“E se nos juntássemos para fazermos um congresso único, no Norte?”
“Não havia concorrência, mas sim complementaridade”, garante o Dr. Ramalho de Almeida relativamente à relação entre os serviços de Pneumologia do Hospital de Vila Nova de Gaia e do Hospital de São João. Dessa complementaridade nasceu, há 25 anos, o Congresso de Pneumologia do Norte que “é hoje uma reunião prestigiada, em que todos se dão muito bem”, acrescenta o Prof. Doutor Agostinho Marques. Os dois prestigiados pneumologistas do Norte foram os grandes impulsionadores da primeira edição desta reunião que, este ano, comemora as suas bodas de prata.
Numa das margens do Rio Douro, o Hospital de Vila Nova de Gaia já realizava as suas próprias jornadas de Pneumologia desde 1985. Na outra margem, o Hospital de S. João começou, mais tarde, a fazer também a sua reunião dedicada à patologia respiratória. “Convidávamo-nos sempre uns aos outros e, um dia, estava eu, o Prof. Agostinho Marques e o Dr. Martins Coelho e pensámos: por que é que não nos juntamos e fazemos um único Congresso de Pneumologia do Norte”, recorda o Dr. Ramalho de Almeida que, na altura, trabalhava no Serviço de Pneumologia do Hospital de Vila Nova de Gaia. Na mesma época (década de 90) outros serviços de Pneumologia emergiam na zona Norte do País, nomeadamente noutros hospitais do Porto, em Braga, Vila Real e, posteriormente, em Barcelos e Guimarães.
“Do pensamento chegou a criação e foi um evidente sucesso, e continua a ser, está cada vez melhor”, sublinha o Prof. Doutor Agostinho Marques. O pneumologista do Hospital de S. João diz nunca ter sentido qualquer tipo de concorrência entre os dois hospitais, no entanto, reconhece que, “sobretudo os médicos mais jovens” tendem a “vestir a camisola” e assumir um espírito mais competitivo. “É verdade que as pessoas devem fazer sempre o seu melhor e competir, mas deve haver sempre cooperação, tratam-se de serviços públicos que estão cá destinados com o mesmo fim: servir o doente e não para afirmar o que quer que seja”, recomenda o Prof. Doutor Agostinho Marques.
Na perspetiva do Dr. Ramalho de Almeida, cada um dos Serviços tinha as suas valências e o seu Know How dentro dos vários grupos patológicos. Neste comtexto, havia complementaridade. Por exemplo, no Hospital de Vila Nova de Gaia havia uma maior experiência na área da tuberculose, já o Hospital de S. João “tinha muita tecnologia que nós não tínhamos”. Portanto, “da união veio um lucro enorme para os dois lados”.
Essa cooperação mantém-se até aos dias de hoje e está bem presente em cada edição do Congresso de Pneumologia do Norte. “Este congresso é presidido por alguém do Hospital de São João e do Hospital de Vila Nova de Gaia, de forma alternada e o secretário-geral é do outro hospital, portanto, a equipa organizadora é sempre mista, tal como o modelo da reunião”, explica o Prof. Doutor Agostinho Marques. Todavia, para esta união da especialidade, “a Sociedade Portuguesa de Pneumologia também tem contribuído muito”, ressalva o Dr. Ramalho de Almeida. “Trabalhamos todos para o mesmo, há projetos comuns e isso é uma mais-valia”, frisa o especialista.
Duas décadas e meia de mudança
Mas se, por um lado, este espírito de cooperação se manteve ao longo destes 25 anos, o mesmo não aconteceu na prática da Pneumologia. Do ponto de vista epidemiológico, por exemplo, “a tuberculose deixou de ser um grande problema para ser um problema menor, sem qualquer comparação com a realidade de antigamente, em que Portugal apresentava taxas de prevalência muito elevadas”. Hoje “temos uma prevalência muito semelhante à dos restantes países europeus”, adianta o Dr. Ramalho de Almeida. No sentido inverso, “a DPOC teve um grande incremento nestes últimos anos. É uma doença que nos preocupa muito sobretudo porque condiciona a qualidade de vida dos doentes”. Depois, “há um outro conjunto de doenças que, embora não sejam novas, são abordadas de forma diferente, como é o caso das doenças do interstício e das fibroses. Os últimos 20 anos foram de grandíssima evolução dentro da Pneumologia”, afirma.
“As mudanças são enormes”, acrescenta o Prof. Doutor Agostinho Marques. “Na altura em que entrei na especialidade, a Pneumologia era praticada maioritariamente por profissionais do sexo masculino. Hoje em dia, é sobretudo composta por elementos do sexo feminino”. Além disso, “na altura que este congresso começou, Portugal, no plano científico da Medicina, era um país muito atrasado em relação ao resto da Europa, nomeadamente nos indicadores de saúde. E hoje não, nós conseguimos acompanhar o desenvolvimento da Medicina no mundo e conseguimos ultrapassar o nosso próprio bloqueio, pois estávamos estagnados”, recorda o pneumologista do Hospital de S. João.
Atualmente, “vêm palestrantes de qualquer parte do Mundo a este congresso e o sentimento é parece que estamos todos em casa”, sublinha.
Considerando que a grande evolução ocorreu no campo técnico e científico, com o aparecimento de métodos de diagnóstico cada vez mais precisos e com o desenvolvimento de tratamentos cada vez mais eficazes e direcionados, os dois especialistas acreditam que a mudança de mentalidades também é marcante. “Não faz sentido pensarmos em travar a DPOC se não implementarmos políticas antitabágicas. Umas coisas vieram atrás das outras e sente-se hoje em dia uma grande mobilização e consciencialização da sociedade”, refere o Dr. Ramalho de Almeida.
“Evolução colossal”
Desde os avanços no rastreio e nas metodologias complementares de diagnóstico, ao contributo da biologia molecular e do conhecimento mais aprofundado dos mecanismos fisiopatológicos, passando pelo desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas e pela inovação nas terapêuticas farmacológicas são quase incalculáveis os marcos que, nestas duas décadas e meia, alteraram a prática da Pneumologia, outrora batizada de Pneumotisiologia.
Tanto o Prof. Doutor Agostinho Marques como o Dr. Ramalho de Almeida usam como exemplo as conquistas alcançadas na abordagem dos doentes com cancro do pulmão.
“Quando comecei a tratar estes doentes, a esperança média de vida não ultrapassava os seis meses”. Hoje, dependendo do tipo de tumor que tem e do estádio em que é diagnosticado, “um doente pode sobreviver mais dez anos”, conta o Dr. Ramalho de Almeida. Através da biologia molecular “podemos identificar alterações genéticas que nos permitem selecionar o tratamento específico para cada doente”, acrescenta o Prof. Doutor Agostinho Marques. A quimioterapia ou a radioterapia já não são as únicas soluções para todos os doentes. Mesmo no âmbito da cirurgia, “quando operamos um doente, sabemos à partida o que vamos encontrar porque o observámos previamente através de ressonância magnética, TAC, PETscan e uma série de outros métodos de avaliação”, explica o pneumologista do Hospital de S. João.
Mesmo na área da investigação, em que Portugal, está tradicionalmente, mais condicionado, “se tem sentido uma grande evolução e, embora careçamos de muitos recursos para termos uma investigação de excelência, como em outros países, até temos conseguido bons resultados porque temos uma Medicina e uma Pneumologia de grande qualidade”, afirma o Dr. Ramalho de Almeida.
Na perspetiva do Prof. Doutor Agostinho Marques, outro sinal de mudança é trazer para um congresso científico o tema da “Assistência na Morte”, que tanto “nos inquieta e a alguns de nós até incomoda”. O sofrimento à volta da morte foi “extraordinariamente reduzido. Os doentes vão morrendo, pela lei natural da vida, mas o sofrimento é muito menor. É talvez, para quem lida com um doente que está à beira da morte, esta possibilidade de atenuar o sofrimento físico é muito gratificante”, descreve o especialista.
Menos desenvolvida está, na opinião do Prof. Doutor Agostinho Marques, a área da reabilitação respiratória. “Temos uma grande carência de capacidade de resposta. Enquanto um medicamento é fácil de prescrever em qualquer sítio do país, a reabilitação respiratória ainda não é assim. Há grandes desigualdades regionais o que levanta também algumas questões éticas pois, de acordo com a Constituição da República, os doentes devem ser tratados todos por igual e aqui não há como faze-lo”.
O segredo do sucesso….
“É a vontade desta comunidade de médicos ir melhorando continuamente. Não tem sido preciso pregar aos peixes. É a própria dinâmica de vontade de melhoria contínua dos jovens médicos, que faz com que isto se tenha mantido geração após geração. E está para continuar, não tenho a menor dúvida, não há um menor risco de se apagar. O segredo está na qualidade das pessoas que compõem o congresso”, defende o Prof. Doutor Agostinho Marques.
“Ao fim de 25 anos é notável que a aplicação de algumas regras no primeiro congresso, ainda se mantenham, ou seja, ninguém sentiu necessidade de alterar alguma coisa e isso deixa-me extremamente orgulhoso e certo que o congresso continuará por muitos e muitos anos mais.”, remata o Dr. Ramalho de Almeida.
Por Cátia Jorge