Relatório da Primavera 2017: “o SNS consegue fazer tão bem ou melhor com menos dinheiro”
O Relatório da Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) foi apresentado ontem. A desigualdade entre os cidadãos assumiu um lugar de destaque na análise realizada, bem como a análise das iniciativas governamentais, a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os cuidados paliativos. Ainda assim, nem tudo são más notícias.
Um dos principais alertas do relatório relaciona-se com as desigualdades entre cidadãos europeus, mas também entre os portugueses: ao analisar os indicadores de saúde da população portuguesa a partir do último relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) verificou-se que as desigualdades de género, geográficas e socioeconómicas persistem. “Para se manterem saudáveis os portugueses gastam muito mais que a maioria dos europeus” porque o financiamento público da saúde continua a diminuir e os aumentos das despesas a cargo dos próprios cidadãos continuam a aumentar.
Apesar das melhorias ocorridas ao longo dos anos, Portugal continua a apresentar taxas não satisfatórias em relação aos cuidados necessários, nomeadamente nos grupos com baixos rendimentos. Diz José Aranda da Silva, um dos coordenadores do OPSS que “esta é uma situação que já se estende ao longo dos anos”.
Verificou-se no estudo que os mais pobres continuam a ter menos acesso a consultas de especialidade, face a necessidades iguais, particularmente a consultas de saúde oral e mental. Têm também menos acesso a medicamentos: este acesso representa a principal fonte de despesas em saúde das famílias e, na ausência de isenções, os mais carenciados encontram maiores dificuldades de acesso. Diz Aranda da Silva que esta situação “põe em causa os princípios do Serviço Nacional de Saúde”, e que “há outro aspeto a ter em conta, que já não tem que ver com rendimentos, mas sim com literacia. Algumas pessoas têm mais problemas tanto no acesso como na própria utilização do SNS”.
No que diz respeito à qualidade dos serviços, Portugal apresenta resultados positivos em muitos dos indicadores analisados, com exceção da infeção hospitalar, onde continua a ser um dos países com taxas mais elevadas. Este problema está relacionado com a resistência aos antibióticos, devido à sua “má utilização no sistema de saúde, mas também à inserção dos antibióticos na cadeia alimentar”.
Ainda assim, o nosso Serviço Nacional de Saúde é “relativamente eficiente, conseguindo fazer tão bem ou melhor com menos dinheiro”. Mais, apesar da “percentagem do financiamento público ser mais baixa que a média europeia – levando à existência de um défice crónico e consequente ao endividamento público e a um peso significativo da despesa privada, em particular dos pagamentos diretos – os indicadores de saúde são, na maioria, melhores que a média da União Europeia”.
A análise concluiu que houve, também, um reforço dos cuidados de saúde primários, com o aumento do número de Unidades de Saúde Familiar, um reforço “tímido” de camas em diferentes tipologias e também a implementação dos cuidados continuados integrados de pediatria e saúde mental.
Por fim, foi analisada a oferta de cuidados paliativos e concluiu-se que persistem taxas de cobertura muito assimétricas por região ou tipologia, um número baixo de Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos, cujos horários são insuficientes, não garantindo a continuidade dos tratamentos, poucos doentes referenciados e um tempo baixo de sobrevivência dos doentes após a admissão.
Que soluções propõe o estudo
O Relatório da Primavera 2017, recomenda principalmente um maior investimento na saúde. Aranda da Silva chama à atenção para o facto da “despesa da saúde global (despesa pública e privada) per capita já ter estado a cima da média europeia (há cerca de dez anos). Hoje, principalmente na despesa pública, e importa aqui a intervenção da troika, houve uma queda brutal nos últimos 5 a 6 anos, e passámos a estar no grupo de países que tem uma despesa mais baixa com o SNS, e isso é preocupante”. Na opinião do coordenador, seria também importante orçamentar com mais margem de manobra, e para isso era importante que os orçamentos passassem a ser plurianuais, o que permitiria uma maior previsão orçamental.
Para além disso são propostas medidas que reduzam o ciclo “da pobreza e da doença”, que são necessárias principalmente nos campos da saúde oral, da saúde mental e na melhoria do acesso aos medicamentos para os cidadãos mais carenciados, que se traduzam em efetivas melhorias no acesso e na redução das despesas catastróficas em saúde, por parte destes grupos da população.
Em relação aos medicamentos, diz o estudo que são necessárias campanhas junto da população e dos profissionais de saúde sobre o perigo dos antibióticos sendo prioritária uma “monitorização quotidiana do real impacto da inovação terapêutica e das condições de acesso por parte da população, sob pena de ficar comprometida quer a segurança dos doentes, quer os ganhos em saúde”.
Impõe-se por fim que os cuidados paliativos sejam um direito de todos os cidadãos que deles necessitem, e sobre isto já anunciou o Secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo, em declarações ao jornal Público, que estes vão deixar de pagar taxas moderadoras referentes a estes mesmos serviços.
Por Margarida Queirós