Doença invasiva meningocócica em adolescentes na era COVID
Filipa Inês Cunha, pediatra no Hospital Distrital da Figueira Da Foz, partilhou com o Raio-X um artigo sobre a doença invasiva meningocócica em adolescentes nesta época de pandemia.
A doença invasiva meningocócica (DIM) é uma infeção causada pela bactéria Neisseria meningitidis, cuja apresentação pode ir desde uma simples infeção respiratória alta até uma meningite com sépsis, potencialmente fatal.
A transmissão faz-se pessoa a pessoa, pelas secreções respiratórias de um portador saudável ou indivíduo doente e o período de incubação é habitualmente 4 dias.
Existem muitas estirpes, mas as mais patogénicas pertencem aos serogrupos A, C, B, W e Y. Em Portugal o serogrupo mais frequente é o B.
A DIM é mais frequente nas crianças mais pequenas, mas existe um pico na adolescência que tem sido alvo de pouca atenção entre os profissionais de saúde e os pais, o que poderá ter consequências graves, como já observado em outros países.
Sendo a transmissão exclusivamente entre humanos, o facto de os adolescentes apresentarem um comportamento social mais desinibido, com festas, partilhas de objetos, viagens de grupo, torna este grupo um alvo vulnerável para esta doença. Estima-se que 1 em cada 4 adolescentes seja portador assintomático da Neisseria meningitidis.
O diagnóstico da DIM é difícil numa fase inicial pois os sinais e sintomas são inespecíficos, semelhantes aos de infeções virais comuns. Neste grupo em particular torna-se ainda mais difícil porque habitualmente a febre e a erupção cutânea surgem mais tardiamente e os sintomas também tendem a ser desvalorizados, sendo a procura médica habitualmente mais tardia.
Esta altura de pandemia COVID-19 é particularmente mais preocupante, porque os sintomas iniciais inespecíficos podem facilmente ser confundidos com a infeção por SARS-CoV-2, o que associado ao receio de recurso ao serviços de saúde, pode levar a um diagnóstico tardio, com consequente aumento da mortalidade e das sequelas.
A taxa de mortalidade situa-se entre os 8-15%, sendo que 10-20% sobrevivem com sequelas a longo prazo, nomeadamente neurológicas e amputações. A forma mais eficaz de controlo da infeção meningocócica é a prevenção.
Existem vacinas para DIM por menB, disponíveis no mercado privado desde 2014, mas o Programa Nacional de Vacinação só iniciou a vacinação em outubro de 2020 e só contempla a vacinação gratuita aos 2, 4 e 12 meses de crianças nascidas a partir de dia 1 de Janeiro de 2019.
Estratégias de vacinação de outros países já incluem a vacinação universal dos adolescentes, com evidências de eficácia e redução do impacto da DIM.
Em Portugal as crianças mais velhas e adolescentes, embora tenham a recomendação de vacinação pela Sociedade Portuguesa de Pediatria e da Comissão de Vacinas da Sociedade de Infeciologia Pediátrica, só terão acesso à vacina a título individual, após prescrição médica.
Atualmente, as taxas de vacinação neste grupo são subótimas, pelo que os pais devem ser informados sobre a gravidade clínica, os fatores facilitadores da adolescência e a importância da prevenção.
A DIM é uma doença com elevada morbimortalidade, mas pode ser prevenível, pelo que a recomendação do médico é essencial uma vez que uma “decisão clínica individual” consciente.