COVID-19 e as doenças reumáticas na infância em debate
Para desmistificar o facto de as doenças reumáticas ocorrerem somente na população mais envelhecida e, por outro lado, debater estas patologias na infância, inclusive no contexto de pandemia que atualmente vivemos, a Associação Nacional de Doentes com Artrites e Reumatismos da Infância (ANDAI) vai promover um webinar na sua página de Facebook, no dia 29 de maio, pelas 21h00, em parceria com o Raio-X e com o apoio da Novartis.
A moderação deste webinar ficará a cargo de José Melo Gomes, reumatologista pediátrico no Instituto Português de Reumatologia e fundador da ANDAI. “A doença reumática na infância mais prevalente é a artrite idiopática juvenil, ou melhor, artrites idiopáticas juvenis, pois trata-se de um conjunto de doenças distintas com a característica comum de causar inflamação articular num grupo etário precoce, antes dos 16 anos, atingindo uma em cada 1000 crianças.” De acordo com este especialista, o sintoma mais frequente é a dor ou a claudicação articular, contudo, a queixa de dor até aos 5-6 anos pode existir ou não. “Às vezes, a criança sente, bloqueia a articulação, mas continua a brincar e não tem uma queixa muito objetiva de dor, porque a dor nesta idade tem uma dimensão psicológica diferente do que numa criança mais velha ou num adulto”, explica o reumatologista pediátrico, acrescentando que “o diagnóstico é, por vezes, complicado”.
No que respeita ao tratamento, Melo Gomes comenta que “tem evoluído muito”. “Até há 20 anos tínhamos anti-inflamatórios corticoides, particularmente danosos na infância, pois afeta o crescimento. Entretanto, surgiu o metotrexato, uma terapêutica anti-inflamatória utilizada nos casos que não cedem ao tratamento local e eficaz até 70% dos casos. O que significa que ainda fica pelo menos um terço dos doentes de fora, mas, felizmente, existem agora os agentes biológicos, que nos casos resistentes a outros tratamentos podem ser a única solução.”
Adaptação a uma nova normalidade
Filipa Oliveira Ramos, coordenadora da Unidade de Reumatologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria, será uma das intervenientes neste webinar, e irá comentar as eventuais implicações de uma infeção por COVID-19 nestes doentes, que muitas vezes são tratados com medicamentos imunomoduladores, que têm uma ação sobre o sistema imunitário. “Existem alguns dados de doentes transplantados, que também fazem terapêuticas imunossupressoras, e até à data não parece haver um risco maior no desenvolvimento de doença mais grave no âmbito da COVID-19. Ainda não são dados na população que gostaríamos de ter, mas seguramente teremos resultados em breve, pois estão a ser elaborados registos europeus de doentes reumáticos infetados com COVID-19.” Segundo esta reumatologista pediátrica, “o mais importante é manter a doença controlada, com o tratamento habitual, e em caso de dúvida falar com o médico assistente”. Com o regresso à escola, Filipa Oliveira Ramos alerta para a necessidade de “avaliar caso a caso, tendo em conta vários fatores, como a gravidade da patologia, a medicação e o controlo atual da atividade da doença, para aferir o risco não só de voltar às aulas presenciais como de iniciar outras atividades”.
Neste sentido, Pedro Dias-Ferreira, psicólogo pediátrico no Hospital de Santa Maria e Cuf Infante Santo, realça a importância de “um desconfinamento gradual”. “Se, por um lado, estes miúdos continuam a ter uma doença crónica, por outro, esta questão do confinamento obrigam-nos a estarem mais fechados e isolados, mas também mais protegidos. Portanto, de alguma maneira, o sentimento de segurança aumenta”. O especialista, que também vai participar no webinar, chama a atenção para muitas famílias, fruto desta problemática, tenderem, tal como em outras patologias crónicas com alguma gravidade – a superproteger os mais novos e a dar-lhes menos capacidade de experimentarem porque se podem magoar, “e nesta altura, como estão confinados, está tudo muito mais seguro e os pais ficam mais tranquilos, existindo uma certa resistência em voltar a alguma normalidade”. Assim, Pedro Dias-Ferreira aconselha os pais a darem esse “salto de confiança”. “É seguro voltar à normalidade das nossas vidas, com alguns riscos, mas a segurança pode ser traduzida no seguimento das recomendações da DGS e, felizmente, temos no país vários espaços ao ar livre que podem ser desfrutados”.
[ads_color_box color_background=”#eee” color_text=”#444″] Visão de Mãe
Ana Pais, presidente da ANDAI, partilhou com o RAIO-X a sua experiência enquanto mãe de uma criança com doença reumática:
“A minha filha tem desde os 14 meses de idade o diagnóstico de artrite idiopática juvenil. A experiência é avassaladora. Primeiro, não estamos à espera do diagnóstico de uma doença reumática numa criança. Estamos muito habituados ao estigma de que só os mais velhos é que têm estas patologias. O impacto é grande, receber a notícia, habituarmo-nos à ideia, lidar no dia a dia, porque até acertar com a medicação as crises são muitas… e depois é ver uma criança em fase de crescimento a aprender novas coisas. Ainda por cima, como tenho gémeas há um termo comparativo. Foi difícil controlar a doença no caso dela e verificou-se uma diferença no crescimento físico entre as duas, durante muito tempo. Neste momento, a Diana já está a conseguir voltar a crescer a um ritmo mais compatível com a idade dela, tem atualmente 9 anos. Por outro lado, tudo isto afeta a família em termos psicológicos, pois há sempre o dilema de como será o futuro. Tentamos focar-nos no presente e garantir que tem todas as condições para uma vivência feliz, mas é inevitável pensar-se no que vem a seguir. A partir do momento em que a doença fica controlada há, por um lado, um alívio, mas também o receio sempre presente de uma nova crise. Sensibilizar a população em geral e os profissionais de saúde para estas doenças é fundamental. Muitas vezes, as nossas crianças são encaminhadas para Ortopedia e não para Reumatologia. A sensibilização é muito importante porque um diagnóstico precoce é decisivo na condução da doença. Além disso, é também muito importante apoiar os pais e ensiná-los a viver com estas situações, para que possam inclusive transmitir confiança à criança.”[/ads_color_box]
Por Marisa Teixeira