“Temos de iniciar a insulinoterapia mais precocemente”
Em comparação com a média europeia, Portugal tem um atraso no início da insulinoterapia em doentes com diabetes tipo 2. Ao momento em que este tratamento é introduzido, os doentes estão a fazer, em média, 2,3 antidiabéticos orais e já contam com 12 anos de evolução da doença. Na perspetiva de Davide Carvalho, “é preciso iniciar a insulinoterapia mais cedo” para prevenir o desenvolvimento de complicações. Numa apresentação incluída no programa cientifico das XVII Jornadas de HTA e Risco Cardiovascular de Matosinhos, o diretor do Serviço de Endocrinologia do Hospital de S. João e professor da Faculdade de Medicina do Porto recomendou alguns procedimentos práticos para a introdução da insulina.
Raio-X (RX) – Há ainda uma resistência ou uma tendência para o atraso do início da insulinoterapia, nomeadamente nos Cuidados de Saúde Primários?
Davide Carvalho (DC) – Em geral, existe um certo grau de resistência à introdução da insulinoterapia, quer por parte dos doentes, que ainda têm fobia de agulhas, quer por parte dos médicos, pelo receio de induzir hipoglicemias e pela falta de disponibilidade de tempo para ensinar o doente a utilizar os dispositivos para administrar a insulina e para titular a dose. Tratar com insulina não é apenas iniciar a terapêutica, é necessário que, gradualmente a dose seja aumentada de forma a otimizar o controlo glicémico. Isso obriga a que o doente tenha condições para fazer a gestão da sua doença.
RX – Essa componente educacional acaba por estar mais entregue às equipas de enfermagem?
DC – Sim. Nos últimos tempos temos assistido à criação de equipas que têm uma maior disponibilidade para fazer essa educação e acompanhamento do doente. De facto, os enfermeiros têm sido um reforço muito importante e uma ajuda muito grande para os médicos no seguimento dos doentes que iniciam insulina. Também nos têm ajudado a desfazer alguns mitos que ainda estão muito ligados a este tipo de terapêutica, nomeadamente nessa questão da fobia das agulhas. Hoje em dia, os dispositivos que nós utilizamos são praticamente indolores o que faz com que esse mito se desvaneça.
RX – O aparecimento de novas classes de antidiabéticos orais e as múltiplas possibilidades de associações entre estes fármacos é também responsável pelo atraso da insulinoterapia?
DC – Sem dúvida que sim. Há diversos estudos que demonstram que em Portugal, que é um país com baixa taxa de insulinização, habitualmente, no momento em que introduzimos a insulina, os doentes estão, em média, a tomar 2,3 antidiabéticos orais, enquanto no resto da Europa, os doentes usam, em média, 1,9 antidiabéticos orais. Isto significa que nós, muitas vezes, adicionamos mais um antidiabético oral, numa fase em que a média dos restantes doentes europeus, já começam a fazer insulina. Em termos práticos, se a necessidade de reduzir a Hba1c for superior a 1%, que será o máximo que vamos conseguir reduzir com a adição de um novo antidiabético oral, devemos optar pela introdução da insulina. Ou seja, devemos insulinizar um doente quando percebemos que não é a adição de mais um antidiabético oral que lhe vai permitir alcançar os valores glicémicos desejados.
RX – Tendo em conta esta realidade nacional e a realidade da média dos restantes países europeus, quem é que tem de corrigir as suas práticas?
DC – Provavelmente teremos de ser nós a iniciar a insulina mais precocemente, principalmente nestes casos em que a adição de mais um antidiabético oral se traduz num benefício insuficiente. No momento em que iniciamos a insulinoterapia, os doentes já têm, em média, 12 anos de evolução da diabetes, comparativamente com 9,8 da média europeia. Por outro lado, temos uma história de 11 anos, em média, de uso de antidiabéticos orais, versus 8,5 anos. O que dá a ideia de que estamos realmente a iniciar a insulina com um atraso significativo.
Prevenir complicações
RX – Atraso esse que favorece o desenvolvimento de complicações como a nefropatia, a retinopatia, a doença vascular, etc….
DC – Há um estudo que demonstra que o atraso de seis meses da insulina se traduz, num prazo de cinco anos, num aumento de 20% do risco de doença cardiovascular e de 26% do risco de enfarte do miocárdio. Para além disso, há, também, um risco de desenvolvimento de outras complicações como a nefropatia, a retinopatia e o pé diabético.
RX – Numa perspetiva prática, quais os principais passos na introdução da insulina num doente com diabetes tipo 2?
DC – Se o doente está descompensado, numa primeira fase, e se nós queremos melhorar o seu controlo glicémico, em geral, mantenho a terapêutica antidiabética que ele está a fazer e inicio uma insulina basal. Titulo a dose de insulina basal de acordo com as glicemias de jejum.
Cátia Jorge
Texto originalmente publicado no Jornal das XVII Jornadas de Hipertensão Arterial e Risco Cardiovascular de Matosinhos