“O cancro está a tornar-se, progressivamente, uma doença crónica”
Celebra-se hoje, 4 de fevereiro, o Dia Mundial do Cancro. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a nível global, todos os anos, cerca de 8 milhões de pessoas morrem de cancro e muitas destas mortes poderiam ser evitadas através da prevenção, deteção precoce e tratamento. O consumo de tabaco e bebidas alcoólicas, a alimentação inadequada, a obesidade e o contacto com alguns vírus estão, segundo Vítor Rodrigues, entre os principais fatores desencadeantes de doença oncológica. O Raio-X falou com o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) que frisa que, progressivamente, esta é uma doença que está “a tornar-se crónica”.
Raio-X (RX) – Qual é o retrato que faz do cancro atualmente?
Vítor Rodrigues (VR) – Uma doença que continua grave, mas que perdeu muito do estigma que a acompanhou durante tantos anos. Essa mudança de paradigma permitiu uma maior efetividade das campanhas de prevenção primária e um diagnóstico mais precoce, com consequente aumento da sobrevivência e estabilização global da mortalidade. O cancro está a tornar-se, progressivamente, uma doença crónica.
RX – A incidência do cancro em Portugal continua a aumentar. Quais são os principais motivos?
VR – Não nos devemos esquecer de que o principal fator de risco para a doença oncológica é a idade. Deste modo, como toda a sociedade está a envelhecer – e com um significativo aumento da esperança de vida – não é de admirar que o número de casos continue a aumentar. No entanto, quando se analisam as taxas de incidência a situação é algo diferente, pois elas são padronizadas, isto é, o efeito da idade é retirado, e esse cenário é algo diferente, com um aumento geral muito menos significativo. Por outro lado, estaremos a sofrer agora do efeito de exposição a diversos factores de risco, exposição que se verificou há já muitos anos e cujos efeitos são cumulativos ao longo do tempo.
RX – Quais são os fatores de risco?
VR – São múltiplos e variados, mais ou menos específicos para diversos tipos de cancro e em diversas localizações anatómicas, com uma causalidade cruzada muito grande. De qualquer modo, os que parecem ter maior importância são o consumo de tabaco, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, alimentação inadequada, o sedentarismo, a obesidade, alguns agentes infeciosos e virusais.
RX – De que forma podemos fazer a prevenção do cancro?
VR – A prevenção de cancro tem vários níveis. A prevenção primária dedica-se à divulgação dos factores de risco e mecanismos de ação, por forma a que o seu reconhecimento e interiorização, possa induzir nos indivíduos a modificação de hábitos e estilos de vida levando à diminuição da incidência de cancro (e de outras doenças crónicas). A prevenção secundária – após o cancro surgir – visa realizar um diagnóstico o mais precoce possível, pois aumenta a probabilidade de tratamentos mais eficientes, menos agressivos, aumentando a sobrevivência e diminuindo a mortalidade. Entre as modalidades de diagnóstico precoce sobressaem o rastreio populacional organizado para o cancro da mama na mulher, o cancro do colo do útero e o cancro colo-rectal. Uma vez que nem sempre é possível “curar” o cancro, há que dedicar uma atenção especial à qualidade de vida do doente e fornecer-lhe apoio, apoio esse que deve ser estendido aos seus familiares e outros cuidadores.
RX – Qual o cancro que mais afeta os portugueses?
VR – As localizações tumorais com maior taxa de incidência e, simultaneamente, com maior taxa de mortalidade são a traqueia, brônquios e pulmões, cólon e recto e estômago, no conjunto dos dois sexos. No sexo masculino o cancro da próstata tem uma alta taxa, tal como acontece para o cancro da mama na mulher.
RX – Existe algum tipo de desvalorização de certos tipos de cancro por parte dos médicos?
VR – Não creio que haja qualquer desvalorização. Eventualmente a questão que coloca terá por base o facto de que há localizações tumorais muito mais difíceis de diagnosticar e/ou tratar.
RX – Estamos mais perto da descoberta da cura do cancro, ou pelo menos do tratamento mais eficaz?
VR – Todos os dias vamos progredindo na maior eficiência dos tratamentos, principalmente através do avanço no conhecimento das determinantes do aparecimento e da progressão do cancro. A precocidade do diagnóstico continua a ser um factor fundamental após o evento da transformação maligna das células acontecer.
RX – Qual é o próximo passo na luta contra o cancro?
VR – Serão vários passos. A intensificação da investigação científica focada em marcadores que permitam o diagnóstico atempado, em terapêuticas mais efetivas, dirigidas à doença e ao doente nas suas especificidades, a implementação total dos programas de rastreio de base populacional e o apoio ao doente oncológico, cada vez mais idoso e a necessitar uma verdadeira integração de cuidados de saúde.
RX – Portugal tem atuado bem nessa luta contra o cancro?
VR – Portugal tem realizado investigação científica de bom nível e vai também beneficiando daquela que é realizada pela comunidade científica internacional, permitindo a introdução de tratamentos mais eficientes, mais ou menos atempadamente. Falta-lhe sobretudo aumentar a cobertura geográfica e populacional dos rastreios populacionais, sobretudo o rastreio do cancro colo-rectal e os apoios efetivos ao doente oncológico e familiares. O reequipamento hospitalar deverá ser também uma prioridade.
RX – Qual tem sido o contributo da Liga para o combate do cancro em Portugal e para a sensibilização da população?
VR – A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) tem uma história de mais de 75 anos, sobretudo no apoio ao doente oncológico e sua família. A sua missão baseia-se neste apoio, e também na prevenção primária, na prevenção secundária e na formação e investigação em Oncologia, com uma base importante e relevante de voluntariado. É uma estrutura que depende da contribuição financeira da população, que transforma esta contribuição em atividades estruturadas e programas específicos na área oncológica, devolvendo-a de novo à sociedade.
RX – Vai presidir a LPCC nos próximos três anos. Que objetivos traçou e quais são as principais prioridades?
VR – A primeira prioridade será tentar melhorar aquilo que tem sido bem feito e inverter o rumo daquilo que não tem sido tão bem conseguido. Haverá também que melhorar a coordenação dos Núcleos Regionais, melhorar a comunicação, dando especial atenção à literacia em Saúde e manter a credibilidade percepcionada pela sociedade relativamente à instituição. A continuação do apoio ao doente oncológico e família será fundamental, nomeadamente identificando necessidades particulares, tentando sobretudo manter o doente no seu domicílio e no seu ambiente familiar e social.
RX – Que mensagem gostaria de deixar neste Dia Mundial do Cancro?
VR – De uma forma muito simples, que cada um de nós é responsável pelas nossas atitudes e pela nossa saúde, e que não é adequado “meter a cabeça na areia” – isto nada resolve…
Por Rita Rodrigues