ESC Congress: Guidelines conjuntas para a FA e para as dislipidemias
Tradicionalmente, o Congresso da European Society of Cardiology (ESC) é o palco onde são apresentadas as atualizações das recomendações europeias para a abordagem das doenças cardiovasculares, com base nas evidências provenientes da investigação clínica mais recente. Este ano, a fibrilhação auricular (FA) e as dislipidemias foram duas das principais áreas em que foram introduzidas alterações nas recomendações terapêuticas.
No passado dia 27 de agosto foram publicadas no European Heart Journal e no European Journal of Cardio-Thoracic Surgery as primeiras guidelines conjuntas da ESC e da European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS) para a abordagem da FA. Escritas por cardiologistas, eletrofisiologistas, cirurgiões cardíacos, neurologistas e enfermeiros cardiovasculares, as recomendações integram a perspetiva das várias especialidades que podem contribuir para um melhor outcome dos doentes com FA. “Quisemos colocar o doente no centro destas novas guidelines”, afirmou Paulus Kirchhof, representante da ESC que esteve envolvido na elaboração das recomendações.
Este ano, a fibrilhação auricular (FA) e as dislipidemias foram duas das principais áreas em que foram introduzidas alterações nas recomendações terapêuticas
Entre as principais alterações, destaca-se um conjunto de recomendações relativamente aos procedimentos posteriores a uma eventual complicação sob anticoagulação. São dados alguns conselhos sobre o reinicio da anticoagulação após um evento hemorrágico, sobre a melhor forma de controlar a hemorragia e como abordar os doentes que sofreram um AVC isquémico mesmo sob terapêutica anticoagulante.
Além disso, acrescentou Paulus Kirchhof, “as guidelines anteriores estavam muito focadas nos doentes que deviam receber anticoagulação. Já as novas guidelines estão mais centradas no diagnóstico precoce da FA, antes da ocorrência de um AVC, tendo em conta que há neste momento evidência que suporta o rastreio oportunístico através da realização de eletrocardiograma a indivíduos, por exemplo, com mais de 65 anos ou com elevado risco (portadores de pacemakers)”. Muitas pessoas têm FA e não sabem até sofrerem um AVC, pelo que “o diagnóstico precoce permite prevenir o AVC com anticoagulação”.
Dentro das novas recomendações e sugestões destacam-se ainda:
– A ablação por cateter como primeira linha no tratamento de doentes selecionados depois de a investigação ter demonstrado que este procedimento não é menos seguro do que o tratamento farmacológico com antiarrítmicos.
– O isolamento da veia pulmonar como alvo preferencial de ablação.
– A criação de equipas de FA com experiência em fármacos antiarrítmicos, ablação por cateter e cirurgia para a tomada de decisões mais difíceis.
Calcula-se que em 2030 entre 14 a 17 milhões de europeus sofram de FA, com uma previsão de mais de 215 000 novos diagnósticos por ano. A FA aumenta entre 1,5 a 2 vezes o risco de morte e é responsável por 20 a 30% dos AVC. A anticoagulação com antagonistas da vitamina K (AVK) ou com anticoagulantes orais de ação direta (AOD) pode prevenir o AVC isquémico, sendo que estes últimos têm vindo a ser recomendados como opção de primeira linha para a maior parte dos doentes, tendo em conta um menor risco hemorrágico. Os AVK continuam a ser a opção preferencial para doentes não elegíveis para os AOD, coo é o caso dos que têm válvulas cardíacas mecânicas.
Relativamente às dislipidemias, foram também publicadas no dia 27 de agosto no European Heart Journal e no site da ESC as guidelines conjuntas da ESC e da European Atherosclerosis Society (EAS) para a abordagem terapêutica das alterações da metabolização dos lípidos.
As doenças cardiovasculares matam mais de quatro milhões de europeus todos os anos, sendo que 80% destas mortes seriam preveníveis através da eliminação de comportamentos que colocam a saúde em risco. Segundo Ian Graham, responsável pelo painel da ESC que elaborou as guidelines, “os lípidos são, provavelmente, o principal fator de risco cardiovascular. A relação entre os lípidos, em particular o colesterol LDL, e as doenças cardiovasculares é muito forte, gradual e inequivocamente causal. Os eventos cardiovasculares raramente ocorrem em pessoas que têm baixos níveis de colesterol LDL; mesmo que sejam fumadoras”, explicou.
As doenças cardiovasculares matam mais de quatro milhões de europeus todos os anos, sendo que 80% destas mortes seriam preveníveis através da eliminação de comportamentos que colocam a saúde em risco
As novas guidelines expressam a necessidade de reduzir os níveis de colesterol na população e, sobretudo, nos indivíduos com risco cardiovascular elevado que, na perspetiva de Ian Graham “devem ser a grande prioridade dos médicos, merecendo uma abordagem individualizada”.
Relativamente aos alvos terapêuticos, “deve ser feita uma avaliação individual em função do risco, tendo em conta as comorblidades e o risco de doença cardiovascular fatal aos dez anos”. Em doentes de alto risco, o colesterol LDL deve ser inferior a 100 mg/dl. Todos os doentes, independentemente do risco que apresentem, devem reduzir o colesterol LDL em, pelo menos, 50%.
Nestas guidelines é dada uma maior proeminência aos estilos de vida e aos hábitos alimentares do que nas recomendações anteriores da ESC/EAS, com algumas sugestões de alimentos que devem ser usados preferencialmente, outros que devem ser consumidos com moderação e outros que devem ser evitados.
Relativamente à terapêutica farmacológica, a associação de medicamentos está recomendada em doentes com colesterol elevado resistente. As estatinas continuam a ser o tratamento de primeira linha, embora seja reconhecido o benefício da adição de ezetimiba com um ganho incremental de 15 a 20% de redução do colesterol LDL. As novas guidelines sugerem ainda a utilização de inibidores da PCSK-9 em doentes que, mesmo sob terapêutica combinada de estatinas e ezetimiba, mantêm os níveis de colesterol muito elevados.
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