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“Se não inovarmos, o conhecimento não evolui”, afirma Mário Oliveira em véspera do CPC 2017

“Se não inovarmos, o conhecimento não evolui”, afirma Mário Oliveira em véspera do CPC 2017

Cerca de 3000 profissionais de saúde estão prestes a rumar ao sul para mais uma edição do Congresso Português de Cardiologia (CPC), que este ano promete um conjunto de inovações e de sessões apelativas para todos os interesses na área da Medicina Cardiovascular. Em vésperas do maior congresso científico nacional, o Raio-X falou com Mário Oliveira que desvendou alguns dos momentos mais relevantes deste congresso. O presidente da comissão organizadora do evento falou-nos de uma sessão sobre dieta mediterrânica com a participação do Chef Henrique Sá Pessoa,  numa cozinha preparada para o efeito, de um momento Shark Tank, onde será eleita a ideia inovadora com maior aplicabilidade ao serviço da Cardiologia, de uma exposição de arte, de um concerto com uma orquestra de médicos, de um debate de “Prós e Contras”, moderado pela jornalista Fátima Campos Ferreira, de mais de 40 palestrantes internacionais, de uma Corrida do Coração e, claro, de muita ciência.

 

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Raio-X (RX) – “Olhar o Coração – Conhecimento, Inovação e Arte” é o tema desta 38ª edição do CPC. Que conhecimentos e que inovação vão ser partilhados e de que arte estamos a falar?

Mário Oliveira – Do ponto de vista do conhecimento, vamos abarcar todas as vertentes modernas da Medicina cardiovascular em colaboração não só com outros especialistas nacionais de outras áreas, mas também com especialistas internacionais. Pela primeira vez, teremos mais de quatro dezenas de convidados estrangeiros que são peritos nas diferentes áreas da Cardiologia.

Quanto à inovação, este sempre foi um dado fundamental em cada congresso. Nada se faz, do ponto de vista de evolução do conhecimento, se não inovarmos, se não formos à procura do desafio, se não inventarmos, se não pesquisarmos, se não tivermos a curiosidade de ir à procura de novos caminhos. Por isso, procurámos em todas as áreas (Cardiologia de Intervenção, Cirurgia Cardíaca, Cardiologia Pediátrica e até nas áreas da prevenção), incluir ideias inovadoras, sobretudo do ponto de vista tecnológico. Vamos ter várias sessões, chamadas Hot Topics em que se discutem coisas muito atuais, como implementá-las e fazê-las crescer dentro do nosso panorama diário.

Quanto à inovação, este sempre foi um dado fundamental em cada congresso. Nada se faz, do ponto de vista de evolução do conhecimento, se não inovarmos, se não formos à procura do desafio, se não inventarmos, se não pesquisarmos, se não tivermos a curiosidade de ir à procura de novos caminhos

Trouxemos pela primeira vez ao CPC, um momento que se chama Cardio Arena, e que consiste num desafio lançado aos investigadores. Teremos concorrentes que nem sequer estão ligados diretamente à saúde e que vêm de pequenas start ups nacionais que estão a conceber modelos, protótipos e programação informática que podem ser utilizadas ao serviço da Cardiologia. É o conceito do “futuro hoje”, com tecnologias e inovações pelas quais não teremos de esperar pois já estão ao nosso dispor.

Recebemos 16 candidaturas para este desafio, das quais elegemos seis que serão apresentadas num modelo semelhante ao Shark Tank. Aliás, um dos membros do júri é o conhecido Tim Vieira, que participou no programa televisivo. Todas as vertentes do projeto, desde a sua originalidade ao potencial impacto e exequibilidade, serão analisadas por esse júri. Aquele que for considerado o projeto com mais potencialidades para ter sucesso é premiado. Este prémio envolve a colaboração da Healthcare City, uma grande incubadora e da Johnson & Johnson, que estão a trabalhar em parceria connosco.

 

RX – E em relação à arte, de que forma estará presente no CPC 2017?

MO – A Arte faz parte do dia-a-dia de muitos médicos. Eu diria que é uma forma de completar a nossa função enquanto membros ativos, com uma carga pesada de responsabilidade na sociedade. Provavelmente, se nós não alimentarmos a nossa alma com cultura, como médicos, não conseguiremos ter uma função plena naquilo que queremos fazer. Temos que conhecer melhor as pessoas, interpretar os problemas reais e a nossa mente tem que ter uma capacidade de desenvolvimento que vai muito além de sermos profissionais exemplares e termos conhecimento atualizado dentro da Medicina. É muito frequente conhecermos médicos que são excelentes profissionais, com carreiras brilhantes, e tocam piano, são pintores ou tiram fotografias como hobbie.

A Arte faz parte do dia-a-dia de muitos médicos. Eu diria que é uma forma de completar a nossa função enquanto membros ativos, com uma carga pesada de responsabilidade na sociedade. Provavelmente, se nós não alimentarmos a nossa alma com cultura, como médicos, não conseguiremos ter uma função plena naquilo que queremos fazer

Para complementar a excelência científica do congresso, a componente artística vai estar presente desde o primeiro ao último momento com uma abertura musical única, com um concerto com uma orquestra integralmente composta por médicos. Teremos vários apontamentos musicais, com alunos da Escola Superior de Jazz, que vêm com o seu mestre dar-nos aulas sobre a ciência da arte, sobre a composição ou construção de temas muito famosos.

Além destes momentos, teremos o primeiro prémio de pintura do CPC. Um total de 57 obras estarão a concurso numa exposição que estará em exibição ao longo de todo o congresso. Haverá ainda um concurso de fotografia nas redes sociais (The Best CPC Photo). Desafiamos todos os participantes a tirarem as suas fotos e a partilharem no Instagram.

 

RX – Falou da ciência da arte, mas, em relação à arte da ciência, considera que, perante tantas guidelines, recomendações, diretrizes e normas, a prática da Medicina ainda é uma arte?

MO – Costuma dizer-se que nós estudamos todos pelos mesmos livros. Mas na realidade, há pessoas que gostam mais de fazer a sua prática clínica, mais aptas para estarem com os doentes no dia-a-dia. Por vezes, para fazermos isto temos que saltar um pouco as questões mais objetivas e técnicas da Medicina. Temos de nos desfocar das estatísticas, das percentagens, das evidências e apostar mais na relação de confiança e proximidade com o doente. Isso é a arte na Medicina.

 

RX – A arte está então mais relacionada com o lado humanista do médico do que propriamente com a sua capacidade técnica ou competência para diagnosticar, tratar ou tomar decisões clínicas?

MO – A capacidade para estarmos disponíveis, para ouvir, para compreender não se aprende nos livros nem nas aulas de Medicina. Apreende-se com a nossa sensibilidade e capacidade de entender que na sociedade devemos ajudar os outros, para que os outros também nos possam ajudar a nós. Acho que estar ligado à cultura, seja de que vertente for, nos ajuda a ser mais sensíveis para as questões humanitárias.

 

RX – Para além da arte, também a gastronomia tem lugar marcado no programa científico do CPC…

MO – Sim, vamos ter uma sessão dedicada aos benefícios da dieta mediterrânica, durante a qual teremos a participação do Chef Henrique Sá Pessoa, que vai confecionar uma refeição à base dos alimentos que constituem este tipo de regime alimentar que assenta muito no azeite, nos produtos hortícolas, nos peixes, ovos, fruta. Nesta sessão especial, com a participação de especialistas bem conhecidos, um dos moderadores será o Chef Rui Martins.

 

RX – Haverá também uma sessão de Factos e Preconceitos, moderada pela jornalista Fátima Campos Ferreira. Que tema controverso estará em debate?

MO – O tema está patente no nosso dia-a-dia e tem a ver com carreiras e gestão hospitalar. Reproduzimos o modelo do prós e contras, com a Fátima Campos Ferreira, numa sessão muito interessante intitulada de Factos e Preconceitos, que terá lugar no grande auditório. Será um debate importante sobre gestão hospitalar pública e gestão hospitalar privada, problemas, abordagem multidisciplinar e soluções. Vai ser uma sessão com participantes de todos os grupos privados de maior dimensão, e de vários hospitais públicos de reconhecida qualidade, que vão trazer a público as preocupações e apontar  soluções para a melhor gestão dos nossos recursos.

 

Multidisciplinaridade e aproximação à população

 

RX – O CPC é conhecido por ser um congresso multidisciplinar em que é frequente a existência de mesas partilhadas com outras especialidades, nomeadamente a Medicina Geral e Familiar. Este ano não foge à regra?

MO – Este é um congresso de grande dimensão e multidisciplinar, muito vocacionado para a Medicina cardiovascular, mas procurando sempre que o programa científico aborde não só todas as vertentes daquilo que chamamos Cardiologia atual e do estado da arte, mas também que inclua especialistas de outras áreas hospitalares, com quem necessitamos de trabalhar para conseguirmos otimizar o acompanhamento, prevenção e tratamento dos nossos doentes.

Precisamos muito de outros especialistas, até porque a nossa população está cada vez mais envelhecida com múltiplas co-morbilidades, e para as tratar de forma eficaz temos de trabalhar em conjunto com outras especialidades. Tudo isto complementado com uma presença forte da medicina geral e familiar.

Precisamos muito de outros especialistas, até porque a nossa população está cada vez mais envelhecida com múltiplas co-morbilidades, e para as tratar de forma eficaz temos de trabalhar em conjunto com outras especialidades. Tudo isto complementado com uma presença forte da medicina geral e familiar

O congresso vai ter duas sessões inteiramente contruídas por médicos da Medicina Geral e Familiar que vêm discutir casos clínicos do seu dia-a-dia para nos ajudarem a compreender as dificuldades que sentem na referenciação dos doentes.

 

RX – O Congresso promove também momentos dirigido à população. A Corrida do Coração é um desses exemplos.

MO – Sem duvida. Esta será a segunda edição e depois do sucesso da primeira contamos já com centenas de participantes. Muitos deles congressistas, mas também habitantes do Algarve que têm estado a inscrever-se. Temos o apoio da Federação de Atletismo do Algarve que mobiliza muitos desportistas e nos ajuda a divulgar o evento. No ano passado criámos uma mancha amarela na marina de Vilamoura e este ano estamos preparados para pintar o cenário de cor-de-rosa. Esta iniciativa nasce de uma tradição antiga no CPC em que ao final da tarde de domingo vários médicos que estavam no congresso se juntavam para uma corrida. No ano passado essa tradição foi alargada à população e a resposta foi surpreendente.

Além da corrida, teremos um conjunto de bancas de rastreio, a que chamámos a Feira da Saúde, onde as pessoas podem fazer a avaliação de um conjunto de fatores de risco como a dislipidemia, a hipertensão arterial, o excesso de peso, etc. Por outro lado, no dia 21 haverá um mass training de Suporte Básico de Vida. Cerca de 200 alunos e professores serão alvo de uma formação dada por uma equipa de formadores do INEM no âmbito da campanha Eu Amo Viver, vocacionada para a prevenção da morte súbita. A morte súbita é responsável por metade da mortalidade cardiovascular e de 20% da mortalidade total. Se tivermos programas de educação para a população e equipas treinadas para fazer suporte básico de vida conseguimos ter um impacto positivo na diminuição da morte súbita.

 

RX – A prevenção tem sido apontada como a área da Medicina Cardiovascular cuja evolução tem sido mais lenta. Este tema está também representado no programa científico?

MO – Falta sempre fazer muita coisa, mas acho que nós avançámos muito, talvez um pouco graças aos mass media que nos têm apoiado na divulgação de campanhas da hipertensão, da doença aterosclerótica, da morte subita, do AVC, etc. O o congresso terá mesas sobre prevenção cardiovascular, sobre diagnóstico precoce…entre ser doente crónico e a prevenção, temos pelo meio a necessidade de ter diagnóstico precoce. Se o diagnóstico for atempado e feito no momento certo, talvez se consigam benefícios maiores do que estar à espera que se torne irreversivelmente crónico. Portanto, passamos pela prevenção, pela deteção e diagnóstico precoce, pelo tratamento atempado e por fim pelo tratamento mais diferenciado.

 

RX – No ano passado foram introduzidas algumas inovações, inclusivamente para facilitar a presença de jovens internos no congresso. Este ano essas alterações mantêm-se?

MO – Claro e tentamos otimizá-las. O ano passado houve algumas alterações introduzidas que trouxeram grande sucesso, e de facto uma delas foi a abertura aos jovens que não são especialistas ainda. Tentámos uniformizar, passando a ter um programa que se chama CPC for all, dirigido a enfermeiros, cardiopneumologistas, alunos de Medicina, internos de outras especialidades que querem vir ao congresso porque têm curiosidade e porque querem saber mais sobre a patologia cardiovascular. Este programa prevê um custo de inscrição no congresso e alojamento mais baixo para estes participantes. Neste momento, já ultrapassámos as expetativas relativamente ao que tínhamos estimado.

 

 Por Cátia Jorge