Cuidados Paliativos: onde estamos e para onde vamos?
Outubro é o mês em que se assinala e sensibiliza para a importância dos cuidados paliativos. Foram várias as iniciativas e vários os resultados. Até ontem foi exibido nas televisões um anúncio em que algumas figuras públicas chamavam a atenção para a problemática, apoiando a campanha “Vida com Dignidade e Qualidade até ao fim”. No dia 14 de outubro, Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, com a apresentação do estudo “Cuidados Paliativos: o que sabem os portugueses” ficamos a saber que 90% dos portugueses já sabem o que estes são. Mais abaixo pode ficar a saber mais sobre estas iniciativas. Para esclarecer algumas questões que restam, entrevistamos Manuel Capelas, presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) e um dos rostos pela luta de melhores condições para os 89 mil doentes que têm necessidade destes cuidados.
Raio-X (RX) – O que são cuidados paliativos?
Manuel Capelas (MC) – São cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, nomeadamente a dor, mas também dos psicológicos, sociais e espirituais. Por aqui se percebe que não são só cuidados para doentes com cancro ou que estão na fase muito final da sua vida.
RX – Quais são as formas de acesso que existem?
MC – Temos o sistema público e privado. No que nos diz respeito, é fundamental abordarmos o sistema público. Atualmente, para se ter acesso a estes cuidados o doente terá que ser referenciado pela equipa de saúde que o acompanha nesse momento, para uma equipa ou unidade de cuidados paliativos. Numa primeira etapa, estas equipas farão a triagem dos doentes. Consoante o nível de complexidade que o doente apresente, assim será encaminhado para estruturas adequadas (equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos, equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos, unidade de cuidados paliativos). Acontece que por motivos de não priorização adequada por parte do Ministério da Saúde (atual e anterior) ainda se verifica a impossibilidade de aceder a estes cuidados em muitas zonas do país. A titulo de exemplo, no distrito de Leiria, não há nenhuma possibilidade de aceder a estes cuidados pois não existem.
“Acontece que por motivos de não priorização adequada por parte do Ministério da Saúde (atual e anterior) ainda se verifica a impossibilidade de aceder a estes cuidados em muitas zonas do país. A titulo de exemplo, no distrito de Leiria, não existe nenhuma possibilidade de aceder a estes cuidados pois não existem”
RX – Qual é a ação da APCP?
MC – A APCP tenta contribuir para o desenvolvimento e promoção destes cuidados e para a consciencialização da população para a problemática. Por outro lado, contribui para a promoção da capacitação dos profissionais de saúde e voluntários, pois sabe-se que a capacitação é o principal veículo gerador da qualidade dos cuidados.
RX – Quais são, neste momento, as dificuldades que os 89 mil doentes com necessidades paliativas em Portugal enfrentam?
MC – Podemos dizer que, de uma forma muito geral, temos como grandes dificuldades a referenciação e a acessibilidade em tempo útil a estes cuidados assim como a acessibilidade a cuidados de qualidade. A primeira é uma grande dificuldade, pois se os profissionais de saúde não identificarem adequadamente estes doentes por forma a serem referenciados em tempo útil, as dificuldades de acessibilidade crescem exponencialmente. Ainda hoje existe muito a ideia de que se tem que ter tudo por tudo, que o que interessa é a vida em si própria e não a qualidade com que é vivida.
“Temos como grandes dificuldades a referenciação e a acessibilidade em tempo útil a estes cuidados assim como a acessibilidade a cuidados de qualidade”
RX – O que falta fazer para que todos tenhamos acesso a cuidados paliativos? O que podemos todos fazer?
MC – Precisamos de erguer as nossas vozes, cada um no seu papel, enquanto membro de uma sociedade, por forma a exigir a acessibilidade total e integral a cuidados desta natureza. Não só acessibilidade em termos físicos, de estrutura, mas também com recursos humanos necessários e capacitados e de acordo com os rácios preconizados nacional e internacionalmente.
RX – Porque se mostrou necessária esta campanha que lançaram em jeito de comemoração do Dia Mundial dos Cuidados Paliativos?
MC – No atual mais que necessário enquadramento de saúde pública, os programas de cuidados paliativos devem estar disponibilizados em quantidade suficiente, ser prestados por profissionais de saúde adequadamente qualificados e disporem dos fármacos necessários. Por outro lado, devem garantir uma verdadeira acessibilidade, promovendo a não-discriminação geográfica, económica, física e até de nível educacional. Devem ser congruentes com os princípios éticos médicos, culturalmente adequados e, por fim, procurando níveis de excelência no que respeita à avaliação da qualidade. Sabe-se hoje, que uma das chaves para o sucesso de programas de cuidados paliativos é o incremento e promoção de uma sociedade civil dinâmica e consciente dos seus problemas, deveres e direitos, e é este processo que estamos a levar a cabo.
“Vida com Dignidade e Qualidade até ao fim”
A campanha “Vida com Dignidade e Qualidade até ao fim”, foi desenvolvida pela APCP no âmbito do mês dos cuidados paliativos, de acordo com o lema da Worldwide Hospice Palliative Care Alliance para este ano: “Garantir o acesso universal a cuidados paliativos: não deixar ninguém que sofre para trás”.
Cláudia Borges, Diogo Piçarra, João Paulo Sousa e Luísa Barbosa colaboraram no sentido de informar sobre o verdadeiro significado dos cuidados paliativos e suas formas de acesso, divulgar a APCP como uma instituição dinamizadora destes cuidados, e acima de tudo, dar voz aos doentes com necessidades paliativas em Portugal.
90% dos portugueses sabem o que são cuidados paliativos
O Estudo “Cuidados Paliativos: o que sabem os portugueses” foi apresentado e discutido no seminário “Vida com Dignidade e Qualidade até ao Fim”. 90% dos inquiridos sabe o que são cuidados paliativos e mais de 80% gostaria de usufruir destes. Verificou-se portanto uma total mudança de paradigma: “as pessoas sabem o que são estes cuidados e que têm direito a usufruir deles sendo por isso expectável que os exijam junto dos profissionais de saúde e, acima de tudo, que exijam uma maior resposta por parte do nosso Serviço Nacional de Saúde”, explicou o presidente da APCP.
Apenas 75% dos cidadãos identifica adequadamente os objetivos dos cuidados paliativos, apesar de 90% afirmarem saber o que são estes cuidados. Este estudo foi um trabalho da APCP, em parceria com as Farmácias Holon, Universidade Católica Portuguesa – Instituto de Ciências da Saúde e o Observatório Português dos Cuidados Paliativos (OPCP).
Por Margarida Queirós