Junho: mês de consciencialização sobre a afasia, um problema de todos.

Artigo de opinião da autoria de Assunção Matos, Vice-Presidente do Instituto Português de Afasia (IPA) e Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, que aborda o tema da afasia no âmbito do Mês da afasia, junho.

A capacidade de comunicar é uma das que nos distingue como seres humanos dos outros animais. Comunicar permite-nos, entre outras coisas, transmitir e partilhar informações, expressar opiniões pessoais, dar indicações sobre as nossas motivações, desejos e emoções. Permite-nos igualmente estabelecer relações sociais e participar de forma ativa na sociedade em que estamos integrados. Quando surge uma deficiência crónica como a afasia, muitas destas funções surgem dificultadas ou mesmo impossibilitadas de ocorrer na sua totalidade.

Entende-se por afasia, uma perturbação da comunicação decorrente dos défices de linguagem, adquiridos por uma lesão das áreas cerebrais por si responsáveis. Na maioria das vezes, os acidentes vasculares cerebrais (AVC) estão na base destas lesões, embora as mesmas possam surgir igualmente após a ocorrência de um traumatismo crânio-encefálico, demência, tumor ou infeção cerebral. A pessoa com afasia terá dificuldade em expressar-se verbalmente (quer através da fala, quer por escrito e/ou por gestos) e em compreender a informação que lhe é transmitida, quer oralmente quer por escrito, ainda que as restantes capacidades cognitivas se encontrem preservadas. Quer isto dizer que a afasia afeta as capacidades de comunicação da pessoa mas não a sua inteligência,  conhecimentos, memórias, personalidade ou a capacidade de adequação ao contexto em que se encontra. Dependendo da localização e extensão das lesões cerebrais que estão na sua origem, podemos encontrar diferentes tipos de afasia, com diferentes características e consequências. Há contudo aspetos comuns a considerar: incapacitada de comunicar, a pessoa com afasia deixa, entre outras coisas, de conseguir realizar muitas das suas atividades diárias, comprometendo muitos dos seus papéis e relacionamentos, com consequente redução das redes sociais que integra, solidão, isolamento social e depressão, redução do seu bem-estar e qualidade de vida, assim como daqueles que com ela convivem.

Tratando-se a comunicação de um processo de partilha e co-construção, em que todos participamos ativamente e nos influenciamos mutuamente, é normal que na presença de afasia, também nós, interlocutores de comunicação, sejamos confrontados com a dificuldade de comunicar. Neste processo, ambos precisamos de nos adaptar e ambos sentimos frustração e dúvidas quando as tentativas de comunicar se mostram ineficazes. Com consciência das competências da pessoa com quem comunicamos, muitas vezes mascaradas pela afasia, é importante saber, de forma explícita, como facilitar estes processos e como reagir perante as dificuldades sentidas, permitindo à pessoa com afasia uma participação, o mais ativa possível em todo este processo.

São várias as abordagens de intervenção existentes para ajudar a pessoa com afasia e os seus familiares e interlocutores de comunicação a lidar com esta situação. Muitas destas abordagens focam-se nos défices de linguagem por si apresentados, procurando a sua redução e eliminação. Centram-se na pessoa com afasia, acreditando que a melhoria dos seus défices de linguagem implicará processos de generalização em diferentes contextos e com diferentes interlocutores, com uma maior participação nos processos de comunicação e consequentemente nos processos de participação social. Esta, contudo, nem sempre é uma realidade possível… pois a maior parte das vezes estamos perante situações de cronicidade, impossíveis de reabilitar e tratar na sua totalidade. Nos últimos anos, surgem cada vez mais abordagens preocupadas com as consequências destes défices de linguagem na vida de quem os apresenta e na melhoria do seu bem-estar e da sua qualidade de vida, assim como dos seus familiares. Procuram a eliminação das barreiras a uma comunicação com sucesso e à sua participação social, com a definição de objetivos funcionais, que vão de encontro às suas necessidades e expectativas, centradas na obtenção de uma vida com sucesso, apesar da presença da afasia. Envolvem a pessoa com afasia e os seus familiares na definição conjunta de objetivos, com significado para si, reforçando o seu papel ativo em todo este processo e a necessidade de compreender o que é a afasia e quais as suas consequências na sua identidade, nos processos de comunicação e na sua vida diária. Procuram ainda uma maior consciencialização da sociedade relativamente ao seu papel em todo este processo, como possíveis facilitadores da reintegração social destas pessoas.

Em Portugal, não se sabe ao certo quantas pessoas com afasia existem. Aponta-se para a existência de cerca de 40.000, com aparecimento de cerca de 8.000 novos casos por ano, causados por AVC (segundo estimativas do IPA). Contudo, não são aqui contabilizadas as situações adquiridas pela ocorrência de outros fatores etiológicos já mencionados e que poderão aumentar, em muito, estes números. São, efetivamente, números preocupantes! Pergunto, onde estão estas pessoas? Que tipos de apoios existem para estes casos no nosso país?

Na maior parte das vezes, após todo um percurso de apoios terapêuticos que recebem nas estruturas hospitalares a que recorrem, nas unidades de cuidados continuados e/ou centros de reabilitação existentes no nosso país, após a sua alta hospitalar, as pessoas com afasia são deixadas ao cuidado das suas famílias, sem respostas sociais de qualquer tipo. Quero com isto dizer, que em Portugal existe ainda, na minha perspetiva, uma preocupação pouco visível, do ponto de vista prático, com a reintegração social destas pessoas e com a possibilidade de lhes permitir ter uma vida com significado após a instalação da afasia, como já acontece em muitos outros países do mundo. É importante referir que, na maior parte das vezes, os apoios terapêuticos recebidos nestas estruturas são centrados essencialmente nos défices linguísticos apresentados, sendo descuradas ou colocadas para segundo plano as consequências psicossociais típicas destas situações.

Em 2016, surge em Matosinhos o Instituto Português de Afasia (IPA). À semelhança de outras associações existentes no Canadá (Aphasia Institute), nos Estados Unidos da América (Aphasia Center – Califórnia), na Inglaterra (Connect), e noutras partes do mundo, tem como propósito, ajudar a pessoa com afasia, tendo em consideração os seus desejos, necessidades e expectativas, a atingir os seus objetivos de comunicação e participação social. Tem como objetivo principal o esclarecimento e acompanhamento destas pessoas e seus familiares e amigos, através da implementação de várias ações terapêuticas, tendo em vista a melhoria da sua comunicação, bem-estar, qualidade de vida e integração social e comunitária. No IPA, a pessoa com afasia e os seus interlocutores significativos podem beneficiar de sessões de terapia da fala (individuais e de grupo), de psicologia clínica, de neuropsicologia, de treino de comunicação e de orientação psicossocial. Estas abordagens são altamente personalizadas, acompanham o ritmo e evolução da pessoa e das suas necessidades e são realizadas por terapeutas da fala e neuropsicólogo especializados em afasia. Conta ainda com a colaboração de voluntários treinados para saberem facilitar a comunicação, e os “Lideres de pares” (pessoas com afasia que dinamizam atividades). O IPA promove também grupos de conversação e autoajuda semanais, assim como um grupo de leitura e um grupo de pintura quinzenais e ainda atividades pontuais denominadas “Oportunidades IPA”, que consistem em intercâmbios com outras instituições, outras pessoas com deficiência, experiências novas e de socialização, convívio e participação social. Para mais informações consultar a página do IPA. Este mês de junho, mês de consciencialização sobre a afasia, o IPA propõe-se desenvolver um conjunto de ações que permitam divulgar esta problemática e as suas consequências, assim como dar a conhecer algumas das estratégias a utilizar, que podem permitir facilitar os processos de comunicação com alguém que apresenta afasia.

Assim, durante este mês, em 400 farmácias do nosso país, no sistema interno de TV, será passado um vídeo do IPA com algumas destas informações e testemunhos de pessoas com afasia que têm apoio no IPA; na FNAC do Norteshopping, no dia 24 de junho e na FNAC do Marshopping, no dia 7 de julho, pelas 17 horas, estará um grupo de pessoas com afasia e seus familiares à conversa sobre afasia e apresentação do trabalho desenvolvido ao longo deste ano, nomeadamente a elaboração de um livro digital sobre afasia (que será concluído e disponibilizado no final deste ano); serão publicados vários artigos de opinião em diferentes jornais e revistas portuguesas; será levada a cabo uma campanha informativa intensa na nossa página do facebook. É feito um convite a toda a comunidade a participar, divulgando os materiais que o IPA disponibiliza, nomeadamente o Cartaz deste ano.

cartaz mês da afasia 2018 (2)

Pretende-se com esta campanha aumentar o conhecimento da sociedade portuguesa em geral acerca do que significa ter e viver com afasia no dia-a-dia, esperando-se deste modo que todos tenham uma melhor noção de que ter afasia, é um problema de todos e que todos temos a obrigação de facilitar a integração destas pessoas na nossa sociedade!

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