Inovação na terapêutica da enxaqueca
Estima-se que cerca de 1 milhão e 500 mil doentes sofrem de enxaqueca em Portugal e as cefaleias estão entre as doenças do sistema nervoso mais comuns, e são frequentemente desvalorizadas, subtratadas e subdiagnosticadas. Neste sentido, Sara Varanda e Sofia Lopes, neurologista e interna de Neurologia, respetivamente, do Hospital de Braga, partilham um artigo com o Raio-X sobre o tema.
A enxaqueca é uma doença com origem no cérebro, cujo principal sintoma é a dor de cabeça, ou cefaleia, recorrente. Afeta cerca de 10% da população, sendo mais comum nas mulheres, dos 20 aos 40 anos, mas podendo ocorrer também em homens e em qualquer faixa etária, incluindo crianças. Na maioria dos doentes, a dor é mais localizada a um lado da cabeça, latejante, intensa e incapacitante, podendo associar-se a outros sintomas, nomeadamente enjoos, vómitos e intolerância a vários estímulos ambientais, como a luz.
Geralmente, a crise de enxaqueca começa com sintomas inespecíficos como dificuldade de concentração, sonolência ou aumento do apetite, podendo, num menor número de doentes, seguir-se de formigueiros ou alterações da visão que duram menos de uma hora habitualmente. Em seguida, surge a dor de cabeça que pode persistir durante quatro horas a vários dias. Frequentemente, as crises de enxaqueca (o conjunto dos sintomas atrás descritos) são ocasionais e o doente pode ser tratado apenas com descanso e, eventualmente, medicação analgésica (medicamentos para diminuir a dor) e antieméticos (para controlar os enjoos).
Contudo, em quase metade das pessoas que sofrem de enxaqueca, as crises são frequentes ou tão debilitantes que o doente deve fazer tratamento preventivo, ou seja, ser medicado regularmente, de forma a diminuir o número e a intensidade das crises, permitindo assim melhorar a sua qualidade de vida. Até recentemente, este tratamento preventivo era realizado apenas com comprimidos pertencentes a classes desenvolvidas para o tratamento de outras doenças, como a epilepsia ou a hipertensão arterial. Nos doentes medicados, verificou-se que, além de ficarem com essas doenças mais controladas, pareciam melhorar também da enxaqueca. Como é previsível, o facto de esses medicamentos terem sido desenvolvidos primariamente para outras doenças que não a enxaqueca, leva a que os efeitos secundários limitem a sua utilização em pessoas que sofrem apenas de enxaqueca (e não de epilepsia ou de hipertensão). Desta forma, e atendendo à crescente visibilidade que esta doença crónica e debilitante tem adquirido, foram estudados tratamentos alternativos e especificamente desenhados para a doença. Surgiu primeiro a aplicação de toxina botulínica, utilizada até então sobretudo com fins estéticos e aprovada no nosso país apenas para o tratamento da enxaqueca crónica (mais de quinze dias por mês de dor de cabeça há mais de três meses) e quando demonstrada falência de dois tratamentos orais previamente.
Em 2021, foi aprovada a comparticipação pelo Infarmed de tratamentos subcutâneos especificamente desenvolvidos para a prevenção da enxaqueca, chamados anticorpos monoclonais, que podem ser administrados de uma vez por mês a uma vez a cada três meses, de forma a reduzir o impacto da doença na qualidade de vida. Tendo ao nosso dispor todas estas possibilidades de tratamento, torna-se então relevante que o doente dê o primeiro passo, reconhecendo que não é normal ter dores de cabeça ou que as dores de cabeça de que sofre não são normais e procure ajuda médica para que possa ser orientado pelo médico de família ou, em casos específicos, pelo neurologista na busca de uma boa qualidade de vida apesar da enxaqueca.