O lugar dos cuidados domiciliários enquanto extensão dos cuidados hospitalares
A população portuguesa tem sofrido alterações demográficas importantes com todas consequências que daí advêm. Ora vejamos, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a população idosa em Portugal (indivíduos com 65 ou mais anos) sofrerá um forte aumento, atingindo cerca de 32% da população total em 2050, o que, a verificar-se, constitui uma duplicação da percentagem contabilizada para o ano de 2000. Em conjugação com estes dados, assistimos a uma diminuição da população jovem, de 16% para 13% (do ano 2000 para 2050). Estes dados revelam um envelhecimento populacional importante, com aumento da dependência e consequentes alterações sociais, económicas e necessidades em saúde relevantes.
Todos os dados referidos requerem uma mudança das políticas de segurança social e de saúde, até porque as pessoas idosas, na sua generalidade, não pretendem a institucionalização, preferindo manterem-se no espaço que sentem como seu, que lhes é familiar e no qual se sentem confortáveis. Perante os factos identificados, de acordo com a OMS, considera-se que neste contexto, o apoio domiciliário surge como uma atitude eficaz. Para esta Organização, o domicilio é um local com ligações/associações de emoções, memórias e conforto.
O apoio/cuidado domiciliário pode ser entendido como cuidados fornecidos por profissionais de saúde no domicílio das pessoas, de forma a dar resposta às suas necessidades. Estas necessidades podem ser desde reabilitação, apoio de enfermagem em procedimentos técnicos ou acompanhamento, apoio nos serviços domésticos e necessidades básicas, como os cuidados oferecidos pelos cuidadores informais. O apoio domiciliário pode variar de cuidados para pessoas com necessidades complexas (por exemplo auxilio 24 horas por dia), para pessoas que só necessitam de ajuda de forma pontual e para tarefas relativamente simples (serviços domésticos ou auxilio na higiene). Têm por finalidade promover, manter ou recuperar a saúde, maximizando o nível de independência ou minimizando os efeitos da deficiência / doença, bem como fornecer apoio social ao indivíduo e sua família.
O apoio/cuidado domiciliário pode ser entendido como cuidados fornecidos por profissionais de saúde no domicílio das pessoas, de forma a dar resposta às suas necessidades
Vários Países Europeus têm como objetivo os cuidados domiciliários e devolver os idosos à comunidade, não só pelo custo benefício inerente, mas também por ser o modelo mais apreciado pelos mesmos. Segundo a OMS, num documento elaborado em 2008, a crescente necessidade de cuidados domiciliários deriva de alguns fatores: desinstitucionalização e soluções baseadas na comunidade e nos constrangimentos da despesa pública; mudanças demográficas, com o envelhecimento da população e a mudança nos índices de dependência; mudanças sociais, pelas pequenas unidades familiares, a participação feminina no mercado de trabalho e a mobilidade entre países; mudanças epidemiológicas, com o aumento de doenças não transmissíveis; inovação científica e tecnológica; mudanças nas atitudes e expectativas, com o direito à opinião e à escolha com a consequente individualização dos cuidados.
Durante décadas, os custos relacionados com a saúde por toda a Europa têm vindo a crescer exponencialmente. De forma a evitar uma quebra no sector e com consequente diminuição da qualidade dos cuidados prestados, várias hipóteses de contenção de custos estão a ser analisadas pelos diversos governos europeus. Muitas considerações económicas ao longo da Europa têm convergido na necessidade de retirar os doentes o mais cedo possível do hospital e como consequência mais pessoas são tratadas no domicílio e com condições patológicas cada vez mais complexas. O custo associado ao internamento é bastante elevado, com os riscos associados ao mesmo, como por exemplo o risco de infeção. A despesa com infeções nosocomiais tem um peso significativo nas despesas em cuidados hospitalares e podiam ser significativamente reduzidas com altas precoces para o domicilio e respetivo acompanhamento no conforto do seu lar. Anualmente morrem 37 mil pessoas na Europa por causas diretamente relacionadas com as infeções hospitalares. Um em cada dez portugueses contrai uma infeção hospitalar durante o seu período de internamento. Devido às infeções hospitalares, o internamento dos doentes aumenta, em média, 6,5 dias, a sua probabilidade de sobrevivência diminui e são cinco vezes mais suscetíveis a uma readmissão após a alta.
O apoio domiciliário pode variar de cuidados para pessoas com necessidades complexas (por exemplo auxilio 24 horas por dia), para pessoas que só necessitam de ajuda de forma pontual e para tarefas relativamente simples (serviços domésticos ou auxilio na higiene)
Tendo em conta o custo-eficácia dos cuidados, muitas das intervenções em saúde podem efetivamente ser realizadas na comunidade ou em casa. Estudos efetuados em doentes com Insuficiência Cardíaca, com necessidade de antibioterapia e com DPOC revelam a redução de custos no tratamento, sem perda de qualidade, em relação aos efetuados em meio hospitalar. Torna-se, deste modo, imperativo estender os serviços de saúde para além do Hospital.
A nível estatal, o Estado deverá assegurar a função de promoção e bem-estar da díade pessoa idosa dependente-cuidador principal. Em 2006, os Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social criaram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados que assenta num modelo de intervenção integrado e/ou articulado da saúde e da segurança social, de natureza preventiva, recuperadora e paliativa, envolvendo a participação e colaboração de diversos parceiros sociais, a sociedade civil e o Estado como principal incentivador (Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social, 2006).
Podemos concluir que as políticas de saúde vão no sentido de privilegiar o domicílio como local de eleição para a prestação de cuidados às pessoas dependentes, onde uma grande parte são pessoas idosas, responsabilizando as famílias/cuidadores informais pela prestação desses cuidados, desde que apoiados por profissionais de saúde e da área social. Será importante referir que 25% das pessoas com mais de 65 anos têm algum tipo de dependência de terceiros e aos 80 anos a percentagem aumenta para 50%. Na maioria dos casos (70%), o apoio é assegurado por familiares, amigos ou vizinhos e sem qualquer ajuda estruturada, sobretudo económica, pelo empregador ou pelo próprio Estado.
Muitas considerações económicas ao longo da Europa têm convergido na necessidade de retirar os doentes o mais cedo possível do hospital e como consequência mais pessoas são tratadas no domicílio e com condições patológicas cada vez mais complexas
Porém, Portugal tem a maior taxa de cuidados continuados e paliativos, prestados por pessoas sem preparação nem qualificação para tal, e uma das mais baixas taxas de cobertura de cuidados prestados por profissionais, em toda a Europa, revela um estudo efetuado pela Entidade Reguladora da Saúde.
O Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, já veio informar que é intenção do governo criar uma rede de cuidadores informais já a partir do próximo ano, mostrando assim que os cuidados domiciliários, a problemática da dependência de idosos faz parte do programa do atual Governo. Esta preocupação é transversal a todos os partidos com várias propostas recentes, nomeadamente do CDS que sugere a criação do Estatuto do Cuidador Informal, defendendo a promoção de apoio estruturado com medidas como deduções fiscais ou flexibilidade no horário laboral.
Este é, portanto, o desafio que enfrentamos e que esperamos que seja colmatado com apoio estatal e desenvolvimento de projetos particulares/privados. Juntos cuidamos melhor. Juntos cuidamos mais!
Opinião de João Lourenço Rombo
Director Geral IberSaúde