Marine Antunes: “Acho que tenho ajudado a criar uma nova forma de encarar o cancro”
É uma história antiga, a de Marine Antunes com o cancro. Foi aos 13 anos que começou a trajetória que viria a influenciar muitas, se não todas, as vivências da agora escritora. Em 2013 criou o blogue “Cancro com Humor” que depois deu nome a um projeto com mais vertentes: dois livros e palestras motivacionais pelo país, que tiveram sempre o objetivo de inspirar, através do humor, doentes, sobreviventes e cuidadores.
Aos 28 anos publica o segundo livro, lançado este mês, onde expõe todas as emoções. Mais madura, aborda agora a doença oncológica de uma forma diferente. O segundo livro é sobre “superação, morte e a perda de algo ou alguém que sempre tivemos como adquiridos”. Marine acha que “é possível ser feliz no caos” e é exatamente com estas palavras que nos introduz o seu segundo livro de autor.
Para o seu lançamento, contou com o apoio da OncoDNA, empresa belga líder em medicina oncológica de precisão que chegou a Portugal há pouco tempo. Em setembro irá viajar por todo o país numa carrinha pão de forma para partilhar a sua experiência e conhecer o maior número de associações e pacientes possível. A empresa diz estar orgulhosa de poder empoderar alguém como a Marine, que os inspira e os faz sentir privilegiados por poderem acompanhar esta nova aventura.
Raio-X (RX) – Só depois de muitos diagnósticos errados, descobriu aos 13 anos de idade que desenvolvia um linfoma não-Hodgink. Como foi essa fase e o que se passou para existirem tantos diagnósticos errados?
Marine Antunes (MA) – Antes de saber que tinha cancro era uma miúda muito saudável. Fazia karaté desde os seis anos de idade, era bem-disposta e uma fala-barato e tinha energia para dar e vender (ainda bem que não a vendemos porque precisei dela). Os primeiros sintomas eram muito subtis – dores de costas moderadas, perda de apetite, por isso, nunca se imaginou que fosse algo tão grave. Alguns médicos acharam que eu tinha problemas de coluna, outros, que era uma fase típica da adolescência. Andei a sentir-me estranha durante meses e os meus pais insistiam com os médicos que algo não estava bem. A minha pediatra, na altura, acusou a minha mãe de ser uma mãe galinha exagerada. A minha mãe exigiu que se fizessem exames mais concretos. Finalmente, depois de me sentir terrivelmente mal, com as febres altas que não baixavam e uma dor insuportável no peito, o diagnóstico foi feito: a minha mãe era uma mãe galinha com razão. Era um linfoma não-Hodgink.
RX – A partir de quando começou a pensar que se ia rir de toda a situação?
MA – O riso foi algo natural. A minha família sempre se riu nos piores momentos. É assim que nos defendemos. Sabemos rir das nossas desgraçadas – ficamos mais leves depois. Rimos e choramos ao mesmo tempo. Não temos paciência para gente negativa, não gostamos de nos queixar, somos insurretos. Gostamos de gargalhadas e de gente despachada. Havia sempre uma observação, uma piada em qualquer altura. Todo o processo foi assim.
RX – O blog surgiu em que altura?
MA – Tive cancro em 2003, fiquei bem em 2004. Só lancei o blogue em 2013. Nesse espaço de tempo cresci, amadureci, aprendi, escrevi. Decidi lançar o blogue só depois de ter a certeza que queria o humor, a escrita e a comunicação na minha vida para sempre. Percebi que me poderia ajudar e ajudar os outros, com esta fórmula louca de ser feliz no caos. Sempre ouvi falar de cancro com medo, em sussurro, com terror. Achei que teríamos de parar com isto. É preciso trazer leveza, alegria. É preciso desconstruir e destruir preconceitos.
RX – O “Cancro com Humor” começou por ser um blog, depois uma Associação e depois um livro. Agora já podemos ler o segundo livro. Como tem sido todo este percurso?
MA – Tem sido um processo de muita liberdade interior. Tenho feito tudo aquilo que me apetece, no tempo que me apetece. Tenho escolhido cada projeto com a ajuda da minha intuição. Comecei em 2013, depois lancei-me nas palestras “Cancro com Humor” (motivacionais) pelo país inteiro, criei projetos, iniciativas, dei a cara por campanhas. Acho que tenho ajudado a criar uma nova forma de encarar o cancro. Sinto que tenho ajudado na mudança. E isso deixa-me incrivelmente feliz. A minha história tem servido para alguma coisa. E este segundo livro nasce nessa vontade de querer continuar a falar do que é difícil, mas com humor, com carisma, com leveza.
RX – Neste momento dedica todo o seu tempo às várias vertentes do “Cancro com Humor” ou tem mais alguma atividade profissional?
MA – Dedico-me a cem por cento ao “Cancro com Humor”. Acredito que a principal causa do sucesso de um projeto é o foco. Respiro o meu projeto. Visto a camisola 24 horas por dia. Eu sou o “Cancro com Humor”. Só acredito em algo, quando a entrega é total. Completa. Sou assim em tudo. Ou dou tudo ou não dou nada. Nunca fui uma mulher de meios-termos.
RX – Como definiria as crónicas que fazem parte deste livro? O que espera que sinta ou aprenda quem o lê?
MA – Estas crónicas foram escritas com muita, muita verdade. Não há uma personagem, não há sequer uma vontade de agradar. Não é um livro anedótico. O humor está presente como uma consequência, como uma forma de estar mas não de forma propositada. Não tenho a intenção de fazer rir. Sei é que o humor está lá quase sem querer. Porque existe em mim. Se as pessoas se rirem será algo absolutamente natural. Espero que as pessoas sintam e vejam essa vulnerabilidade, essa entrega, esse amor.
RX – Que diferenças há entre a Marine deste segundo livro e do primeiro?
MA – Há tantas. Gosto mais deste segundo livro e gosto mais de mim agora também. Este segundo livro é mais autêntico porque perdi o medo de agradar e isso é tão libertador. O primeiro livro termina com uma crónica que pergunta “e se o meu ente-querido morrer de cancro?” porque quis fazer essa reflexão. Aliás, porque senti que isso poderia acontecer. Mas aqui ainda não me tinham morrido. Quando escrevi este segundo livro, já tinha sido cuidadora, já tinha amado, já me tinham morrido. O segundo livro acabou por responder ao primeiro livro. A vida é incrível, não é?
Por Margarida Queirós