Karine Marie Serre: “Sistema imunitário é o mais recente e poderoso aliado no tratamento do cancro”
“Melhorar o tratamento do cancro é um dos maiores desafios médicos do século XXI e sem dúvida que conseguimos uma enorme conquista terapêutica nos últimos 10 anos”. É desta forma que a Dr.ª Karine Marie Serre define a importância do trabalho que desenvolve diariamente e abre portas para aquela que será a sua comunicação nas Conferências CUF 2017, onde abordará a importância decisiva do sistema imunitário no combate ao cancro. A médica fará parte da sessão de debate “What is driving the future in Tumour Medicine?”, com a palestra “Harnessing the power of the immune system is key”.
Sobre este tema, a investigadora do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa realça que foi a determinação conjunta da comunidade médico-científica com a indústria farmacêutica que permitiu uma das abordagens mais promissoras da atualidade neste campo: a imunoterapia, que diz estar a produzir “tratamentos impressionantes para vários tipos de cancro que até recentemente não responderam aos tratamentos mais convencionais”.
“Na minha apresentação vou destacar a mudança de paradigma trazida pelas imunoterapias, cujo objetivo é atingir células imunes em vez de células cancerosas, de forma a estimular a resposta imune antitumoral dos pacientes contra o seu próprio cancro”, explica a especialista, que acrescenta ainda que um dos fundamentos que levou ao desenvolvimento da imunoterapia foi o facto de o nosso sistema imunitário ter um papel crítico na eliminação de células tumorais que surgem continuamente, num processo conhecido por imunovigilância.
“A imunoterapia depende de tratamentos que desenvolvam o sistema imunitário dos pacientes e sabemos hoje que alguns anticorpos monoclonais visam moléculas envolvidas na tolerância imune das células cancerosas e aumentam a resposta do sistema imunitário do corpo. Por exemplo”, identifica Karine Serre, “a combinação de anti-CTLA4 (ipilimumab) com anti-PD-1 (nivolumab) atinge uma resposta completa em cerca de 40% dos pacientes com melanoma metastático do estágio IV, o que é fantástico, pois estes doentes terminais normalmente teriam apenas uma sobrevida de alguns meses e atualmente alguns estão vivos após os 10 anos e os seus cancros desapareceram completamente”.
Ainda assim, e apesar dos fantásticos avanços, a investigadora do IMM lamenta que a imunoterapia não chegue a todos. “A imunoterapia tem gerado grande entusiasmo, mas a verdade é que não funciona para alguns pacientes e é ineficiente para muitos tipos de cancro. Assim, o uso universal da imunoterapia para a maioria dos tipos de cancro está comprovado que será mais difícil do que o previsto”, afirma Karine Serre, que salienta que uma maior compreensão da biologia do cancro, e também a resposta dos pacientes, já revelou que se trata de uma doença heterogénea.
“Por isso, vou apresentar possíveis parâmetros-chave para ter em conta para antecipar a resposta ao tratamento, como é o caso do fator de mutação tumoral, a deficiência de reparo incompatível e a expressão de PD-L1.”
Quanto ao enraizamento da imunoterapia no tratamento desta doença, a especialista reconhece que há ainda um longo caminho a percorrer, mas admite que a expectativa é grande no que toca a resultados:
“A imunoterapia é um campo novo, ainda na sua infância. Só recentemente a FDA aprovou tratamentos nos EUA com ipilimumab, em 2011, e nivolumab em 2014, enquanto a EMA introduziu o uso de ipilimumab em 2011 e nivolumab em 2015. Estamos portanto nos estágios preliminares e é necessária experiência para saber como gerir os efeitos colaterais. Mas a imunoterapia é um campo de desenvolvimento incrivelmente rápido e há novas abordagens previstas que esperamos estar disponíveis em breve.”
IMM trabalha arduamente para descobrir mais
A limitação atual da imunoterapia em muitos tipos de cancro, como por exemplo o cancro da mama, reside na capacidade das células tumorais para desenvolver rapidamente formas de ocultar ou inibir a resposta imune mediada por linfócitos T antitumorais.
“De facto”, explica Karine Serre, “o microambiente do tumor é constituído por muitos tipos de células imunes e, em particular, células mieloides que são capazes de infiltrar a massa tumoral e superam/inibem os linfócitos T assassinos. No IMM trabalho com o Professor Bruno Silva-Santos e estamos particularmente interessados neste compartimento mieloide (constituído por macrófagos e neutrófilos) que pode ser eficientemente subvertido pelo tumor para protegê-lo em vez de combatê-lo. O nosso objetivo é remodelar o microambiente tumoral para induzir macrófagos antitumorais protetores e/ou neutrófilos em modelos experimentais pré-clínicos”.
Quanto ao futuro, a investigadora realça que é aceite que as combinações de imunoterapias diferentes (ou com terapias convencionais) serão a melhor maneira de tratar os pacientes, pois muitas vezes apresentam efeitos sinérgicos. Assim, frisa que o seu objetivo a longo prazo é descobrir novas terapias imunomediadas para o compartimento mieloide para aproveitar macrófagos e/ou neutrófilos na luta contra o cancro juntamente com células T assassinas.