Área Reservada

Serviço de Reumatologia da ULS São José: “em termos de condições para trabalhar, de colaboração e cooperação, o Serviço está integrado numa ULS excelente e a experiência tem sido ótima”, Helena Canhão

Serviço de Reumatologia da ULS São José: “em termos de condições para trabalhar, de colaboração e cooperação, o Serviço está integrado numa ULS excelente e a experiência tem sido ótima”, Helena Canhão

O Raio-X foi visitar o Serviço de Reumatologia do Hospital de Santo António dos Capuchos, parte da Unidade Local de Saúde de São José (ULS São José), que é um dos mais recentes e promissores serviços de Reumatologia da capital. Este serviço, liderado por Helena Canhão, surgiu, em 2018, em resposta à inexistência da especialidade nos Hospitais Civis de Lisboa.

“A Reumatologia hospitalar, em Lisboa, começa no Hospital de Santa Maria (HSM) – com Viana de Queiroz, o mestre de todos nós – e a ambulatória no Instituto Português de Reumatologia (IPR). Eram os dois grandes centros onde existia Reumatologia em Lisboa (no Porto, Lopes Vaz inaugurou a especialidade no Hospital de São João). E, a partir do HSM, começaram a formar-se outros serviços, nomeadamente no Hospital Garcia de Orta, pela mão de Canas da Silva, e no Hospital Egas Moniz, sob o comando de Jaime Branco”, explica a especialista. 

Helena Canhão, que completou toda a sua formação clínica e académica, desde o internato ao doutoramento, no HSM e FMUL, foi desafiada, em 2018, para se juntar à NOVA Medical School (NMS) – Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Nova de Lisboa (UNL). “Eu já era professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) e fizeram-me o convite para vir dar aulas também para a NMS. Aceitei prontamente”. Posteriormente, e dada esta sua inserção no anteriormente designado Centro Universitário de Lisboa Central (CHULC), surge a oportunidade de criar um Serviço de Reumatologia que agora se insere na atual ULS São José. “Esta ULS é composta, por transição do CHULC, pelo Hospital de São José (HSJ), a Maternidade Alfredo da Costa (MAC), o Hospital Dona Estefânia (HDE), o Hospital Santo António dos Capuchos (HSAC), o Hospital Curry Cabral (HCC), o Hospital de Santa Marta (HSM) e aos quais se juntaram mais recentemente: o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto (IOGP), o Centro Psiquiátrico de Lisboa (CPL), o Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Central (CSLC) e do Centro de Saúde de Sacavém (CSS). É uma ULS enorme, a par da ULS Coimbra são as duas maiores ULS’s do país, e não tinha a especialidade de Reumatologia – o que é impressionante” relata.

A criação do Serviço de Reumatologia começou em 2019. “Abracei este desafio sozinha no HCC. No entanto, a pandemia de COVID-19 transformou o HCC num hospital COVID, o que limitou a atividade reumatológica. E, em 2021, o serviço foi transferido para o HSAC. Inicialmente vim sozinha, mas logo depois chegou a Joana Dinis, que terminou a especialidade no HSM e foi colocada aqui e, juntas, seguimos o caminho de evolução deste serviço”, recorda. Recentemente, a equipa foi reforçada com a chegada da Ana Teresa Melo, também formada no HSM. “Atualmente, nós somos três reumatologistas num serviço muito recente num centro hospitalar, agora ULS, muito antigo” elucida Helena Canhão.

Desafios enfrentados

“Claro que isto tem diversos desafios porque a ULS tem muitos doentes, são muitos médicos, muitos profissionais de saúde, na Reumatologia nós só somos três, recebemos referenciação de todas as especialidades – nomeadamente Ortopedia, Neurologia, Neurocirurgia, Dermatologia, Oncologia e Oftalmologia – de todos os hospitais da ULS e, portanto, o volume é enorme”, destaca Helena Canhão. A par desta referenciação de outras especialidades surge também a referenciação “por parte dos Cuidados de Saúde Primários (CSP)”, remata.

Uma das particularidades desta ULS, com a ausência inicial de Reumatologia, foi o desenvolvimento da valência de Reumatologia Pediátrica, a cargo de um grupo de pediatras do HDE. “Ao contrário do HSM, a Reumatologia Pediátrica aqui nesta ULS não estava na Reumatologia, uma vez que esta não existia. Com a chegada da Joana Dinis, e sendo que ambas temos especialização em Reumatologia Pediátrica, começámos a realizar consultas no HDE para apoiar a transição dos adolescentes para o atendimento reumatológico adulto”, detalha. Helena Canhão reconhece que “esta transição apresenta desafios emocionais e logísticos, pois envolve doentes que muitas vezes são acompanhados desde muito jovens por pediatras específicos e fazer a passagem de uma doença crónica para outro médico nem sempre é fácil”.

A estrutura fragmentada da ULS São José, composta por diversos hospitais com especialidades distribuídas, também impõe dificuldades operacionais. “São desafios completamente diferentes dos que tínhamos no HSM, onde existia um hospital único, com a especialidade, com a Faculdade, tudo no mesmo local. Nós temos um hospital que é um dos seis, agora oito, da mesma ULS, com a mesma administração, com as especialidades repartidas pelos diferentes hospitais. Muitas vezes somos chamadas para apoiar nos diferentes hospitais da ULS ou atender doentes que se deslocam até cá para serem vistos. Além disso, a falta de subespecializações limita as opções de atendimento especializado”, completa.

Patologias mais frequentes

No HSAC, as patologias referenciadas mais prevalentes são, como habitualmente, a osteoartrose e a osteoporose. “Obviamente que a osteoartrose domina em todos os locais, claro que são referenciados e quando já estão orientados damos alta. O mesmo acontece com a osteoporose que é outra patologia prevalente,” afirma a reumatologista. Contudo, “temos muitos casos de artrites psoriáticas que vêm referenciados da Consulta de Dermatologia que é uma das especialidades muito fortes desta ULS. A par desta especialidade, também a Neurocirurgia e a Neuroradiologia de intervenção desenvolvem técnicas avançadas, o que leva a uma alta incidência de patologias da coluna referenciadas ao Serviço de Reumatologia”.

Outras especialidades, como a Nefrologia, a Oncologia e a Neurologia, também contribuem para o aumento da referenciação para este Serviço. “Temos doentes que vêm da Nefrologia – o transplante é outra área com grande desenvolvimento na ULS São José – doentes com manifestações autoimunes relacionadas com transplantes, lupus e efeitos secundários dos fármacos. A Oncologia também é muito forte. A Neurologia tem muita patologia como esclerose múltipla (EM) e com muita referenciação. E, claro, a Ortopedia que é sempre uma referência e a Medicina Física e Reabilitação”, salienta Helena Canhão.

População servida pelo hospital

O Hospital dos Capuchos serve cerca de “400 mil pessoas, abrangendo uma área extensa que inclui concelhos de Lisboa e Loures e com referenciação secundária e terciária, também do Alentejo, Algarve e região centro até Santarém”. A população direta do hospital é muito envelhecida e, portanto, vulnerável. Além disso, a reumatologista revela que “há um aumento do número de imigrantes com patologias específicas, principalmente provenientes da Ásia do Sul (Bangladesh, Índia, Nepal) e também estrangeiros residentes mais velhos, como franceses e americanos. A população é muito diversa, mas com muitos idosos que ainda vivem na zona da Baixa, com dificuldade de locomoção, às vezes a viverem sozinhos, é uma população que tem alguma vulnerabilidade,” nota a diretora.

Organização do serviço

Apesar de ser um hospital muito antigo e a Reumatologia ser recente, a ULS prima pela inovação. “Temos à disposição todo o tipo de inovação, nomeadamente no que toca às terapêuticas e às técnicas. Depois, em termos de conforto e de acesso a meios, o hospital é fantástico. É muito calmo no que toca às condições, a relação entre as pessoas é excelente, não só aqui na equipa, mas também com os outros colegas e também com o conselho de administração. Em termos de condições para trabalhar, de colaboração e cooperação, o Serviço está integrado numa ULS excelente e a experiência tem sido ótima”, comenta Helena Canhão.

Contudo, há desafios a superar. “Agora precisamos de crescer para começarmos a desenvolver o serviço e a subespecializar em algumas áreas. Nós temos partilhado recursos humanos, espaço e equipamentos. Como até agora não somos muitos, atualmente temos até a Joana Dinis de licença de maternidade, acabamos por nunca estar as três em permanência e tem sido fácil conciliar. Funcionamos em gabinetes de consulta que são partilhados com outros colegas e corre muito bem. O Hospital de Dia também é partilhado, e também não temos qualquer tipo de dificuldade com isso e, no que toca às técnicas, nós temos o apoio da enfermagem, nomeadamente da enfermeira Carla de Sousa, e também são realizadas num espaço partilhado, de forma eficiente. O que ambicionamos é a atribuição de um espaço físico, nomeadamente uma sala de reuniões para que possamos discutir casos, trocar impressões, isso sim faz-nos falta. Já solicitámos e penso que vamos ter em breve”, informa.

Para o futuro

Segundo Helena Canhão, este serviço encontra-se em fase de preparação para a transição para um novo hospital. “Estamos a preparar a ida para o novo hospital que será o Hospital de Todos os Santos, do qual todos já ouvimos falar há muitos anos. Recebeu finalmente aprovação para a construção e acreditamos que é desta que vamos ter um novo hospital e, portanto, encontramo-nos numa fase de preparação dos serviços para tal”. Para essa transição, a diretora ambiciona o crescimento do serviço, nomeadamente com o aumento de recursos humanos e a obtenção de idoneidade formativa para receber internos. “O objetivo agora é aumentar a equipa, passarmos a ser entre seis a 12 reumatologistas e ganharmos a idoneidade formativa que ainda não temos. A relação com a Faculdade é obviamente excelente e participamos na formação pré-graduada. A faculdade localiza-se aqui mesmo ao lado”.

Como ambição futura, a diretora do serviço sublinha a melhoria do acesso à reabilitação ambulatória. “Nós temos imensos doentes que têm dor e/ou incapacidade funcional que se tivessem uma reabilitação mais eficaz, mais dirigida e com maior facilidade de acesso, nomeadamente acesso precoce, poderiam ter uma mudança radical na qualidade de vida”. Para além disto, refere ainda a necessidade de implementação de uma “abordagem holística e moderna na Medicina, integrando o trabalho com os CSP e com as outras especialidades para darmos resposta aos nossos doentes. Nós cada vez mais, temos que responder às necessidades dos doentes e não olharmos só para a nossa especialidade, temos de ser mais holísticos na abordagem ao doente. Isto é fazer uma Medicina moderna e é necessário instituir isso nos nossos hospitais e é isso que nós tentamos fazer aqui”. Nesta Medicina moderna “falamos também da questão das novas tecnologias. A teleconsulta, o contato por e-mail ou pelo WhatsApp e a monitorização à distância, são algumas das inovações que podemos por em prática com os nossos doentes. A monitorização à distância com sensores é algo que é extremamente importante para recolher dados – e na nossa especialidade é muito útil. Com estas ferramentas continuaremos a prestar assistência aos nossos doentes, com a melhor qualidade possível e sem que se perca o lado humano que privilegiamos muito. Ainda não acontece com a frequência que gostávamos, mas vamos lá chegar”.

Para alcançar todos estes objetivos, a reumatologista assegura que “é fundamental gostarmos do que fazemos, só assim conseguimos manter-nos motivados. Depois é importante que partilhemos os conhecimentos e, sobretudo, que trabalhemos em equipa. A colaboração em equipa é essencial para o sucesso e aqui, sem dúvida, que esse é o segredo. Gostamos muito de trabalhar umas com as outras e trabalhamos bem”.

Relação de cooperação entre o Hospital e a Faculdade

Além de professora catedrática na NMS, Helena Canhão é também diretora desta faculdade. “Desde há dois anos e meio que sou diretora da NMS. Esta dupla função permite uma sinergia que beneficia ambas as instituições, mas por outro lado também me tira algum tempo aqui no hospital que é compensado pela Joana e pela Teresa, que fazem um excelente trabalho,” acrescenta.

A ligação de cooperação entre o Serviço de Reumatologia do HSAC e a NMS tem sido “uma parceria estratégica e frutífera. Temos uma ULS que é universitária e onde nós damos aulas de Reumatologia, lecionamos o doente idoso e outras unidades curriculares, mas, para além disso, temos também a investigação centrada numa unidade – unidade EpiDoC – composta por vários reumatologistas. Esta unidade é essencial para desenvolver novas abordagens terapêuticas e melhorar a qualidade de vida dos doentes. Esta relação com a faculdade é extremamente importante”, garante.

Testemunhos da equipa

Durante a visita ao Serviço de Reu­matologia da ULS São José tivemos opor­tunidade de falar com Ana Teresa Melo, reumatologista do serviço, e com Carla de Sousa, Enfermeira Responsável da Consulta de Reumatologia. Assista aqui as declarações de am­bas.

Reportagem realizada em junho 2024