Incontinência fecal: “Neste momento existem várias soluções, a neuromodulação é a mais eficaz”
A incontinência fecal é uma patologia que tem uma expressão importante, no entanto, face ao constrangimento, o problema vai evoluindo e comprometendo a qualidade de vida dos doentes sem que estes recorram a ajuda médica. O isolamento é, para muitos, o único escape. Embora não existam estudos epidemiológicos, estima-se que esta patologia afete entre 1 a 10% da população adulta” afirma José Assunção Gonçalves, médico cirurgião geral do Hospital da Luz.
A incontinência fecal traduz-se por uma incapacidade de controlar a eliminação das fezes e é um assunto delicado sobre o qual os portadores do distúrbio têm alguma dificuldade em aceitar e em falar, até mesmo com os médicos. “As pessoas têm vergonha de falar porque isto é um problema com o qual não se sentem à vontade” explica José Assunção Gonçalves. Para além da vergonha e do pudor, é notável que “por parte dos profissionais de saúde, até há pouco tempo, antes da neuromodulação das raízes sagradas, as opções terapêuticas disponíveis tinham resultados pouco satisfatórios”, explana o cirurgião. Os doentes estavam condenados a viver “fechados em casa e com fralda, mas atualmente, o panorama já não é este, tudo mudou” e por isso, a mensagem a reter é que “neste momento existem várias soluções, sendo que a neuromodulação sagrada é a mais eficaz, com resultados extraordinários”.
A esmagadora maioria das pessoas afetadas por esta patologia, se excluirmos as mais idosas, são “as senhoras, sobretudo na sequência dos traumas obstétricos, na sequência de partos que tiveram problemas. Nestes casos, a incontinência fecal pode manifestar-se logo a seguir ao parto ou depois, já na menopausa”.
No entanto, este problema afeta todas as faixas etárias, sendo que “à medida que a idade vai passando, a percentagem vai aumentando”. Entre os 20 e os 50 “a percentagem anda entre 1 a 10%”, contudo, na faixa etária acima dos 65 anos a percentagem “aumenta para os 10%”. Estima-se que, dentro da população idosa, “50% da que está institucionalizada em lares, que sofre de doenças degenerativas, neurológicas, como o alzheimer, o parkinson, a esclerose múltipla ou doenças do intestino, tenham problemas de incontinência fecal”. Considerando o fenómeno do envelhecimento da população, “é espectável que cada vez existam mais pessoas a sofrer deste problema”.
“O diagnóstico é feito pelo próprio doente”
No que toca ao diagnóstico da incontinência, é o próprio doente que o faz. “Nós, profissionais de saúde, temos ao dispor do doente questionários e escalas de gravidade, quer da incontinência em si, quer da qualidade de vida, de forma a percebermos como é que a patologia afeta a vida do doente. Os doentes respondem ao questionário e posteriormente avaliamos a gravidade da patologia”, descreve José Assunção Gonçalves. Apenas em conversa com o doente, “80% do que o médico pretende saber fica esclarecido”, acrescenta. Posteriormente, “observarmos o doente de forma a perceber se tem algum defeito anatómico ou algo que tenha de ser corrigido”. Existem ainda, atualmente, meios complementares para o diagnóstico desta patologia, como a ecografia, através de uma sonda que se introduz pelo ânus, e a manometria que faz o estudo funcional. “Através destes meios complementares, facilmente percebemos se o doente consegue ou não contrair o esfíncter anal, comparar a força de contração voluntária e involuntária e, desta forma obter valores quantificáveis de algo que era só subjetivo, ou seja, é uma forma objetiva de perceber como é que os músculos daquele doente estão a funcionar”, refere o especialista.
Os problemas ligeiros de incontinência fecal podem ser tratados de uma forma simples, com o recurso a fármacos obstipantes e com a mudança dos hábitos alimentares. Noutras situações, poderão estar indicados exercícios para fortalecimento dos músculos desta área através da electroestimulação ou pela realização de “biofeedback” (em que o doente reaprende a defecar e controlar as fezes, além de fortalecer o esfíncter anal). “As grávidas, por exemplo, são encaminhadas para sessões de fisioterapia desde muito cedo, como forma de prevenir a incontinência fecal”. Nos casos mais graves o tratamento é cirúrgico através da reparação esfincteriana. “Felizmente, existem hoje em dia alternativas à colostomia para as situações de incontinência severa, sendo que “a que tem tido melhores resultados a longo prazo é sem dúvida alguma a neuromodulação sagrada”, relata José Assunção Gonçalves.
A mensagem para os doentes que sofrem desta patologia é de esperança, “não estão condenados a viver com a doença, há solução para o problema deles como forma de lhes devolver uma vida digna e com a qualidade que desejam. Não tenham vergonha!”, concluiu o especialista.
Incontinência fecal por complicações pós-cirúrgicas
Aos 54 anos, Fernando Santos foi alvo de uma intervenção cirúrgica a uma fissura anal no Hospital de Lamego. “As complicações desta cirurgia originaram a incontinência fecal”, descreve. Após a cirurgia, Fernando recorda que “não conseguia conter a vontade de defecar”. É de conhecimento geral que esta patologia afeta a qualidade de vida dos doentes e perturba a nível psicológico e com Fernando não foi diferente. Sofrer de incontinência fecal afetou-lhe a vida social e começou a “ter tendência para a depressão e para o isolamento”. Não se sentia à vontade para fazer viagens, porque “era obrigado a parar vezes sem conta”, explanou. Após várias sessões de fisioterapia recomendadas por médicos, não viu resultados o que acabou por desanimá-lo. A 16 de janeiro de 2017, foi submetido a uma cirurgia para colocar um implante neuromodulador e, após esta intervenção, verificaram-se “enormes melhorias”. “Já estou bem melhor, não deixo de andar com compressas, para prevenir, mas já me sinto outra pessoa, mais confiante e com muito menos receio”, declara.
Inês Nunes tem atualmente 37 anos, mas tinha apenas 32 quando, após uma operação mal sucedida percebeu que algo estava errado: “tinha uma fístula perianal e fui operada, a operação correu mal e fiquei incontinente nas fezes e nos gases”, recorda. Confessa que “foi muito frustrante, não sabia como lidar com a situação, estava constantemente com medo que alguém visse ou ouvisse qualquer coisa”, conta. Acabou mesmo por recorrer ao isolamento, deixou de trabalhar “não havia condições para continuar, estava sempre com medo, qualquer esforço físico era o suficiente para acontecer uma desgraça”, declara.
No entanto, após 5 anos de desespero, a solução chegou: “fiz a cirurgia o ano passado e coloquei um implante neuromodulador. A partir daí, os resultados foram aparecendo gradualmente e fiquei muito mais à vontade, a incontinência nos gases está muito mais controlada”, acrescenta. Descreve que sente que foi um alívio e já consegue andar livremente na rua sem a necessidade de “pensos higiénicos para precaver algum azar”.
“Às outras pessoas que sofrem desta patologia só tenho a dizer para não terem vergonha, comuniquem ao médico da família para serem auxiliadas e devidamente encaminhadas. Há soluções, façam a cirurgia em casos mais graves, não tenham qualquer receio, os resultados a longo prazo são bastante significativos e devolvem-nos a qualidade de vida”, afirma.
Se quer saber mais sobre esta patologia, contacte: doentesincontinenciafecal@gmail.com