4 a 5 biliões de pessoas sofrem de deficiência de ferro
Nos passados dias 12 e 13 de setembro, Berlim acolheu o 3rd European Iron Academy, um evento que reuniu cerca de 450 especialistas com interesse na área das anemias e da deficiência de ferro.
A deficiência de ferro é a mais frequente alteração nutricional a nível global e a principal causa de anemia. É um problema transversal a várias áreas patológicas e especialmente frequente em doentes portadores de doença inflamatória do intestino, em doentes com insuficiência cardíaca e com doença renal crónica. Nestas situações, uma gestão inadequada das deficiências de ferro pode estar associada a um pior prognóstico, incluindo, a um aumento do risco de hospitalizações, a uma redução da qualidade de vida e até a um aumento do risco de mortalidade.
O 3rd European Iron Academy teve como objetivo sensibilizar os profissionais de saúde para o problema que a deficiência de ferro representa, estimulando a discussão entre pares e ajudando-os a compreender as causas, a necessidade de melhorar o diagnóstico e as opções terapêuticas para este problema.
No âmbito de uma conferência de imprensa, que teve lugar no dia 12 de setembro, Stefan Anker lembrou que o ferro é essencial para o desenvolvimento e para a sobrevivência das células, dos tecidos, dos órgãos, do corpo e da população.
“A deficiência de ferro é a mais frequente alteração nutricional a nível global e a principal causa de anemia. É um problema transversal a várias áreas patológicas e especialmente frequente em doentes portadores de doença inflamatória do intestino, em doentes com insuficiência cardíaca e com doença renal crónica”
Segundo o professor de Cardiologia e investigador da University Medical Center Göttingen, na Alemanha, “a deficiência de ferro é definida como uma condição em que a disponibilidade de ferro é insuficiente para cobrir as necessidades do corpo, podendo estar presente com ou sem estados de anemia”. Em indivíduos com doença inflamatória do intestino, com insuficiência cardíaca ou com insuficiência renal, considera-se haver défice de ferro quando a saturação da transferrina é <20% ou quando os níveis de ferritina são <100 mcg/L.
Para a população que sofre de outras patologias que não a doença inflamatória do intestino, (patologia ginecológica, por exemplo) a deficiência de ferro pode ser considerada quando os níveis de ferritina são <30%.
No âmbito da conferência de imprensa realizada no 3rd European Iron Academy, foi particularmente focada a deficiência de ferro em três grupos específicos: portadores de doença inflamatória do intestino, de insuficiência cardíaca e de insuficiência renal.
Insuficiência cardíaca
No que respeita à insuficiência cardíaca, “a deficiência de ferro representa um poderoso fator de prognóstico independente”, adiantou Stefan Anker.
No CONFIRM-AF, um estudo multicêntrico, aleatorizado, realizado em dupla-ocultação e controlado com placebo, foram avaliados os efeitos do tratamento da deficiência de ferro com carboximaltose férrica em comparação com placebo. Como endpoint primário foram avaliadas as alterações na capacidade de exercício, através do teste de marcha de seis minutos, durante 24 semanas e, como endpoints secundários, as mudanças nos biomarcadores causadas pela deficiência de ferro, as alterações específicas nos biomarcadores cardíacos, a qualidade de vida e a capacidade funcional através do índice NYHA.
“Verificou-se, nos doentes que fizeram tratamento para a deficiência de ferro com carboximaltose férrica, uma melhoria no teste de marcha de seis minutos, uma melhoria do incide NYHA e da qualidade de vida, assim como uma redução da fadiga”, descreveu o especialista.
Verificou-se ainda uma redução do número de hospitalizações nos doentes que fizeram tratamento para a deficiência de ferro.
As guidelines da European Society of Cardiology (ESC) recomendam a utilização de testes de diagnóstico na avaliação inicial dos doentes recém-diagnosticados com insuficiência cardíaca, no sentido de avaliar a suscetibilidade dos doentes para terapias específicas, para detetar as causas da insuficiência cardíaca e eventuais comorbilidades, entre as quais a deficiência de ferro.
Doença inflamatória do intestino
No âmbito das doenças gastrintestinais, várias condições clínicas podem induzir uma deficiência de ferro, nomeadamente as úlceras peptídicas, a esofagite erosiva, o cancro do estômago e do esófago, os pólipos do colon, a colite ulcerosa, o cancro colo-retal, a doença de Crohn, entre outras.
“A deficiência de ferro nestes doentes está, muitas vezes, relacionada com a frequência de perdas de sangue e com a malabsorção de ferro” afirmou Satish Keshav.
Tendo como base os resultados de uma revisão sistémica de seis estudos, realizada por Filmann et al, em 2014, o gastrenterologista do Oxford University Hospitals NHS Foundation Trust, em Oxford, sublinhou que cerca de um quarto dos indivíduos com doença inflamatória do intestino tem anemia e mais de metade tem deficiência de ferro. No entanto, “apesar de serem condições frequentes em portadores de doenças intestinais, e de condicionarem negativamente a sua qualidade de vida, a anemia e a deficiência de ferro são pouco valorizadas tanto pelos médicos como pelos próprios doentes”, alertou o especialista.
Os dados da investigação clínica e as várias meta-análises realizadas neste campo recomendam a utilização preferencial de tratamento intravenoso em detrimento do tratamento oral, especialmente nos indivíduos com doença inflamatória do intestino. As guidelines da European Crohn`s and Colitis Organization (ECCO) recomendam o rastreio da anemia e da deficiência de ferro, assim como a normalização dos valores de hemoglobina e de armazenamento de ferro com suplementação e a monitorização da eventual recorrência de anemia ou deficiência de ferro.
“Os dados da vida real sugerem que o ferro intravenoso pode estar associado a taxas mais reduzidas de reinternamento”, frisou Satish Keshav.
Doença renal crónica
No âmbito da Nefrologfia, “está demonstrado que a deficiência de ferro está presente em aproximadamente 60% dos portadores de doença renal crónica no momento em que iniciam a diálise”, sublinhou Iain Macdougall, referindo-se a um estudo retrospetivo em que foram incluídos 1 997 doentes acompanhados em 779 centros entre 1999 e 2000 (Valderrábano F, et al).
Entre as principais causas da deficiência de ferro nesta população de doentes, o professor de Nefrologia no King`s College London, apontou as constantes perdas de sangue devido a testes laboratoriais, a perda gastrintestinal de sangue ou a perda associada à hemodiálise, a redução da absorção intestinal de ferro, e a redução da ingestão de ferro devido a uma perda do apetite, malnutrição e aconselhamento dietético com restrição proteica.
Neste grupo de doentes, “a anemia provoca uma baixa utilização de oxigénio, hipertrofia ventricular esquerda, progressão mais acelerada da doença renal, redução da cognição e da capacidade de concentração”. Entre as principais consequências da deficiência de ferro e da anemia, o especialista destacou o aumento do risco de internamento, a redução da qualidade de vida, o aumento do risco de eventos cardiovasculares e a necessidade de transfusão sanguínea.
Na presença de deficiência de ferro, as recomendações da KDigo sugerem o tratamento oral ou intravenoso com ferro antes de ser iniciado o tratamento da anemia.
Cátia Jorge, em Berlim