“As jornadas estão desenhadas para dar respostas rápidas a perguntas frequentes”
Sem o intuito de fazer “dissertações magistrais” sobre os temas em debate, as Jornadas de Hipertensão Arterial e Risco Cardiovascular de Matosinhos são tradicionalmente conhecidas por apresentar soluções e respostas rápidas para questões frequentes da prática clínica. Especialmente dirigidas aos especialistas de Medicina Geral e Familiar têm como missão “a formação contínua na área da Medicina Cardiovascular”, com especial enfoque na hipertensão arterial, na diabetes, nas dislipidemias e na anticoagulação, como explica Jorge Polónia, presidente desta reunião que teve lugar nos passados dias 11 e 12 deste mês.
Raio-X – Com que objetivo surgiu há 17 edições atrás a necessidade de criar as Jornadas de Hipertensão Arterial e de Risco Cardiovascular de Matosinhos?
Prof. Doutor Jorge Polónia – O objetivo destas jornadas insere-se numa missão de formação contínua na área do risco cardiovascular que é aquela em que a nossa unidade trabalha. Uma vez que, neste campo, é necessária uma atualização permanente, faz todo o sentido renovarmos os conhecimentos científico nestas Jornadas.
RX – E quais são os principais alvos temáticos?
JP – A hipertensão arterial, a dislipidemia, a diabetes, sobretudo a do tipo 2, e a anticoagulação. Estes são os quatro grandes pontos de abordagem das Jornadas. Este ano de 2016 foi um ano fértil em novidades que foram aqui revistas.
RX – Que grandes novidades da Medicina Cardiovascular já passaram por estas Jornadas?
JP – O facto de estas Jornadas acontecerem em novembro, permite que as grandes evidências que são apresentadas nos grandes eventos científicos internacionais possam também ter aqui reflexo, nomeadamente os congressos da Sociedade Europeia de Hipertensão, da Sociedade Europeia de Cardiologia e da Associação Europeia para o Estudo da Diabetes. Todos esses eventos acontecem, geralmente no verão, e, portanto, conseguimos trazer as grandes novidades para o programa científico das Jornadas. No ano passado, foi aqui que se apresentaram, quase pela primeira vez, os resultados do estudo SPRINT, do estudo EMPA-REG, na área da diabetes, e também um grande estudo em torno insuficiência cardíaca. Os primeiros dados do estudo nacional sobre a prevalência de hipertensão foram também aqui apresentados. Ou seja, por razões de calendário estas Jornadas surgem, muitas vezes, num momento em que fazemos o balanço e a síntese de várias evidências discutidas e apresentadas ao longo do ano em grandes congressos internacionais e nacionais.
RX – E este ano, que novidades foram apresentadas?
JP – Este ano tivemos algumas novidades no âmbito da dislipidemia e na comparação dos vários anticoagulantes orais. Há sempre dados novos que estas Jornadas comportam. Por outro lado, a repetição também faz parte do processo de formação, pelo que há aspetos que merecem ser revistos e reforçados.
Dar a voz aos Médicos de Família
RX – Do ponto de vista estrutural, o que houve de novo nesta 17.ª edição?
JP – Pela primeira vez os especialistas da Medicina Geral e Familiar tiveram a oportunidade de apresentarem os seus casos clínicos Até aqui já havia uma participação destes profissionais na discussão de casos clínicos, através de televoto, no entanto, este ano abrimos a possibilidade de eles trazerem as suas próprias experiências para serem alvo de debate e discussão. Na realidade, estas jornadas têm como intuito a formação médica geral, mas são em grande parte dirigidas aos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários, pelo que fazia sentido dar-lhes também voz na apresentação dos seus problemas clínicos.
RX – Este aspeto reforça também o papel da prevenção primária na doença cardiovascular e do papel dos médicos de família no controlo dos diversos fatores de risco cardiovascular?
JP – Sem dúvida. A prevenção primária é muito importante no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários e também por isso, essa área tem um grande destaque nesta reunião. Tendo em conta que, de ano para ano, é maior o conhecimento que a Medicina Geral e Familiar tem de abarcar, penso que esta síntese que aqui fazemos é, para esses profissionais, extremamente útil pois permite que, em pouco tempo, sejam revistas várias recomendações, novas evidências que facilitam a capacidade de diagnóstico e de prescrição.
RX – No contexto da Medicina Cardiovascular, até onde pode ir um Médico de Família?
JP – O papel interventivo de um Médico de Família pode ir muito longe. Se tomarmos como exemplo a HTA, constatamos que a maior parte dos doentes são tratados pelos médicos de família. Mesmo a diabetes tipo 2, graças aos novos fármacos, é cada vez mais fácil de ser gerida no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários. A mesma coisa acontece na dislipidemia, com as estatinas, assim como com a gestão do risco de tromboembolismo pulmonar e trombose venosa profunda com os novos anticoagulantes orais.
Controlo dos fatores de risco “é cada vez melhor”
RX – Ao longo dos últimos anos, dentro dos vários fatores de risco cardiovascular, notou alguma alteração dos padrões epidemiológicos?
JP – Sem haver estudos dirigidos que façam o levantamento da situação epidemiológica no terreno é difícil trabalhar com números seguros e rigorosos. Mas a noção que temos, até mesmo pela ligação aos Cuidados de Saúde Primários, é que é cada vez melhor o controlo dos doentes nas áreas da HTA, da dislipidemia e da diabetes. Isto é fruto de uma melhoria do conhecimento técnico e científico dos médicos, assim como do aparecimento de novas ferramentas terapêuticas e novas estratégias de tratamento para a abordagem dessas doenças. Penso que na sua modesta importância, estas Jornadas também têm contribuído para isso.
RX – E em termos de mentalidades, considera que temos hoje uma população mais informada, mais sensibilizada e mais consciente em relação à saúde?
JP – Essa tem sido a grande dificuldade. Apesar de alguns avanços, a literacia em saúde da população portuguesa é muito baixa. Penso que esta é uma área de investimento fundamental. Se os doentes não compreenderem os benefícios dos tratamentos que lhes são prescritos, não vamos conseguir que eles os cumpram.
“Nenhum medicamento é eficaz se o doente não o tomar”
RX – A adesão à terapêutica continua a ser um obstáculo ao bom controlo dos fatores de risco?
JP – Sim. Se um doente não cumpre um tratamento, não há qualquer possibilidade de esse tratamento ser eficaz e de serem alcançados os alvos terapêuticos desejados. Este problema foi também abordado nestas jornadas, numa perspetiva de criarmos estratégias de otimização da adesão dos doentes aos tratamentos.
RX – A par da revisão das evidências, dos novos estudos e das guidelines, estas Jornadas têm uma componente muito prática, em que é dada especial importância aos problemas reais da prática clínica. Esta é uma preocupação que vem desde as primeiras edições?
JP – As jornadas estão “desenhadas” para dar respostas rápidas a perguntas frequentes. Ou seja, não estamos aqui para fazer dissertações magistrais, mas sim para apresentar soluções a problemas reais que os médicos têm no seu dia-a-dia no âmbito da rotina clínica. Desta forma conseguimos ter várias respostas para mais perguntas através da discussão saudável de dúvidas que todos nós já tivemos.
Cátia Jorge
Texto originalmente publicado no Jornal das XVII Jornadas de Hipertensão Arterial e Risco Cardiovascular de Matosinhos