O cancro da cabeça e pescoço em Portugal
Artigo de opinião de Carlos Nabuco, otorrinolaringologista, especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço, que aborda o cancro da cabeça e pescoço, em Portugal.
Na semana passada assinalou-se a 7.ª Semana Europeia de Alerta do Cancro de Cabeça e Pescoço com o tema central “Apoiar os Sobreviventes”. Os cancros de cabeça e pescoço não são os cancros mais comuns da população em geral e, por isso, não são amplamente divulgados nem nos meios de comunicação social, nem no meio Médico. Se somarmos todos os cancros de cabeça e pescoço (cavidade oral, faringe e laringe), atingimos uma incidência de 2.380 novos casos no ano de 2018 em Portugal, o que os coloca em 7º lugar entre os cancros mais frequentes. No mesmo ano, a mortalidade por esses cancros foi de 1.089 doentes, tornando-o no 10º cancro mais letal. A maior incidência que a mortalidade relativa mostra que, apesar de 60% dos tumores serem diagnosticados em fase avançada, o tratamento instituído é mais eficaz se compararmos com as outras neoplasias.
De facto, o primeiro tratamento destes doentes, mesmo em estado avançado, apresenta na grande maioria dos casos uma intenção curativa. A exemplo de outros tumores, quanto mais precoce for o diagnóstico, maior será a taxa de sucesso e menor será a mortalidade do tratamento para o doente. Desta forma, reveste-se de especial importância as estratégias de prevenção primária e de prevenção secundária.
Os cancros da cabeça e pescoço estão intimamente relacionados com os seus principais fatores de risco: o tabaco e o álcool. Quem fuma tem um risco 8x maior que a população não fumadora, de desenvolver um cancro deste tipo. Quem bebe tem 4 a 5x maior risco. A associação de ambos leva a um incremento do risco de 30 a 120x, dependendo do sítio anatómico. Qualquer estratégia de prevenção primária do cancro da cabeça e pescoço passa pelo controlo destes fatores de risco. Nos últimos anos tem-se observado uma mudança de paradigma com um aumento da incidência da doença em jovens e no sexo feminino, explicada pelo aumento do consumo de tabaco nas mulheres e por uma redução no sexo masculino nas últimas décadas. Outro aspeto que explica essa evolução epidemiológica, é o crescente aumento da incidência de cancros da cabeça e pescoço relacionados com a infeção pelo HPV, particularmente na orofaringe. Clinicamente há várias diferenças entre os tumores relacionados e os não relacionados com o HPV, com impacto no prognóstico e tratamento. A vacinação para o HPV, recentemente aprovada no calendário nacional do SNS, é eficaz na prevenção do cancro do colo do útero, mas ainda não há dados sólidos que provem que também o seja para os tumores da cabeça e pescoço relacionados ao HPV. Estudos nesse sentido estão atualmente em curso.
A prevenção secundária é também muito importante nos cancros da cabeça e pescoço, porque, como já referido anteriormente, a mortalidade e morbilidade do tratamento é bastante maior nos tumores avançados quando comparado com os mais precoces. Existe um longo caminho já descrito de alterações genéticas induzidas pelos carcinogéneos do tabaco e do álcool que levam a que uma mucosa normal, se transforme em carcinoma. Portanto existe oportunidade, muitas vezes ao longo de anos em que ocorre essa transformação maligna, de se detetar lesões potencialmente malignas antes de se tornarem carcinomas invasivos. Estratégias de alerta aos profissionais de saúde e à população em geral quanto aos sintomas iniciais do cancro também são importantes neste sentido. São eles as feridas na boca ou orofaringe, dor à deglutição (odinofagia), dor de ouvido (otalgia), rouquidão (disfonia). Qualquer destes sintomas com mais de 3 semanas de duração, e para os quais não exista outra causa identificada, especialmente se for progressivo e em doentes com fatores de risco são muito sugestivos de um cancro de cabeça e pescoço. Nódulos cervicais também são um achado comum e, por vezes, é o primeiro sintoma referido pelos doentes. Porém, como já são metástases regionais dos cancros, já são sintoma de tumores avançados.
Por fim, é de referir que o tratamento dos cancros da cabeça e pescoço, apesar de relativamente eficazes, pelas particularidades anatómicas e fisiológicas da região, podem afetar temporária ou definitivamente funções tão básicas quanto comer, falar, respirar, sorrir e ainda os sentidos tao essenciais como o paladar, olfato e a visão. A estética e as relações sociais também poderão ser afetadas pela presença de sondas, traqueostomias e cicatrizes em um local sempre exposto do nosso corpo e que é o nosso “cartão de visita”. Dessa forma, tão importante quanto controlar o cancro de um doente, é minimizar as sequelas decorrentes do tratamento dos sobreviventes e reintegrá-los na sociedade. O que nos leva novamente ao tema central da campanha deste ano. Quanto mais precoce for a deteção dos tumores, mais eficaz é o tratamento, menores serão as sequelas, e mais fácil é a reabilitação de cada indivíduo.