João Fonseca: “A cultura da saúde não valoriza a prevenção, mas sim a adrenalina da emergência”
Controlar a asma permite poupar mais de 154 milhões de euros: é esta a principal conclusão de um estudo da autoria de João Fonseca, Luís Azevedo, Ana Sá Sousa, José Pedro Barbosa e Manuel Ferreira de Magalhães. O estudo intitula-se “Cost of asthma in Portuguese adults: A population-based, cost-of-illness study” e foi já publicado na Revista Portuguesa de Pneumologia. Os investigadores do CINTESIS calculam que a asma custe 547 milhões de euros por ano ao nosso país, sendo que cada doente gasta, em média, 761,58 euros.
A propósito do estudo, entrevistámos João Fonseca, médico imunoalergologista , professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e investigador sobre a asma, os benefícios da sua prevenção e as motivações para este estudo.
Raio-X (RX): Dados os benefícios da prevenção, comprovados neste estudo, como se consegue que esta comece a ter outra relevância?
João Fonseca (JF): Os benefícios da prevenção, quer na asma quer noutras doenças crónicas são conhecidos mas não interiorizados. Esta cultura de saúde não valoriza a prevenção, mas sim a adrenalina da emergência, a gratificação do imediato. E isto é transversal a todos os intervenientes, não só aos médicos e outros profissionais de saúde, mas também aos doentes e suas famílias ou aos decisores políticos. E é nas decisões politicas, mais precisamente nas decisões de financiamento, que maior capacidade de mudar esta cultura existe. Isto é, se queremos dar relevância à prevenção é preciso valoriza-la. A começar pelos incentivos financeiros.
Atualmente, todos as partes do sistema de saúde beneficiam com os cuidados não programados, com as urgências, com os internamentos, com a disponibilidade de “resolver” crise a qualquer hora. A resolução do “problema das urgências” em geral e das agudizações de asma em particular nunca será resolvido se não se alterarem os pressupostos de financiamento e se não for prejudicial para todos existirem esses episódios. Um exemplo disso é a diferença de preços entre um inalador de alívio rápido que custa cêntimos e um inalador com medicação preventiva que custa dezenas de euros.
Claro que existem motivos corretíssimos para isto, como existem para a valorização dos cuidados não programados, mas a economia comportamental é muito clara e pouco ou nada lhe sobrepõe, nomeadamente na moldagem da cultura de saúde. Por isso mesmo, achar que será a educação, a literacia ou os programas de reforço que farão mudanças profundas isoladamente é de uma grande inocência e levará à manutenção do mesmo tipo de resultados que temos tido.
RX: Foi também por isso que realizaram este estudo? Como chamada de atenção?
JF: Sim, só é possível melhorar o que se mede, parafraseando o Lord Kelvin. Quantificar os custos permite, de forma fácil, ter uma melhor ideia do problema. Mas tivemos uma abordagem muito cautelosa, preferindo sub quantificar os custos do que “pecar por excesso”. Isto porque hoje vemos por vezes estimativas exageradas, o que descredibiliza a investigação e distorce o processo de tomada de decisões, o que vai no sentido contrário do intuito destes estudos.
RX: Para o estado é possível reduzir custos se se investir na prevenção. E para as pessoas?
JF: Também para as pessoas os ganhos são muitos, é aliás isso que me interessa enquanto alergologista. Falamos aqui de prevenção secundária, isto é evitar efeitos negativos nas pessoas com asma. E ouvir dizer alguém que já se pode rir à vontade porque já não tosse ou que dançou como nunca tinha conseguido pode ser tão importante como não faltar ao trabalho ou estar no trabalho mas não o conseguir fazer bem por causa da asma. Nesta área são ainda muito importantes as campanhas de prevenção e rastreio como a “VENCER A ASMA” que em 2018 vai andar em diferentes cidades do país para fazer espirometrias e aconselhar sobre como manter a asma controlada.
RX: O que é ter a asma controlada?
JF: De uma forma global é a asma não ter qualquer interferência na qualidade de vida nem risco futuro. Mais em concreto é não ter limitações no exercício, não ter alterações do sono e ter sintomas mínimos, isto é menos que 2x por mês. Se isto acontecer o risco de agudizações, de crises de asma, é nulo ou muito baixo e a perda de função respiratória é semelhante à de uma pessoa sem asma.
RX: Finalmente, porque é que acha então que muitas pessoas não priorizam a prevenção?
JF: Como disse em cima é uma questão de cultura ou de comportamento, foram precisas gerações para que todos (ou quase) lavássemos os dentes e, neste caso há um efeito agradável imediatamente após lavar os dentes… Algumas das pessoas com asma que até já sabem quão gratificante é andar bem controlado, sem receio de ter sintomas ou uma crise, mesmo assim, descuram a medicação preventiva, um pouco como tantos de nós fazem com o exercício ou com o que comemos. Outras pessoas criam, ou preferem acreditar em ideias, completamente erradas cientificamente, que eventualmente sancionem atitudes que têm ou preferem ter. Vemos isto noutras áreas como a das vacinas do Sarampo. A fobia dos corticoides ou da “habituação” à medicação acaba por se enquadrar neste tipo de pensamento.
E, claro, muitas pessoas de facto nunca tiveram um médico que lhes explicasse o que têm e para que servem os medicamentos, porquê é que são tomados e como. Da mesma forma que não existe uma única asma, mas sim vários subtipos ou fenótipos de asma também não existe um único motivo, mas sim vários, alguns dos quais ainda não conhecemos bem. Mas conhecemos bem as consequências, essas são as que quantificamos nestes estudos e no Inquérito Nacional sobre Asma que fizemos no início desta década.
Por Margarida Queirós