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60 anos depois da invenção da pílula, como evoluiu a contraceção?

60 anos depois da invenção da pílula, como evoluiu a contraceção?

Em 26 de setembro celebrou-se o Dia Mundial da Contraceção. Joaquim Neves, ginecologista e membro da direção da Sociedade Portuguesa da Contraceção, escreveu para o Raio-X um artigo sobre a evolução da contraceção:

A invenção da pílula (contraceção hormonal oral) foi um evento marcante para as mulheres e as sociedades em geral e globalmente. Com todas as condicionantes para a prescrição da pílula nos anos 60, sendo a mais surpreendente, de que devia ser prescrita às mulheres casadas e o aconselhamento efetuado na presença do marido.

Progressivamente inteirou-se no estilo de vida, sobretudo nos países considerados desenvolvidos, permitindo enaltecer a sexualidade sem necessidade de engravidar.

Surgiu em 1960 nos Estados Unidos, em 1961 na Europa e em 1964 em Portugal.

É a forma mais divulgada de contraceção e os inquéritos de saúde promovidos em Portugal revelam continuar a ser o método contracetivo mais referido pelas utentes inquiridas.

Desde a introdução da pílula, a contraceção evoluiu de forma significativa. Atualmente 49% da população mundial feminina utiliza métodos de contraceção. Globalmente, e mediante os dados fornecidos pelas Nações Unidas, sobre a utilização da contraceção (2019), demonstram a preferência pelas pílulas em 16% dos casos (implantes em 2%, dispositivos intrauterinos em 17%; preservativos em 21% e laqueação tubar/tubária em 24%). Na Europa e nos países da América do Norte, a pílula continua a ser o método mais apontado.

No entanto, a pílula tem sido alvo de escrutínios sobre o real impacto na saúde das mulheres, inclusivamente as implicações futuras, culminando, nos últimos anos, com o receio das hormonas (“hormonofobia”), e a contaminação corporal pelas hormonas.

O principal receio de efeitos adversos da contraceção hormonal é o risco de tromboembolismo. Esta associação é sobejamente conhecida pelos profissionais de saúde que se dedicam à contraceção. Por este motivo a autoprescrição é desaconselhada, devendo ser recomendada por um profissional de saúde com experiência em contraceção.

Existe um risco raro de tromboembolismo na utilização das pílulas (falamos de risco e não de causalidade). Talvez seja desconhecido, mas numa mulher, mesmo sem outras doenças associadas, a gravidez e o pós-parto aumentam o risco de tromboembolismo, muito mais do que a simples utilização da pílula

Em 2010, Hanaford e colaboradores publicaram os resultados de um estudo observacional, realizado em cerca de 40 anos, do índice global de saúde entre mulheres utilizadoras e não utilizadoras da pílula, e verificaram que não existem diferenças entre as duas amostras populacionais.

Não seria sensato esclarecer que a utilização da contraceção com as pílulas carece de informação sobre os muitos efeitos benéficos e não contracetivos das pílulas?

Existe uma tendência atual, para a presença nas formulações contracetivas de componentes bioidênticos, ou dos mesmos componentes que estão no organismo da mulher (estradiol), no sentido de minimizar os raros eventuais efeitos secundários. Por isso é que surgem alternativas à contraceção hormonal com novos componentes, menores dosagens e bioidentidade, e novas vias de administração.

São alternativas às pílulas, os adesivos contracetivos, os anéis vaginais, o implante subcutâneo e os dispositivos intrauterinos. O regime destes métodos contracetivos tende a melhorar um fenómeno mais comum nas pílulas – o esquecimento – sendo mais premente nos implantes e nos dispositivos, que não são dependentes da mulher, aumentado assim a eficácia.

Os atuais dispositivos intrauterinos são um conceito diferente de contraceção intrauterina, com substituição dos metais por reservatórios hormonais, com a redução da concentração das hormonas e ação acentuada da mesma na cavidade uterina, e com redução das dimensões dos dispositivos, permitindo a aplicação dos mesmos em mulheres que nunca engravidaram (nuligrávidas).

No entanto, 60 anos depois da invenção da pílula, existem assimetrias nacionais e mundiais que devem ser corrigidas para melhorar a saúde reprodutiva e global das sociedades.