Síndrome de Sjögren: “Não existe uma prevenção eficaz, o diagnóstico precoce tem um claro impacto no prognóstico”
Hoje assinala-se o Dia Mundial da síndrome de Sjögren, uma patologia ainda desconhecida por grande parte da população. Luís Cunha Miranda, presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), em entrevista ao Raio-X, fala-nos acerca desta doença imunomediada crónica, inclusive sobre a sua prevalência, sintomas, impacto, diagnóstico e tratamento.
Raio-X (RX) – O que é a síndrome de Sjögren?
Luís Cunha Miranda (LCM) – A síndrome de Sjögren é uma doença reumática inflamatória crónica, imunomediada que afeta para além das articulações as glândulas, nomeadamente as salivares e lacrimais.
RX – Qual a sua prevalência em Portugal e no mundo?
LCM – Sabemos que a sua prevalência podendo estar subestimada pode rondar os 0,4% da população com um predomínio no sexo feminino (superior a 9 mulheres: 1 homem) e com uma idade de maior prevalência por volta dos 55 anos embora haja igualmente um pico menor de prevalência entre os 20 e 40 anos.
RX – A que sintomas devemos estar alerta?
LCM – Uma das principais características da doença é a presença de xeroftalmia e xerostomia com sensação de areia nos olhos e boca seca a que se pode associar uma maior propensão para cáries dentárias. A presença de artralgias ou de artrite bem como outras queixas cutâneas podem ser importante de referir.
RX – E qual o impacto e consequências desta patologia?
LCM – Temos de considerar que esta patologia se pode dividir em primário e em secundário. A síndrome de Sjogren secundária associa-se a outros diagnósticos reumatológicos e pode estar presente em 15-36% dos doentes com lúpus eritematoso sistémico (LES), 20 a 30% dos doentes com artrite reumatoide e em 11 a 24% dos doentes com esclerose sistémica.
Se adicionarmos as artralgias a formas mais ou menos graves de secura oral e ocular poderemos compreender o impacto muito significativo desta doença.
RX – Como se realiza o diagnóstico?
LCM – O diagnóstico da síndrome de Sjögren depende da conjugação de dados clínicos com exames laboratoriais, imagiológicos e histológicos. Sintomas como xerostomia e xeroftalmia podem ser causados por várias doenças e medicações pelo que existem alguns testes especiais que ajudam a avaliar a produção de saliva (sialometria, cintigrafia de glândulas salivares) e lágrimas (teste de schirmer, verde de lissamina). A biopsia das glândulas salivares também assume um papel importante no diagnóstico. Análises sanguíneas podem ser úteis para identificar alguns anticorpos como os anticorpos antinucleares, anti SSA ou SSB ou Fator reumatoide, mas que nem sempre estão presentes.
RX – Quais os tratamentos disponíveis atualmente?
LCM – Existe um conjunto de tratamentos focados nas queixas secas, quer com medicação quer com procedimentos locais como gotas e lubrificantes oculares e orais, que poderão melhorar a limitação causada pela secura das mucosas. Depois temos terapêuticas imunossupressoras e outras (AINE, corticosteroides etc) que são utilizados na estabilização e tratamento do componente inflamatório e imunomediado da doença. É necessária uma estratégia individualizada centrada no doente e coordenada pelo reumatologista. Outras especialidades como a oftalmologia, a ORL, entre outras, poderão dar o seu contributo nas diversas fases da doença.
RX – De que forma pode ser prevenida?
LCM – Não existe uma prevenção eficaz, sendo que o diagnóstico precoce e o envio rápido a uma consulta de Reumatologia tem um claro impacto no prognóstico da doença a longo prazo.
RX – Considera que a população em geral e os profissionais de saúde estão devidamente informados acerca desta síndrome?
LCM – Não acho que haja uma clara perceção da doença por parte da população, para além disso existem múltiplas causas de secura oral e ocular, 5 a 35% da população sofre de olho seco e cerca de 20% de boca seca, o que dificulta a noção da doença e das suas particularidades. Muitas das vezes é a presença de artrite e de dor que leva o doente a procurar ajuda, sendo que os sintomas secos podem estar presentes vários meses a anos antes.
Uma boa articulação entre a Medicina Geral e Familiar e a Reumatologia tem sido essencial, e terá ainda de ser cada vez mais, para que estes doentes possam ser rapidamente referenciados.
RX – No âmbito do Dia Mundial da síndrome de Sjögren, que mensagem gostaria de destacar?
LCM – As doenças reumáticas sistémicas são patologias potencialmente graves e incapacitantes se não diagnosticadas e tratadas atempadamente. Por isso, a SPR tem lutado nos últimos anos contra este escândalo que é não existirem reumatologistas em cerca de 50% dos hospitais, no SNS, apesar de existirem especialistas dispostos a ocuparem essas vagas. E é com esse trabalho que poderemos ter uma referenciação precoce e um diagnóstico atempado que permitirá a que muitos destes doentes possam vir a ter uma vida mais plena e próxima do normal possível. Numa nota positiva, a investigação científica recente de novos fármacos e a utilização de fármacos que usamos em outras patologias deixam-nos a esperança de ter, a um curto período de tempo, novas terapêuticas inovadoras que possam melhorar ainda mais a vida dos doentes com síndrome de Sjögren.
Por Marisa Teixeira