Pessoas com diabetes não têm como descartar agulhas em segurança
“Milhões de lancetas, tiras reativas e agulhas, usadas para monitorizar e tratar a diabetes mellitus, acabam todos os dias no lixo doméstico porque não é feita uma recolha segura das mesmas. Trata-se de um problema de saúde pública sobre o qual os ministérios da Saúde e do Ambiente têm de atuar urgentemente”, alertam a Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD) e a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP).
Rui Duarte, presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), e José Manuel Boavida, presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), fazem um apelo aos ministérios da Saúde e do Ambiente para que se crie uma rede de recolha e gestão das agulhas e lancetas que são usadas diariamente pelas pessoas com diabetes mellitus, uma patologia que afeta 13,3% da população portuguesa, segundo dados de 2015.
A diabetes mellitus é uma patologia crónica que muito frequentemente exige procedimentos de monitorização e tratamento que envolvem o uso de dispositivos e respetivos consumíveis descartáveis – lancetas e tiras reativas ou sensores de glicose que permitem medir a glicemia. Uma fração muito significativa da população com diabetes tem ainda de recorrer diariamente às injeções insulina, o que resulta na produção de uma quantidade enorme de resíduos perigosos – agulhas, lancetas e tiras com material biológico.
César Esteves, endocrinologista e associado da SPD, destaca: “estima-se que em Portugal cerca de 40 a 45 mil pessoas sofram de diabetes tipo 1, uma doença que frequentemente lhes exige a utilização seis a oito agulhas por dia, que depois não têm como ou onde descartar em segurança, acabando no lixo doméstico e depois nos aterros, podendo colocar a saúde pública em risco. Um despacho de 1996 relativamente à incineração de resíduos hospitalares responsabiliza cada instituição pela destruição dos resíduos biológicos e perfurantes, bem como os custos a ela associados, mas existe um vazio legal relativamente ao processamento de resíduos perfurantes e com resíduos biológicos, produzidos em ambulatório”.
Segundo destaca o diretor clínico da APDP, João Raposo, “a APDP apoiou o desafio da Quercus para a criação de uma petição endereçada à ministra da Saúde, Marta Temido, para a recolha de agulhas em ambulatório, que se estima que rondem as cerca de 650 mil unidades por dia e que não têm destino correto para onde ser encaminhadas, pois não podem ser entregues nas farmácias, nem em Centros de Saúde ou Hospitais, acabando no lixo doméstico, onde põem em risco os profissionais que tratam o lixo, bem como a saúde pública”.
Os resíduos de medicamentos podem ser entregues nas farmácias, que depois são recolhidos por uma empresa contratada pelo Estado, que também recolhe as canetas de insulina, mas não está incluída a recolha das respetivas agulhas nem dos restantes materiais perigosos associados à monitorização e gestão da diabetes. Em 2015 foram disponibilizadas 1,4 milhões de embalagens de insulina e 2,8 milhões de embalagens de tiras.
Apesar de a concessão da gestão dos resíduos medicamentosos estar devidamente entregue (despacho nº 9592/2015), assim como definidos os procedimentos para gestão dos resíduos hospitalares (despacho nº 242/96), “não parece haver um plano estabelecido para a gestão de resíduos perfurantes ou contendo material biológico com origem em utilização domiciliária. Em consequência, toneladas de resíduos são indevidamente depositadas no lixo doméstico, destaca César Esteves. O profissional de saúde e associado da SPD revela ainda que algumas farmácias e instituições de saúde recolhem os resíduos, a título não oficial e assumindo encargos que não são devidamente reconhecidos pela tutela.
Os presidentes da SPD e APDP destacam: “Numa época em que urge melhorar os procedimentos de gestão de resíduos, a área da saúde não pode ficar de lado e devem ser criadas estratégias para otimizar a sua recolha e processamento em pleno respeito pela saúde pública e pelo ambiente”.