Portugueses sem acesso a produtos com canábis medicinal nas farmácias

Embora tenha passado um ano desde que a regulamentação para a utilização de fármacos à base de canábis foi publicada em Diário da República, os doentes portugueses continuam sem acesso aos mesmos de forma legal.  Contactado para comentar a notícia pela sua experiência com esta realidade, o reumatologista Guilherme Figueiredo aponta, entre outros aspetos, “a exclusão da indicação médica para a Dor Crónica não Oncológica (DCnO) e não neuropática (DCnN)”.

Carla Dias, presidente do Observatório Português para a Canábis Medicinal (OPCM), revelou ontem à TSF que os doentes continuam sem poder adquirir  produtos de canábis medicinal nas farmácias portuguesas, o que os leva a tomar extratos da planta através de compra online, mercado ilegal e autocultivo, temendo que as autoridades estejam a empurrar os doentes “para a ilegalidade, quando existe uma lei”. Neste contexto, a responsável fala de um “processo muito burocrático e financeiramente inviável para muitas das empresas, que não é aliciante”.

Contactado pelo Raio-X, Guilherme Figueiredo, diretor do Serviço de Reumatologia do Hospital do Espírito Santo, Ponta Delgada, analisa estas declarações, afirmando que “a presidente do OPCM tem toda a razão no seu lamento”. “A Dr.ª Carla Dias situa uma das dificuldades na questão de haver poucos pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM) e de autorização e colocação no mercado (ACM) ao INFARMED, por parte das empresas produtoras de flor e extratos à base de canábis, aparentemente justificada pelo reduzido mercado nacional e, também, pelas diminutas prescrições dos médicos portugueses e do alheamento generalizado destes face a esta nova problemática.”

Se não houver médicos informados, envolvidos e bem preparados as prescrições não vão realizar-se  e, na opinião de Guilherme Figueiredo, assim “não há mercado nem quem nele tenha interesse em atuar – as empresas produtoras de medicamentos à base de canábis”.

O reumatologista considera que esta é uma situação paradoxal, tendo em conta que Portugal foi dos primeiros países na Europa a criar legislação e a atrair grandes investimentos em projetos extensivos e verticalizados de produção de canábis medicinal. “É incompreensível que estas empresas se comportem como meros exportadores e ignorem as necessidades do mercado nacional. Mas, talvez, o mais incompreensível resida no facto da regulamentação e licenciamento que o INFARMED lhes concede para a sua atividade – que se anuncia como muito lucrativa – não tenha contemplado contrapartidas que revertam a favor dos doentes e da investigação clínica neste domínio da Medicina canábica.”

“Está tudo por fazer no que diz respeito ao envolvimento do SNS para tornar esse acesso uma realidade”, sublinha o especialista, avançando ter “sérias dúvidas” quanto à “conjugação de boas vontades, investimento e esforços sistematizados que promovam esse caminho”.

Segundo Guilherme Figueiredo, algo que criou desde logo uma dificuldade enorme na implementação de um programa mobilizador de utilização da canábis medicinal foi a exclusão da indicação médica para a Dor Crónica não Oncológica (DCnO) e não neuropática (DCnN), ao contrário do acontece em múltiplos países que aprovaram o seu uso. “Com esta decisão, temerosa e estrategicamente errada, exclui-se o principal grupo de utilização de doentes da canábis medicinal e que representa, genericamente, cerca de 60% dos pacientes que a ela recorrem e que procuram as prescrições médicas. Este simples facto condiciona tudo e justifica as razões pelas quais nos encontramos neste marasmo atual.”

A utilização da canábis medicinal “foi remetida para um uso muito marginal, em algumas patologias raras e só passíveis de serem tratadas com estes produtos depois de esgotadas as terapêuticas ditas ‘clássicas’, mesmo que várias delas apresentem níveis tão elevados de evidência de eficácia clínica (ou de efeitos acessórios) quanto aquela que se atribui na atualidade aos canabinoides”. “Vai continuar a assistir-se a um grande número de pacientes a recorrer ao mercado clandestino, o que é uma lástima para eles e para o país e a imagem do seu sistema de saúde”, remata o reumatologista.

Por Marisa Teixeira

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