Pneumologista portuguesa expulsa representantes da indústria tabaqueira de sessão científica internacional sobre tabaco

Mais de 22 000 especialistas com interesse nas patologias respiratórias estiveram na semana passada reunidos em Paris para mais uma edição do Congresso da European Respiratory Society (ERS). O tabaco e as novas formas de tabaco foram tema de múltiplas sessões, uma delas presidida pela pneumologista portuguesa Sofia Ravara. Numa sala onde estavam reunidos centenas de médicos, quase passava despercebida a presença de representantes da indústria tabaqueira que acabaram por ser “traídos” pela identificação que traziam no badge. Antes do início das apresentações, foram convidados a sair devido a “conflitos de interesse” e a incumprimento das regras da ERS.

“Apercebemo-nos numa sessão anterior que havia, pelo menos, três pessoas identificadas como representantes da Philip Morris, porque estava escrito no badge. Falei com a presidente e com a secretária do grupo 6.3 (Comissão do Controlo do Tabagismo) da ERS e tomámos a decisão de não deixar que essas pessoas assistissem à sessão onde seriam discutidas as táticas publicitárias da indústria do tabaco e as estratégias de pressão para a não implementação de medidas políticas antitabágicas”, descreve Sofia Ravara. Além disso, sublinha a pneumologista do Hospital da Beira Interior (Covilhã), “a ERS tem regras muito claras sobre o conflito de interesses e não permite que as pessoas que, de alguma forma, estão ligadas à indústria do tabaco, nomeadamente membros da ERS, participem nestes congressos”.

Durante esta sessão foram revistas as regras da convenção quadro da OMS, mais concretamente o artigo 5.3, que reforça as pressões da indústria tabaqueira para contrariar a implementação de políticas antitabágicas e a importância de a comunidade científica expor essa pressão à sociedade. “Em Portugal, cumprimos muito pouco este nosso papel. Enquanto profissionais de saúde temos esse dever de denunciar estas pressões, para que os deputados se sintam também na obrigação de tomar medidas e não se sintam impunes”.

“Redução dos danos” é fictícia

A “redução dos danos” tem sido um argumento utilizado pela indústria tabaqueira ao longo da história, como forma de convencer os decisores e os consumidores de que as novas formas de tabaco são uma espécie de “mal menor”. Em relação ao tabaco aquecido, o slogan “deixar de fumar, fumando”, tem sido frequentemente utilizado e em vários países, a indústria tabaqueira tem, inclusivamente, tentado criar parcerias com profissionais de saúde para que estes recomendem estas novas formas de tabaco nas estratégias de cessação tabágica. “Esta tática não é nova, mas no passado já se verificou que não resulta”, sublinha a pneumologista, dando como exemplo os cigarros light e ultralight.

Aliás, “está demonstrado num estudo americano, que o risco de cancro do pulmão, tanto em homens como em mulheres, é atualmente bastante mais elevado do que na década de 50. Isto significa que os cigarros são cada vez mais tóxicos, têm cada vez mais aditivos e são cada vez mais causadores de doença”.

Em relação aos novos produtos de tabaco, os primeiros artigos científicos financiados pela indústria tabaqueira foram desenvolvidos antes mesmo de estes estarem disponíveis no mercado. “Anteciparam o seu lançamento e publicaram estes artigos em revistas científicas de prestígio”.

Aquando do lançamento dos “e-cigarrettes”, já os deputados tinham na mão estes estudos “que não mostram a realidade toda” e que “têm muitos viés”. “Do nosso lado não tínhamos nada para contra-argumentar”, lamenta Sofia Ravara, acrescentando que “a comunidade científica ainda não tinha tido tempo de avaliar estes novos cigarros e já havia estudos publicados financiados pela indústria”.

Só mais tarde, os estudos independentes vieram revelar que a indústria tabaqueira não diz a verdade em relação a estes produtos: “os componentes tóxicos do tabaco estão lá todos e apenas o monóxido de carbono está em dose mais reduzida. São produtos que precisam de combustão e que adicionam novos tóxicos que não existem nos cigarros convencionais”. Exemplo disso é um componente libertado pelo aquecimento dos filtros de plástico e que acaba por ser inalado também. “É um componente extremamente tóxico, mesmo quando é inalado em doses muito baixas”, alerta.

“Não podemos deixar que a indústria continue a publicar artigos em revistas científicas de prestígio porque isso confunde a comunidade científica, a sociedade, os consumidores e os decisores políticos”, frisou Sofia Ravara.

Campanhas agressivas destinam-se aos mais jovens

Em Portugal, as agressivas campanhas publicitárias têm sido particularmente dirigidas aos mais jovens. A presença assídua da marca IQOS em festivais de Verão com stands e tendas apelativos, em centros comerciais e até em postos de abastecimento de combustível não passou despercebida. Além disso, a marca disponibiliza dispositivos com design moderno e quase irresistível para qualquer adolescente. Figuras públicas de referência para as populações mais jovens, ligadas à moda, à música e à televisão são “aliciadas” a partilhar nas redes sociais fotografias legendadas com a hashtag #mundosemfumo, quase em tom de convite para que os seus seguidores experimentem também este “tabaco sem culpas”.

As campanhas não são exclusivas de Portugal, mas por cá pouco se tem feito para contrariar a publicidade explícita às novas formas de tabaco. Como resultado, algumas escolas têm denunciado o aumento do consumo destes produtos em estudantes muito jovens. Os governos de alguns países já começaram a reagir contra estas campanhas. No Reino Unido, após os serviços de saúde pública terem alertado o Governo, a Philip Morris foi proibida de continuar a promover o seu “tabaco saudável” sob ameaça de um processo em tribunal.

 

Por Cátia Jorge

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