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“A Alergologia não é uma especialidade de órgão, mas sim de sistema”

“A Alergologia não é uma especialidade de órgão, mas sim de sistema”

Manuel Branco Ferreira faz um balanço positivo do último Congresso da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC), que preside atualmente, e sublinha a importância de estreitar relações com outras especialidades. Em entrevista ao Raio-X, o atual presidente da direção da SPAIC fala também sobre os desafios deste mandato e sobre a atratividade da especialidade para os mais jovens.

Raio-X (RX) – Que balanço faz da 40.ª Reunião Anual da SPAIC, que decorreu em Outubro passado?

Manuel Branco Ferreira (MBF) – Na minha perspetiva foram três dias fantásticos, pois contámos com 400 congressistas, 100 comunicações orais, dois cursos temáticos, vários workshops, simpósios da indústria… Em suma, tivemos um programa científico recheado e rico em termos de interesse e de participação, com cada vez mais não médicos, além dos sócios, numa perspetiva de futuro e de inclusão. Este congresso teve como mote “A alergia: uma patologia da família. Uma família de patologias” e, na realidade, o alergologista acompanha as várias gerações afetadas, pois como a Prof.ª Doutora Helen Brough frisou na sua apresentação, há um componente genético que é transmitido de geração em geração. Pode ter ou não expressão, mas realmente é importante diagnosticar e intervir precocemente, para tentarmos diminuir ao máximo os efeitos que a doença alérgica tem, principalmente na morbilidade e na qualidade de vida de que os doentes alérgicos, muitas vezes, padecem.

RX – Esta foi uma reunião aberta a outras especialidades e a outra sociedades científicas portuguesas e estrangeiras. Qual a importância destas ligações?

MBF – A Alergologia não é uma especialidade de órgão, mas sim de sistema. E como tal, esse sistema está envolvido em inúmeras especialidades. Podemos chamar-lhe especialidades-fronteira, e nesse contexto facilmente identificamos a Pneumologia, a Otorrinolaringologia, a Gastroenterologia ou a Dermatologia, entre outras. De frisar que na base dos doentes que chegam a nós tem de estar sempre, e em articulação com todas as outras especialidades, a Medicina Geral e Familiar (MGF).

 

Nesse aspeto, vamos continuar a apostar na articulação com outras especialidades, sempre com a esperança de que contribua não só para um enriquecimento científico, mas também para que possam nascer ideias de projetos de trabalho multidisciplinares. Portanto, prosseguimos com o espírito de parcerias francas, abertas e disponíveis, como sempre. No que respeita especificamente à Associação Brasileira de Alergia e Imunologia e à Sociedad Española de Inmunología Clínica, Alergología y Asma, presentes nesta 40.ª Reunião da SPAIC, há o histórico de uma grande relação, sendo frequente irmos a Espanha e ao Brasil a convite das respetivas sociedades e fazemos sempre questão que também participem nos nossos encontros científicos, esperando que inclusivamente também se possa traduzir em projetos multinacionais.

RX – Bárbara Silva, da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, referiu que nunca falta a este Congresso porque os portugueses fazem ciência muito boa. Concorda com esta afirmação?

MBF – Concordo em absoluto. Por vezes, precisamos de um pouco mais de organização e de colaborarmos mais entre equipas, mas, no geral, fazemos ciência fantástica.

RX – Quais os desafios deste mandato (triénio 2020-2023), tanto para a SPAIC como para a especialidade?

MBF – Em primeiro lugar, considero que a SPAIC tem de saber renovar-se e afirmar-se, inclusivamente no que se refere à sua capacidade de influenciar decisores a favor dos doentes alérgicos, que representam 25 a 30% da população. Portanto, a SPAIC quase que poderia assumir-se como “advogado” desses doentes, mas para tal precisa de ter voz, de “palco” para conseguir defendê-los. É um capítulo em que temos bastante caminho para percorrer.

Outro desafio é a afirmação da capacidade de trabalho dos nossos jovens, no sentido de irem mais ao estrangeiro e voltarem com novos projetos de parcerias. É algo que já acontece, mas deve ser fomentado, ou seja, pôr Portugal mais dentro de redes de colaboração multinacionais. O reforço destas parcerias é também uma forma de podermos publicar mais em revistas de grande plano, e incrementar também a visibilidade das publicações da SPAIC, nomeadamente a Revista Portuguesa de Imunoalergologia e os European Annals of Allergy and Clinical Immunology.

Além disso, temos as reuniões científicas para organizar no âmbito deste espírito de abertura, mas a SPAIC tem de ser mais do que estes encontros.  Por isso, vamos esforçarmo-nos para, por exemplo, dinamizar os registos, pois são uma ferramenta essencial e extraordinária para retratarmos a realidade. Contudo, em Portugal, temos ainda pouco o hábito de registar e tentaremos fazer o possível para que o cenário se altere.

Continuar a apostar na formação online é outra das nossas ambições, incluindo eventualmente transmitir alguns excertos dos congressos para que pessoas que não puderam estar presentes possam também beneficiar dessa ciência que aqui foi feita. Queremos organizar mais cursos dirigidos especificamente a à MGF e a outras especialidades e, obviamente, a internos e especialistas em Imunoalergologia que se queiram atualizar sobre certos temas.

RX – Na sua opinião, a Alergologia é hoje uma especialidade mais afirmada, comparativamente, por exemplo, à época em que começou a exercer?

MBF – Comparando com o panorama em 1993, seguramente que sim. E isso deve-se muito ao trabalho das direções anteriores. Atualmente, o grande problema é que qualquer patologia é logo entendida pelo público em geral como uma alergia, o que leva a um sobrediagnóstico. Mas a alergia está, de facto, na ordem do dia e a verdade é que um em cada três indivíduos sofre de alergia. A afirmação da SPAIC tem vindo a aumentar, principalmente desde 2000, ano em que a European Academy of Allergy and Clinical Immunology decorreu em Lisboa. Isto advém do trabalho das sucessivas direções, sendo que cada uma aporta sempre mais um pouco e iremos conseguir chegar ao ponto em que quando alguém pensar em alergia, asma ou dermatite atópica a primeira palavra que lhe surgirá na mente será SPAIC.

RX – Considera que a Alergologia é atrativa para os jovens que estão no momento de escolher a especialidade que irão seguir no futuro?

MBF – Creio que sim. As vagas têm sido todas preenchidas, ano após ano, e há boas saídas profissionais, quer no serviço público, quer no privado. Temos visto vários dos nossos jovens a construírem carreira de sucesso, tanto em Portugal como no estrangeiro. Os dados mostram que a Alergologia continua a ser interessante e intelectualmente estimulante, havendo muitas hipóteses de os melhores poderem seguir esta especialidade, e onde, cada vez mais, com o aparecimento de novas terapêuticas, podemos fazer a grande, senão a total diferença nos nossos doentes.

Por Cátia Jorge