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Heart Team, novas evidências e atualização de guidelines no congresso da ESC. Nem o Papa faltou

Heart Team, novas evidências e atualização de guidelines no congresso da ESC. Nem o Papa faltou

Está encerrada mais uma edição do Congresso da European Society of Cardiology (ESC) que durante esta semana levou até Roma mais de 30 000 especialistas para discutirem os temas mais atuais da Cardiologia mundial. Segundo Fausto Pinto, presidente da ESC, o tema central desta edição foi o Heart Team, um conceito cada vez mais recomendado, tendo em conta as boas práticas na abordagem de doentes coronários complexos, e que começa também a integrar o acompanhamento de doentes com outras patologias cardíacas. Novas evidências provenientes da investigação clínica, atualização de guidelines, novos registos, apresentação de casos clínicos preencheram o programa científico do congresso que contou com a presença do Papa Francisco.

“Como português, como cardiologista e como europeu, sinto um grande orgulho em liderar esta equipa”, afirmou Fausto Pinto, referindo-se à comissão responsável pela organização “do maior congresso de sempre” da European Society of Cardiology.
Tendo como tema de destaque o Heart Team, várias sessões foram dedicadas a este novo conceito que, cada vez mais, integra as boas práticas na abordagem da doença coronária complexa. O conceito de Heart Team consiste na avaliação e acompanhamento do doente por uma equipa multidisciplinar da qual devem fazer parte o cardiologista de intervenção e o cirurgião cardiotorácico, entre outros especialistas. Em conjunto, a equipa deve eleger a melhor estratégia de revascularização tendo em conta também os desejos e as expectativas do próprio doente. As guidelines europeias para a revascularização recomendam, atualmente, que as decisões sejam tomadas em consenso, no entanto, o Heart Team começa a ser também aplicado a outras áreas da patologia cardiovascular, nomeadamente nas doenças cardíacas estruturais.

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Dieta mediterrânica reduz risco de morte em doentes cardiovasculares
“Há muito que a dieta mediterrânica é reconhecida como um dos mais saudáveis hábitos nutricionais em todo o mundo”, afirmou Giovanni de Gaetano, do Departamento de Epidemiologia e Prevenção do IRCCS Neuromed Institute, em Pozzilli, Itália. No entanto, os benefícios deste regime alimentar podem ser ainda mais significativos. De acordo com os resultados do estudo observacional Moli-sani, apresentados neste congresso no passado dia 28 de agosto, a dieta mediterrânica está associada a uma redução da mortalidade em doentes com história de patologia cardiovascular.
“Na realidade, vários estudos científicos já tinham revelado que o estilo de vida tradicional mediterrânico reduz o risco de desenvolvimento de várias doenças crónicas e, mais importante ainda, de mortalidade por qualquer causa”, frisou o especialista. Todavia, acrescentou Giovani de Gaetano, a investigação até agora desenvolvida estava focada na população em geral que é, na sua maior parte, constituída por pessoas saudáveis. Restava, portanto, saber se nos doentes cardiovasculares, a dieta mediterrânica era igualmente benéfica. “E a resposta é sim, tendo em conta os dados deste estudo que incluiu doentes com história de patologia cardiovascular, tal como doença coronária e AVC”. Moli-sani é um estudo epidemiológico prospetivo, com um período de seguimento de 7,3 anos, no qual foram incluídos 25 000 participantes, que vivem na região italiana de Molise. “Dentro desta amostra populacional foram identificadas 1197 pessoas que reportaram história de doença cardiovascular”, esclareceu Marialaura Bonaccio, autora principal deste projeto.
“Descobrimos que entre os participantes que melhor aderiram à dieta mediterrânica, a mortalidade por qualquer causa foi reduzida em 37% comparativamente com os participantes que tiveram uma adesão mais fraca a este regime alimentar”, sublinhou Giovanni de Gaetano. Os alimentos que mais contribuíram para a redução da mortalidade foram os frutos, os vegetais, o peixe, os frutos secos e os ácidos gordos monoinsaturados, nomeadamente o azeite.

Guidelines conjuntas para a FA e para as dislipidemias
Tradicionalmente, o congresso da ESC é o palco onde são apresentadas as atualizações das recomendações europeias para a abordagem das doenças cardiovasculares, com base nas evidências provenientes da investigação clínica mais recente. Este ano, a fibrilhação auricular (FA) e as dislipidemias foram duas das principais áreas em que foram introduzidas alterações nas recomendações terapêuticas.
No passado dia 27 de agosto foram publicadas no European Heart Journal e no European Journal of Cardio-Thoracic Surgery as primeiras guidelines conjuntas da ESC e da European Association for Cardip-Thoracic Surgery (EACTS) para a abordagem da FA. Escritas por cardiologistas, eletrofisiologistas, cirurgiões cardíacos, neurologistas e enfermeiros cardiovasculares, as recomendações integram a perspetiva das várias especialidades que podem contribuir para um melhor outcome dos doentes com FA. “Quisemos colocar o doente no centro destas novas guidelines”, afirmou Paulus Kirchhof, representante da ESC que esteve envolvido na elaboração das recomendações.
Entre as principais alterações, destaca-se um conjunto de recomendações relativamente aos procedimentos posteriores a uma eventual complicação sob anticoagulação. São dados alguns conselhos sobre o reinicio da anticoagulação após um evento hemorrágico, sobre a melhor forma de controlar a hemorragia e como abordar os doentes que sofreram um AVC isquémico mesmo sob terapêutica anticoagulante.
Além disso, acrescentou Paulus Kirchhof, “as guidelines anteriores estavam muito focadas nos doentes que deviam receber anticoagulação. Já as novas guidelines estão mais centradas no diagnóstico precoce da FA, antes da ocorrência de um AVC, tendo em conta que há neste momento evidência que suporta o rastreio oportunístico através da realização de eletrocardiograma a indivíduos, por exemplo, com mais de 65 anos ou com elevado risco (portadores de pacemakers)”. Muitas pessoas têm FA e não sabem até sofrerem um AVC, pelo que “o diagnóstico precoce permite prevenir o AVC com anticoagulação”.
Dentro das novas recomendações e sugestões destacam-se ainda:
– A ablação por cateter como primeira linha no tratamento de doentes selecionados depois de a investigação ter demonstrado que este procedimento não é menos seguro do que o tratamento farmacológico com antiarrítmicos.
– O isolamento da veia pulmonar como alvo preferencial de ablação.
– A criação de equipas de FA com experiência em fármacos antiarrítmicos, ablação por cateter e cirurgia para a tomada de decisões mais difíceis.
Calcula-se que em 2030 entre 14 a 17 milhões de europeus sofram de FA, com uma previsão de mais de 215 000 novos diagnósticos por ano. A FA aumenta entre 1,5 a 2 vezes o risco de morte e é responsável por 20 a 30% dos AVC. A anticoagulação com antagonistas da vitamina K (AVK) ou com anticoagulantes orais de ação direta (AOD) pode prevenir o AVC isquémico, sendo que estes últimos têm vindo a ser recomendados como opção de primeira linha para a maior parte dos doentes, tendo em conta um menor risco hemorrágico. Os AVK continuam a ser a opção preferencial para doentes não elegíveis para os AOD, coo é o caso dos que têm válvulas cardíacas mecânicas.
Relativamente às dislipidemias, foram também publicadas no dia 27 de agosto no European Heart Journal e no site da ESC as guidelines conjuntas da ESC e da European Atherosclerosis Society (EAS) para a abordagem terapêutica das alterações da metabolização dos lípidos.
As doenças cardiovasculares matam mais de quatro milhões de europeus todos os anos, sendo que 80% destas mortes seriam preveníveis através da eliminação de comportamentos que colocam a saúde em risco. Segundo Ian Graham, responsável pelo painel da ESC que elaborou as guidelines, “os lípidos são, provavelmente, o principal fator de risco cardiovascular. A relação entre os lípidos, em particular o colesterol LDL, e as doenças cardiovasculares é muito forte, gradual e inequivocamente causal. Os eventos cardiovasculares raramente ocorrem em pessoas que têm baixos níveis de colesterol LDL; mesmo que sejam fumadoras”, explicou.
As novas guidelines expressam a necessidade de reduzir os níveis de colesterol na população e, sobretudo, nos indivíduos com risco cardiovascular elevado que, na perspetiva de Ian Graham “devem ser a grande prioridade dos médicos, merecendo uma abordagem individualizada”.
Relativamente aos alvos terapêuticos, “deve ser feita uma avaliação individual em função do risco, tendo em conta as comorblidades e o risco de doença cardiovascular fatal aos dez anos”. Em doentes de alto risco, o colesterol LDL deve ser inferior a 100 mg/dl. Todos os doentes, independentemente do risco que apresentem, devem reduzir o colesterol LDL em, pelo menos, 50%.
Nestas guidelines é dada uma maior proeminência aos estilos de vida e aos hábitos alimentares do que nas recomendações anteriores da ESC/EAS, com algumas sugestões de alimentos que devem ser usados preferencialmente, outros que devem ser consumidos com moderação e outros que devem ser evitados.
Relativamente à terapêutica farmacológica, a associação de medicamentos está recomendada em doentes com colesterol elevado resistente. As estatinas continuam a ser o tratamento de primeira linha, embora seja reconhecido o benefício da adição de ezetimiba com um ganho incremental de 15 a 20% de redução do colesterol LDL. As novas guidelines sugerem ainda a utilização de inibidores da PCSK-9 em doentes que, mesmo sob terapêutica combinada de estatinas e ezetimiba, mantêm os níveis de colesterol muito elevados.

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ESC em evidências
Ano após ano o congresso da ESC é o palco onde, em primeira mão, são apresentados os resultados da investigação clínica desenvolvida em torno da patologia cardiovascular. Nesta edição de 2016 foram revelados os resultados primários de mais de 30 ensaios clínicos, entre os quais o PRAGUE-18, o ODYSSEY-ESCAPE, o ENSURE-AF.
No estudo PRAGUE–18 foi feita, pela primeira vez, a comparação direta entre prasugrel e ticagrelor, tendo ficado demonstrado que os dois antiagregantes plaquetários têm a mesma eficácia e segurança nos doentes com enfarte agudo do miocárdio e elevação do segmento ST (STEMI). “As nossas descobertas confirmam dados de comparações indiretas com estes dois fármacos que previamente tinham sido feitas em estudos não-aleatorizados com base em registos e análises”, comentou Peter Widimsky, do Cardiocenter of Charles University, em Praga.
O estudo incluiu 1.230 doentes STEMI que fizeram tratamento com prasugrel ou ticagrelor antes da intervenção coronária percutânea (PCI). O endpoint primário foi definido como morte, novo enfarte, revascularização urgente, AVC, hemorragia grave com necessidade de transfusão sanguínea ou hospitalização prolongada até sete dias.
O PRAGUE-18 foi prematuramente interrompido depois de uma análise interina que mostrou não haver diferença na taxa do endpoint primário entre os dois grupos (4.0 e 4.1% no grupo prasugrel e ticagrelor, respetivamente).
Também não se verificaram diferenças entre os grupos no que respeita ao endpoint secundário, composto de morte cardiovascular, enfarte do miocárdio não fatal ou AVC nos 30 dias (2.7 e 2,5%, respetivamente).
“Os resultados deste estudo oferecem aos médicos uma maior liberdade para escolherem o agente antiplaquetário que vão associar à aspirina em doentes com STEMI que têm de fazer dupla antiagregação plaquetária”, acrescentou Peter Widimsky.

ODYSSEY-ESCAPE
Numa área terapêutica diferente, no estudo ODYSSEY-ESCAPE, o alirocumab, um novo inibidor do PCSK-9, reduziu e, em alguns casos, eliminou a necessidade de aférese em doentes com hipercolesterolemia familiar heterozigótica.
Apresentados numa Hot Line do congresso da ESC, os resultados deste estudo de fase III “sugerem o papel do alirocumab no tratamento global dos doentes com hipercolesterolemia familiar que têm de fazer aférese de lipoproteínas, com potencial para evitar ou retardar o recurso a este tipo de intervenção dispendiosa e demorada”, afirmou o autor principal do estudo Patrick M. Moriatry, do University of Kansas Medical Center.
Já publicados no European Heart Journal, os resultados do ODISSEY-ESCAPE
“deixaram os doentes com hipercolesterolemia familiar muito entusiasmados, sobretudo aqueles que, semanalmente, têm de fazer tratamento de aférese”, acrescentou.
No estudo foram incluídos 62 doentes com hipercolesterolemia familiar heterozigótica, acompanhados em 14 centros nos Estados Unidos da América e na Alemanha que faziam aférese uma vez por semana ou de duas em duas semanas.
Os doentes foram aleatorizados para receberem injeções subcutâneas de 150 mg alirocumab (n=41) ou de placebo (n=21) a cada duas semanas, durante 18 semanas, mantendo a medicação hipolipemiante que já faziam.
Os tratamentos de aférese durante o estudo foram programados de duas formas: até à sexta semana, a frequência foi definida de acordo com o que já estava programado pelo doente, havendo um ajuste posterior, entre a semana 7 e a semana 18, em função das necessidades individuais. Se houvesse uma redução de, pelo menos, 30% dos valores de colesterol LDL, comparativamente com a baseline, não seria feita aférese.
No final do estudo, os doentes tratados com alirocumab apresentaram uma redução de 75% da necessidade de fazer aférese em comparação com os doentes que fizeram placebo.
Aliás, 63,4% dos doentes que receberam alirocumab eliminaram a aférese (em comparação com nenhum doente do grupo placebo) e 97,2% evitaram, pelo menos, metade destes procedimentos (em comparação com 14,3% do braço placebo).
“As razões pelas quais foram reduzidas as taxas de aférese com placebo ainda não estão esclarecidas, mas podem estar relacionadas com variações individuais dos valores do colesterol, com um maior cuidado com a dieta ou com uma melhor adesão à terapêutica hipolipemiante oral”, referiu Patrick M. Moriaty.
Os efeitos adversos foram, globalmente, pouco graves, e foram semelhantes nos dois grupos (75,6% no braço alirocumab e 76,2% no braço placebo).

ENSURE-AF
No contexto da fibrilhação auricular (FA), foram apresentados os resultados do ENSURE-AF, que incluiu 2 199 doentes com FA não valvular, candidatos a cardioversão eletiva.  Este estudo de fase III b, já publicado na revista The Lancet, demonstrou que uma toma única diária de edoxabano tem eficácia e segurança comparáveis à da enoxaparina/varfarina, na prevenção do AVC e de outras complicações da coagulação nesta população específica de doentes.
“Estes resultados podem ter implicações clínicas importantes para os doentes com FA não valvular recém-diagnosticados que vão ser submetidos a cardioversão”, referiu Andreas Goette, do St. Vincenz-Hospital Paderborn, na Alemanha.
O edoxabano demonstrou uma incidência semelhante à de enoxaparina/varfarina relativamente ao composto do endpoint primário de eficácia (AVC, eventos embólicos sistémicos, enfarte do miocárdio e mortalidade cardiovascular). A principal diferença entre os dois grupos foi a mortalidade cardiovascular que ocorreu em um doente do braço edoxabano e em cinco doentes do braço enoxaparina/varfarina (0.1 versus 0.5 respetivamente).
Relativamente ao endpoint de segurança (hemorragia major ou clinicamente relevante e hemorragia não major), 1,5% dos doentes do braço edoxabano e 1,0% dos doentes do braço enoxaparina/varfarina sofreram um episódio hemorrágico. A diferença foi estatisticamente não significativa. A incidência de hemorragia major foi numericamente mais baixa nos doentes que receberam edoxabano e não foram reportadas hemorragias intracranianas em nenhum dos grupos em estudo.
“Estamos muito satisfeitos com os resultados do ENSURE-AF, que nos oferecem informação científica adicional sobre a utilização de uma dose diária de edoxabano para o tratamento de doentes com FA”, afirmou Hans Lanz, Global Medical Affairs do edoxabano.

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Papa Francisco no encerramento do ESC Congress 2016
Os mais de 30 000 profissionais de saúde que estiveram presentes no ESC aguardaram com grande expetativa a visita do Papa Francisco, no dia de encerramento do evento, 31 de agosto.
Na sua intervenção, o representante máximo da igreja católica apelou por uma melhoria no acesso aos cuidados de saúde por parte dos doentes mais desfavorecidos e elogiou o trabalho clínico e de investigação desenvolvido pelos profissionais de saúde, com vista ao “alívio do sofrimento, à melhor qualidade de vida e ao acrescido sentido de esperança” das populações.
Na sua saudação ao Papa, Fausto Pinto sublinhou o peso das doenças cardiovasculares enquanto principal causa de morte em todo o mundo e reforçou o apelo a uma maior aposta nas medidas de prevenção, a começar por pequenas alterações dos estilos de vida.
No final do seu discurso, o presidente da ESC agradeceu ao Papa Francisco pelo apoio “nesta luta sem fronteiras”, contando que sua presença possa contribuir para despertar consciências.

Cátia Jorge

Fotografias: ESC 2016