Investigação distingue 4 jovens cientistas portuguesas
Será que a ativação crónica do sistema imunitário nos doentes com lúpus pode estar relacionada com a permeabilidade do seu intestino? Será a matemática capaz de representar as redes funcionais em que se organiza o cérebro humano? Será possível regenerar os discos intervertebrais combinando tecnologias de edição genética e terapias estaminais? Será que, ao longo de gerações, os organismos marinhos conseguem adaptar-se a um oceano pressionado pelas alterações climáticas e pela poluição? Estas são algumas das linhas orientadoras dos quatro projetos distinguidos pela 15ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência.
Esta 15º edição destacou o trabalho de Patrícia Costa Reis, pediatra no Hospital de Santa Maria e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Joana Cabral, investigadora no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho; Joana Caldeira, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S/INEB) da Universidade do Porto; e Diana Madeira, investigadora no CESAM/ECOMARE da Universidade de Aveiro.
As quatro jovens investigadoras, já doutoradas e com idades entre os 30 e os 36 anos, foram selecionadas entre mais de 70 candidatas por um júri científico, presidido por Alexandre Quintanilha. Cada uma é reconhecida com um prémio individual de 15 mil euros, que visa apoiá-la na sua pesquisa e motivá-la a prosseguir estudos relevantes nas áreas da saúde e ambiente, assim como inspirar um ciência e uma sociedade mais inclusiva e equitativa.
“Portugal está a fazer um percurso positivo na igualdade de oportunidades e no reconhecimento das mulheres na área da ciência porém há ainda muito por fazer sobretudo nos lugares de topo. De acordo com um estudo recente da Deloitte, em 2017, apenas 13% dos cargos de direção das empresas cotadas eram ocupados por mulheres. Estes números fazem de Portugal um dos países europeus com a menor representação de executivas no topo das sociedades. Este Prémio reconhece o mérito e a importância dessas jovens cientistas e serve de incentivo para prosseguirem a fazer ciência com qualidade, refere Cátia Martins, CEO da L’Oréal Portugal, sublinhando que “a L’Oréal continuará a dar o seu contributo, em Portugal e nos mais de 120 países onde está presente, para desafiar mentalidades e promover a igualdade de género na ciência”.
Medalhas para as Mulheres na Ciência: 15 anos em Portugal, 21 anos no mundo
Foi para promover esta mudança na ciência que nasceu a iniciativa portuguesa, há já 15 anos, promovida pela L’Oréal Portugal, numa parceria com a Comissão Nacional da UNESCO e com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O mesmo objetivo tinha levado à constituição de uma parceria global entre a L’Oréal – através da sua Fundação – e a UNESCO que, há 21 anos, esteve na génese do programa For Women in Science.
No seu conjunto, as várias iniciativas da L’Oréal, em prol de uma ciência mais justa e equitativa, já apoiaram mais de 3100 investigadoras de 117 países, na sua maioria jovens, mas também cientistas consagradas, entre as quais Elizabeth H. Blackburn e Ada Yonath, ambas reconhecidas com o Prémio Nobel da Medicina e da Química em 2009.
O número de mulheres cientistas a nível global continua abaixo dos 30%; apenas 11% dos cargos académicos superiores são ocupados por mulheres e apenas 3% dos Prémios Nobel nas áreas de ciências foram atribuídos a mulheres (UNESCO, 2017).
Em Portugal os número têm vindo a crescer. A média de doutoradas em Portugal é 53,3% e a percentagem de mulheres investigadoras é de 45%, acima da média europeia. (She Figures 2015, da Comissão Europeia).
As iniciativas L’Oréal-UNESCO For Wormen in Science e as Medalhas de Honra para as Mulheres na Ciência vão prosseguir, continuando a contribuir para aumentar estes números.
As quatro investigadoras distinguidas
30 anos
CESAM/ECOMARE, Universidade de Aveiro
Diana Madeira doutorou-se em Química Sustentável em 2016, com apenas 28 anos, e no ano seguinte iniciou o projeto de investigação que continua a aprofundar: a plasticidade transgeracional dos invertebrados marinhos às alterações globais. Diana é casada e não tem filhos.
Será que, ao longo de várias gerações, os organismos marinhos vão conseguir responder e adaptar-se a um oceano cada vez mais pressionado pelas alterações climáticas e pela poluição?
Porque o planeta e a vida como os conhecemos dependem da sustentabilidade dos oceanos, Diana Madeira quer compreender o modo como, ao longo de várias gerações, os organismos marinhos estão a responder às alterações climáticas e à poluição que têm vindo a pressionar de forma crescente o equilíbrio dos oceanos e da vida que neles existe.
A investigadora do CESAM/ECOMARE, Universidade de Aveiro, pretende conhecer quais são os mecanismos moleculares e celulares que os invertebrados marinhos induzem para responder a estas pressões ambientais e de que forma estes mecanismos estão relacionados com parâmetros como a sua capacidade de sobrevivência e o seu sucesso reprodutivo.
Até ao momento, a maioria dos estudos realizados neste âmbito tem analisado o que sucede aos organismos marinhos apenas ao longo de uma geração. “Este limite temporal implica outros limites, quer os que se relacionam com a nossa capacidade de previsão sobre o que poderá acontecer a longo prazo, quer os que dizem respeito ao nosso conhecimento sobre a vulnerabilidade e agilidade que têm os diferentes organismos marinhos para lidar com o stress ao longo de várias gerações”, refere a cientista que, no âmbito do seu doutoramento, tinha já aprofundado os efeitos do aquecimento global no ciclo de vida da dourada.
Saber como estes organismos marinhos respondem às pressões do oceano numa escala de tempo mais alargada – ao longo de várias gerações – permitirá conhecer a sua vulnerabilidade às alterações globais e o porquê dessa vulnerabilidade, e descobrir quais os mecanismos de plasticidade que alguns conseguem desenvolver ao longo de gerações para melhor sobreviverem e se reproduzirem.
Este conjunto de informação é essencial para melhorar a gestão dos recursos marinhos e a sustentabilidade dos oceanos, e para poder fazê-lo numa lógica de longo prazo.
35 anos
Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, Universidade do Minho
Joana doutorou-se em Neurociência Teórica e Computacional (2012) em Barcelona, logo após concluir o curso de Engenharia Biomédica em Portugal. Após um pós-doutoramento em Oxford, regressou a Portugal como investigadora no ICVS, mantendo um extenso leque de colaborações internacionais. Joana é casada e tem dois filhos, de 3 e 4 anos.
Será possível representar matematicamente as redes funcionais em que se organiza o cérebro humano saudável e entender porque se encontram alteradas em doentes neurológicos e psiquiátricos?
Com cerca de 100 mil milhões de neurónios interligados, o cérebro humano é das redes mais complexas da natureza, e apesar das caracterizações cada vez mais detalhadas da sua estrutura e atividade, o seu funcionamento ainda não se consegue explicar. Mas Joana Cabral acredita que a matemática, com os seus princípios universais, conseguirá fornecer um modelo teórico unificador e capaz de representar os mecanismos biofísicos que governam a atividade cerebral.
“Sabemos como cada neurónio é capaz de disparar um sinal elétrico e conhecemos também o Conectoma estrutural, que explica a existência de ligações nervosas entre as diferentes partes do cérebro, mas continuamos sem saber como se organiza a atividade conjunta de milhares de neurónios, através da qual se formam os padrões que estão, em última análise, na origem dos nossos comportamentos”, refere a investigadora, explicando que os avanços recentes nos métodos de análise de Ressonância Magnética Funcional (fMRI) revelaram já que o nosso cérebro está organizado em redes funcionais, ou seja, há zonas distantes do cérebro que se ativam em simultâneo e de forma recorrente.
Estas redes funcionais são observadas em pessoas saudáveis mas encontram-se alteradas em indivíduos com diferentes doenças neurológicas e psiquiátricas, pelo que percebê-las poderá vir a ter um impacto preponderante no entendimento destas doenças.
No âmbito da sua investigação fundamental, Joana Cabral vai recorrer a modelos matemáticos que representam o comportamento de sistemas dinâmicos acoplados e vai aplicá-los ao Conectoma estrutural. “Quero verificar se os padrões de atividade cerebral aparentemente distintos, registados com electroencefalografia (EEG) e fMRI, são expressões diferentes da dinâmica subjacente da rede cerebral”, afirma a investigadora, referindo que existem descrições recentes de fenómenos semelhantes que emergem espontaneamente de redes sintéticas, governados por princípios matemáticos universais.
Para validar se o modelo matemático pode ajudar a desvendar mais um mistério do cérebro, comparará os resultados das suas simulações teóricas com a atividade cerebral registada simultaneamente através de fMRI e EEG em participantes saudáveis no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho, em parceria com o Centro Clínico Académico do Hospital de Braga.
35 anos
i3S Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto
Durante o seu doutoramento em Biomedicina (2011), Joana Caldeira dedicou-se à identificação de novos genes associados ao cancro gástrico. Quando entrou no INEB, que agora integra o i3S, começou a interessar-se pela regeneração do disco intervertebral através da modulação da matriz extracelular. Joana é casada e tem dois filhos de 5 e 3 anos.
Será possível regenerar os discos intervertebrais através de um processo pioneiro que conjuga a tecnologia de edição genética CRISPR e as terapias com células estaminais?
Mais de 70% da população mundial é afetada por dor lombar causada pela degeneração dos discos intervertebrais e os tratamentos atuais não são eficazes a longo prazo. Joana Caldeira quer utilizar a tecnologia de edição genética CRISPR (CRISPR/Cas9) para a regeneração dos discos intervertebrais. A investigadora irá recorrer a esta ferramenta para reativar genes típicos do microambiente fetal com o objectivo de potenciar as atuais terapias regenerativas com células estaminais. “Com esta tecnologia revolucionária poderemos criar uma envolvente acolhedora para as células estaminais utilizadas nas terapias de regeneração do disco, o que promoverá o seu alojamento e sobrevivência no local pretendido”, refere a investigadora do i3S.
Tanto pelo processo natural de envelhecimento como por traumas diversos ou por predisposição genética, a dor lombar, causada pela degeneração dos discos intervertebrais , tem um pesado impacto socioeconómico, devido às dores e incapacidade provocadas, ao absentismo laboral e aos custos terapêuticos que lhes estão associados.
Um tratamento eficaz nesta área permitiria beneficiar milhões de pessoas, reduzindo o número de anos vividos com incapacidade, tanto mais que no caso da doença degenerativa do disco estes anos ultrapassam em média os registados em doenças como a SIDA, a tuberculose e o cancro de pulmão. Da mesma forma, ajudaria a diminuir perdas globais anuais que, segundo indica a investigadora, deverão rondar os 150 mil milhões de euros por ano, em parte decorrentes de cerca de 150 milhões de dias de baixa médica.
A concretização deste projeto, batizado como CRISPR4DISC, será um passo significativo na melhoria das já promissoras terapias com células estaminais e abrirá portas para a primeira terapia regenerativa do disco intervertebral baseada na tecnologia CRISPR. Os resultados obtidos criarão as bases de ensaios clínicos pioneiros para inverter a realidade atual.
36 anos
Instituto de Medicina Molecular/ Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa /Hospital de Santa Maria
Patrícia Costa Reis dedicou o seu doutoramento ao estudo do lúpus no Children’s Hospital of Philadelphia, nos EUA. Como médica, dedica-se à Nefrologia e Transplantação Renal Pediátrica e à Reumatologia Pediátrica e concilia a prática clínica com a docência e a investigação. Patrícia é casada e tem dois filhos, um de 4 anos e outro de 9 meses.
Será que os doentes com lúpus têm uma maior permeabilidade do intestino, o que permite a passagem das bactérias aí existentes para o sangue, levando à ativação crónica do sistema imunitário?
O lúpus é uma doença autoimune complexa, na qual o sistema imunitário está cronicamente ativado e ataca o próprio organismo. Patrícia Costa Reis quer perceber se os doentes com lúpus têm uma maior permeabilidade do intestino, o que poderá ser responsável pela passagem de bactérias aí existentes para a circulação sanguínea e, assim, contribuir para a ativação crónica do sistema imunitário.
Neste sentido, a investigadora, que já se dedicou ao lúpus no seu doutoramento, vai estudar a permeabilidade do intestino e analisar o conjunto dos microrganismos ali existentes, ou seja, o microbioma de doentes com lúpus. Este projeto poderá estabelecer as bases necessárias para novas estratégias terapêuticas, como antibióticos ou vacinas que alterem o microbioma, e, assim, controlem o sistema imunitário e a atividade da doença.
“Além da importância destes dados do ponto de vista clínico, para o desenvolvimento de novas formas de tratamento mais eficazes e com menos efeitos adversos, a confirmar-se esta relação, eles terão impacto também do ponto de vista científico, pois permitem-nos re-equacionar a forma como pensamos na autoimunidade e levarão a novos estudos noutras doenças deste foro”, explica Patrícia Costa Reis.
Melhorar o controlo do lúpus e a qualidade de vida dos doentes é o objetivo desta investigadora, Professora e Médica Pediatra, que conhece bem o impacto do lúpus e dos efeitos dos medicamentos hoje usados na vida dos doentes e em particular das crianças. Dor crónica, fadiga, depressão, consultas recorrentes e internamentos são algumas das razões que contribuem para uma vida diferente, em que o insucesso escolar nos mais novos e o desemprego nos mais velhos são ainda elevados.