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5% das mulheres infetadas por HPV desenvolvem cancro do colo do útero

5% das mulheres infetadas por HPV desenvolvem cancro do colo do útero

“Há cancros que podem ser prevenidos”, foi o mote da campanha que a Liga Portuguesa Contra o Cancro lançou no passado mês de outubro. O cancro do colo do útero está nesse grupo de tumores preveníveis, nomeadamente através da vacinação contra o papilomavírus humano (HPV). Em entrevista ao Raio-X, Daniel Pereira da Silva traça o quadro epidemiológico nacional relativamente à infeção por HPV. O Presidente da FSPOG – Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia, e Ginecologista no Instituto Médico de Coimbra explica que é ainda cedo para determinar o impacto da vacinação nas taxas de incidência de cancro do colo do útero.

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Raio-X (RX) – Qual a atual incidência de HPV em Portugal?

Daniel Pereira da Silva (DPS) – A incidência de infeção ativa em Portugal é alta, com dados semelhantes a outros países europeus. Num estudo publicado em 2011, cerca de 20% das mulheres residentes em Portugal estavam infetadas. A infeção atingia quase 30% das mulheres entre os 20-24 anos, cerca de 10% das que tinham 40 a 44 anos, e 6% daquelas que estavam entre 60 e 64 anos de idade. Se quisermos saber quem está ou esteve infetado, os números são esmagadores – estudos realizados nos EUA e noutros países evidenciam que 75% dos indivíduos (homens e mulheres), com menos de 50 anos de idade, estão ou estiveram infetados por qualquer dos tipos de HPV. É a infeção sexual mais frequente no mundo. Qualquer pessoa que tenha atualmente ou já tenha tido relações pode ter contraído a infeção por HPV.

 RX – Em que percentagem de mulheres, a infeção por HPV evolui para lesões potencialmente cancerígenas?

DPS – Note-se que as infeções mais frequentes são pelos HPVs de baixo risco – baixo risco de evoluir para cancro. São muito comuns, mas desaparecem espontaneamente sem consequências, na grande maioria dos casos. A infeção pelo HPV de alto risco representa risco significativo de cancro. Na maior parte dos casos – 90 a 95% – evolui bem, desaparece sem sequelas. Em cerca de 10%, a infeção persiste ao fim de 12 a 24 meses. Esse é o primeiro passo para uma evolução desfavorável que acontece em metade desses casos, ou seja, em 5% do total de mulheres infetadas. O grande problema é que, perante uma mulher infetada pelo HPV de alto risco, ainda não temos marcadores que identifiquem aquelas que têm potencial de evolução desfavorável, de modo a tratar apenas essas mulheres. De notar que a infeção pelo HPV não tem tratamento. Este tipo de infeção apenas responde perante os mecanismos imunológicos de defesa do organismo. Quando estamos perante uma mulher com infeção pelo HPV de alto risco, temos de saber se tem lesão – através de uma colposcopia. Se tiver lesão, trata-se de forma adequada; se não tem lesão, vigia-se.

RX – Para além do cancro do colo do útero, a que outras complicações o HPV pode estar associado?

DPS – Todos os tecidos de contacto sexual podem ser sede de infeção por HPV. Se for um HPV de baixo risco, pode surgir lesão de baixo grau, que não têm importância, salvo os condilomas genitais que podem provocar situações mais ou menos complicadas conforme o tamanho, número e locais de apresentação. A infeção pelo HPV de alto risco comporta risco de aparecimento de lesão pré-cancerosa ou cancerosa no tracto genital feminino – colo do útero, vulva e vagina –, do pénis no homem, do ânus e cavidade oral em homens e mulheres, consoante as práticas sexuais que tenham.

 RX – Há dados comparativos entre a incidência de cancro do colo do útero antes e depois da implementação da vacinação nas adolescentes?

DPS – Dados comparativos da incidência de cancro, ainda não há em nenhum país do mundo. O processo de evolução do cancro do colo do útero é relativamente lento. Desde o início da infeção até ao aparecimento de uma lesão cancerosa no colo do útero, passam-se cerca de 15 a 20 anos e a vacina só apareceu em 2006. Temos de deixar passar mais tempo para ter esses dados, mas já temos elementos sobre o impacto da vacina quadrivalente nas lesões pré-cancerosas. Esses dados são oriundos de vários países, mas os mais rigorosos chegam-nos da Austrália que tem uma taxa de vacinação semelhante à nossa, onde se verifica uma redução de 92% dos condilomas e de 46% das lesões de alto grau. Estes resultados foram obtidos com a vacina quadrivalente, que protege contra os HPVs 6, 11, 16 e 18. A vacina nonavalente, atualmente disponível, acrescenta proteção para as infeções provocados por mais 5 vírus (31, 33, 45, 52 e 58), o que confere um potencial acrescido de proteção.

RX – Chegou a ser ponderada a vacinação de rapazes, tendo em conta que são transmissores da doença. Parece-lhe viável que, também no sexo masculino a vacina contra o HPV possa fazer parte do PNV?

DPS – Trata-se de uma decisão política dependente da folga orçamental. Há países onde a vacinação contra o HPV já inclui os rapazes. Atualmente, há 15 países no mundo onde a vacinação neutra de género já é uma realidade. No entanto, não me parece que venhamos a adotar essa medida a curto prazo, nem se deve esperar por isso. Assim, tanto os pais, como os próprios rapazes têm de fazer esse investimento financeiro e serem vacinados. É verdade que a carga de doença no homem não é tão alta como nas mulheres, mas a vacinação dos homens protege contra os cancros associados ao HPV – pénis, ânus e cavidade oral. Não podemos ficar fechados numa visão restrita da realidade. A liberdade sexual é um direito adquirido e indiscutível. Sob todos os pontos de vista, a vacinação deve ser neutra de género.

RX – Por que motivo é ainda importante falar sobre este tema, num país com acesso facilitado à prevenção?

DPS – A questão da prevenção merece ser analisada.

Primeiro ponto: a prevenção primária não é possível, a não ser com a vacinação. O preservativo confere alguma proteção, mas não é 100% eficaz, porque não recobre todas as áreas de contacto sexual. Segundo ponto: existe prevenção secundária para o cancro do colo do útero, através da realização da citologia (teste de papanicolao) ou da pesquisa do HPV, desde que realizados de forma regular. Referi secundária, porque, por esse meio, é possível identificar as lesões pré-cancerosas e evitar o aparecimento do cancro. Mas isso só é possível para o cancro do colo do útero. Não existe nenhum teste para aplicar na prevenção dos outros tipos de cancro relacionados com o HPV, como os cancros do ânus e cavidade oral em homens e mulheres e ao cancro do pénis no homem. É importante afirmar que a prevenção deve passar sempre pela vacinação de todas as mulheres, pelo menos até aos 45 anos de idade, e dos rapazes. Nas mulheres, devemos continuar com o rastreio do cancro do colo do útero, de preferência com o teste ao HPV.

RX – O que é que a população ainda não sabe sobre HPV?

DPS – A mensagem fundamental é que todos estamos sujeitos à infeção pelo Papilomavírus humano. Não é um problema dos outros, é um problema de cada um de nós. Trata-se de um vírus muito prevalente, que se transmite com extrema facilidade através das relações sexuais. Para nossa proteção, para proteção da nossa parceira ou parceiro, todos devemos estar vacinados.

 

Por Margarida Queirós