“As varizes podem comprometer significativamente a qualidade de vida dos doentes”
Cerca de 2 milhões de portugueses sofrem de doença venosa crónica, sendo as varizes a forma mais comum da doença, associadas a queixas de edema, peso, cansaço e dor nos membros inferiores. Em entrevista ao Raio-X, Gonçalo Cabral, presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia Cardíaca Torácica e Vascular, explica o que é esta patologia, comentando as causas, sintomas e diagnóstico, bem como os tratamentos disponíveis e medidas de prevenção.
O que é a doença venosa crónica?
Trata-se de uma anomalia do funcionamento do sistema venoso provocada por incompetência valvular ou obstrução ao fluxo venoso. Esta doença pode afetar o sistema venoso superficial ou profundo, mas, em última análise, culmina numa hipertensão venosa responsável pelos sintomas e sinais da doença venosa crónica. A forma mais comum da doença são a varizes, que correspondem a veias dilatadas e tortuosas, por definição com mais de 3 mm de diâmetro. Estas surgem quando as válvulas que existem no interior das veias deixam de funcionar corretamente, permitindo que o sangue circule em dois sentidos, isto é, passe a haver refluxo. A veia que está na origem do aparecimento das varizes pode variar, sendo as mais frequentemente envolvidas a veia safena grande e/ou a veia safena pequena. Em alguns casos estas duas funcionam corretamente e o aparecimento das varizes relaciona-se apenas com o refluxo das veias perfurantes.
Qual a sua prevalência desta patologia em Portugal e no mundo?
Cerca de 2 milhões de portugueses sofrem de doença venosa crónica, a qual está na base do aparecimento das varizes propriamente ditas. É importante ressalvar que as queixas que comprometem a qualidade de vida dos doentes e as complicações associadas a esta doença podem surgir mesmo na ausência de varizes visíveis. A nível mundial, estima-se que esta doença afete cerca de 30% da população, sobretudo nas faixas etárias acima dos 50 anos. Existe, no entanto, uma grande variabilidade da prevalência entre os países, que poderá estar relacionado com a predisposição genética e fatores ambientais.
Quais as principais causas?
As varizes são consideradas uma doença de incidência familiar, ou seja, se houver algum familiar próximo com varizes, a probabilidade de uma pessoa vir a desenvolver varizes aumenta significativamente. Existem, no entanto, fatores individuais que concorrem de forma independente para o seu aparecimento nomeadamente a obesidade, o uso de contraceção hormonal e o ortostatismo prolongado. A adoção de estilos de vida saudáveis, a prática de exercício físico regular, o controlo do peso, assim como o uso de meias de contenção elástica, podem ajudar a retardar o aparecimento da doença e atrasar a sua evolução.
Quais os sintomas mais frequentes e em que idade é mais prevalente?
As varizes estão associadas a queixas de edema, peso, cansaço e dor nos membros inferiores, que podem comprometer significativamente a qualidade de vida dos doentes. Alguns doentes referem também queixas de prurido. Estas queixas são mais evidentes ao final do dia e quando o tempo está mais quente. Com o passar do tempo a própria pele pode também sofrer alterações, nomeadamente da sua pigmentação e textura, tornando-se mais espessa, descamativa e escura. A sua história natural é caracterizada por um aumento da quantidade e calibre das varizes, podendo então estar associadas a complicações, algumas delas graves, como as tromboflebites, ou seja, o aparecimento de coágulos nas veias superficiais dos membros inferiores. Embora mais raramente, podem também ocorrer roturas de varizes, com hemorragia e, por último, as úlceras varicosas.
Embora as varizes possam afetar doentes de todas as idades, aumentam progressivamente com a idade, sendo mais prevalentes em doentes acima dos 50 anos.
De que forma se realiza o diagnóstico e qual a importância de o fazer atempadamente?
O diagnóstico da doença venosa crónica dos membros inferiores é feito através da história clínica, do exame físico e da realização do ecodoppler venoso dos membros inferiores.
Para o diagnóstico de varizes dos membros inferiores, este exame é, atualmente, o gold standard, dado o seu caráter não invasivo e à qualidade da informação morfológica e hemodinâmica que nos proporciona.
Quando se suspeita de doença venosa mais proximal, nomeadamente de oclusão crónica do setor ilio-cava ou de insuficiência venosa pélvica, é fundamental a realização de Veno TC para clarificar o diagnóstico.
Quanto mais precocemente for feito o diagnóstico, mais cedo podemos intervir e evitar as, já descritas, complicações da doença venosa crónica.
Atualmente, quais os tratamentos disponíveis?
A base do tratamento da doença venosa crónica é a terapia compressiva, que passa pela utilização de meias elásticas. Uma vez que a fisiopatologia da doença venosa crónica tem por base a hipertensão venosa, a compressão extrínseca do sistema venosa superficial pela meia elástica vai reduzir a estase venosa, reduzir os sintomas, abrandar a dilatação progressiva das veias e o aparecimento de novas veias varicosas, bem como minimizar as complicações.
No entanto, apenas a cirurgia pode eliminar as veias varicosas. Nos casos em que as varizes se relacionam com a existência de refluxo nas veias safenas, mais de 90% podem ser tratados por técnicas minimamente invasivas, mais frequentemente, por ablação térmica (laser endovenoso ou radiofrequência). Quando, por questões anatómicas, complicações trombóticas prévias ou recidiva de varizes, tal não é possível, pode ser utilizada a cirurgia convencional, que consiste na remoção das veias afetadas através de incisões.
Ao contrário da cirurgia convencional, que implica uma incisão na zona da virilha, ou atrás do joelho, e a excisão da veia, as técnicas de ablação térmica são realizadas através da punção da veia por controlo ecográfico. É introduzida uma fibra de radiofrequência ou laser no interior da veia e a extremidade distal dessa fibra é posicionada no segmento proximal da veia que se pretende tratar. De seguida, e mais uma vez com a ajuda do ecógrafo, é efetuada uma anestesia de tumescência. Ou seja, é injetado soro arrefecido com fármacos anestésicos ao longo de todo o comprimento da veia. Este procedimento permite um maior conforto analgésico do doente no pós-operatório e impede que o calor que irá destruir a veia se transmita aos tecidos adjacentes.
Uma vez completada esta fase e aplicando uma compressão externa sobre a veia, a extremidade da fibra de radiofrequência é aquecida destruindo o endotélio, ou seja, a parede interna da veia, o que levará à sua fibrose.
Após a ablação térmica da veia que se pretende tratar, resta proceder à remoção dos colaterais varicosos com pequenas punções (flebectomias).
Todo este procedimento pode ser feito apenas com a anestesia de tumescência anteriormente referida, embora habitualmente, e para maior conforto e comodidade do doente, seja efetuado sob uma anestesia geral.
Quer do ponto de vista cirúrgico, quer do ponto de vista anestésico, e graças à baixa invasividade de ambos, o doente pode ter alta no próprio dia da cirurgia.
Por último, existem fármacos venoativos, que, atuando no endotélio das veias e na sua parede, podem levar à melhoria dos sintomas de doença venosa crónica e reduzir a progressão da doença.
Em termos de prevenção o que pode ser feito?
O controlo do peso, a prática de exercício físico regular, como por exemplo a caminhada, e a utilização de meias elásticas adequadas à situação clínica são a chave para a prevenção.
De que forma se pode melhorar a qualidade de vida destes doentes?
A cirurgia de varizes e a utilização de terapia compressiva reduzem significativamente os sintomas de doença venosa crónica, nomeadamente a dor, cansaço, peso e edema dos membros inferiores, com resultados mensuráveis em vários questionários de qualidade de vida.
A própria prevenção das complicações tardias como úlceras varicosas e tromboflebites contribui para esta melhoria da qualidade de vida.
Também o benefício estético da cirurgia de varizes leva a uma melhoria da autoestima e perceção geral de saúde e bem-estar.
Quais os desafios no âmbito da doença venosa crónica?
Creio que os principais desafios nesta área passaram por desenvolver tratamentos ainda menos invasivos e pela investigação dos mecanismos que levam ao desenvolvimento da doença.
Só desta forma podemos, no futuro, desenvolver tratamentos que impeçam que a doença se desenvolva nas suas fases iniciais.
Por Marisa Teixeira