma, assim que seja percebida essa sensação pela criança, deverá ser marcada uma consulta para avaliação por um profissional familiarizado com o protocolo. Se forem preenchidas as condições necessárias à realização da criopreservação de células estaminais da polpa dentária, a Future Health Biobank – única empresa a realizar a recolha de células estaminais da polpa dentária em Portugal – é contactada, para disponibilizar um kit de recolha e transporte no dia da consulta de extração do dente. O dente deve chegar ao laboratório de criopreservação, no máximo, até 72 horas após a extração. É possível criopreservar polpas de dentes que caem sem intervenção médica, mas não é dada a mesma garantia de sucesso na recolha de células estaminais suficientes. Os pais devem levar o kit adquirido ao banco de criopreservação para que, no dia da extração do dente, tudo se encontre no consultório.
RX – Quais as vantagens desta técnica relativamente à criopreservação do cordão umbilical?
HL – Da polpa dentária são apenas extraídas células estaminais mesenquimatosas, podendo assumir-se então como a segunda oportunidade para quem não fez colheita do tecido de cordão umbilical. Porém, as células estaminais da polpa são mais eficientes na intervenção em doenças do foro neurológico. As células estaminais da polpa dentária também podem ser utilizadas como coadjuvantes no processo de transplante, ao diminuir a reação de rejeição ao enxerto. A criopreservação de células da polpa dentária guarda ainda outras vantagens: a extração da polpa do dente de leite é um processo não-invasivo (não implica uma gravidez e um parto), pode ser feita naturalmente durante o período de troca dos dentes da criança (não implica uma decisão de momento, como o parto), as células estaminais da polpa são células estaminais jovens protegidas pela estrutura dos dentes de todas as formas de stress, a recolha de células estaminais da polpa não tem implicações éticas, uma vez que o destino dos dentes de leite seria o lixo e, por último, as células estaminais da polpa são multipotentes e imunotolerantes, podendo ser utilizadas no doador ou em outros membros da sua família (irmãos, pais, avós).
“Da polpa dentária são apenas extraídas células estaminais mesenquimatosas, podendo assumir-se então como a segunda oportunidade para quem não fez colheita do tecido de cordão umbilical. Porém, as células estaminais da polpa são mais eficientes na intervenção em doenças do foro neurológico.”
RX – Para que fins terapêuticos poderão ser utilizadas estas células?
HL – As células estaminais da polpa dentária são naturalmente capazes de realizar reparação e regeneração de tecidos, como: músculos, tendões, cartilagem, osso e sistema nervoso. Pela sua origem no tubo neural, a polpa dentária apresenta células estaminais muito eficientes no tratamento de patologias do foro neurológico. Pesquisas mostram eficácia do uso das células estaminais da polpa do dente de leite para a reversão de doenças degenerativas como Alzheimer, Lúpus, AVC, Parkinson, enfarte, disfunção do miocárdio e restauração da córnea humana.
RX – Quais os resultados de eficácia obtidos até agora em estudos clínicos?
HL – Quando os pais questionam sobre as taxas de sucesso da terapia com recurso a células estaminais da polpa dentária a resposta deverá ser: dependerá do prognóstico do paciente e da terapia empregue (quantas doses de células, via de aplicação das células, periodicidade da aplicação). Os resultados experimentais e de estudos clínicos demonstram, muitas vezes, não a cura da patologia, mas a melhoria dos sintomas e da qualidade de vida dos pacientes. O que muitos desconhecem é que o tratamento com as células estaminais é realizado sem recurso a qualquer cirurgia. As células estaminais são introduzidas no indivíduo que receberá o tratamento apenas por meio de uma injeção (o número de injeções e a periodicidade das mesmas é determinada pela equipa médica).
“Pesquisas mostram eficácia do uso das células estaminais da polpa do dente de leite para a reversão de doenças degenerativas como Alzheimer, Lúpus, AVC, Parkinson, enfarte, disfunção do miocárdio e restauração da córnea humana.”
RX – Em que centros pode ser efetuada a colheita atualmente?
HL – Já existem em Portugal algumas clínicas médico-dentárias com parceria com a Future Health Biobank. Os pais interessados poderão contactar a Future Health Biobank através da linha gratuita 800 103 480.
Patrícia Rebelo
