Plano Nacional de Saúde 2021-2030: Sociedade Portuguesa de Nefrologia preocupada com a não priorização da doença renal crónica
No âmbito da consulta pública do Plano Nacional de Saúde (PNS) 2021-2030, a Sociedade Portuguesa de Nefrologia dirigiu-se ao Grupo de Trabalho responsável por este plano manifestando a sua preocupação “pelo facto de a doença renal crónica praticamente não ser contemplada enquanto objetivo de cuidado em Saúde em Portugal na próxima década”. A sociedade científica reforça que esta é uma doença com uma enorme prevalência – que afeta cerca de um em cada 10 indivíduos – e cuja incidência tem vindo a aumentar, sendo estes apenas alguns dos motivos pelos quais “não nos é inteligível que esta problemática não mereça outra atenção neste pilar dos cuidados em Saúde em Portugal, como aliás tem vindo a acontecer em outros países”.
Durante o período de Consulta Pública do documento por vós elaborado, nós, Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN), pudemos analisar o vosso documento e nessa qualidade, vimos por este meio manifestar a nossa preocupação pelo facto de a doença renal crónica praticamente não ser contemplada enquanto objetivo de cuidado em Saúde em Portugal na próxima década.
De acordo com várias fontes, a doença renal crónica (DRC) é uma doença prevalente1, estimando-se que 1 em cada 10 pessoas a apresentem.
Em Portugal, apesar dos dados de prevalência da DRC em estadios 1 a 5 (antes da necessidade de uma terapêutica de substituição da função renal – TSFR) poderem ser poucos, existe evidência suficiente para constituir motivo de apreensão. Citamos, por exemplo, o estudo RENA2 em que cerca de 20% da população portuguesa apresenta algum grau de DRC ou, mais recentemente, o estudo CaReMi CKD3, no qual podemos verificar uma prevalência de 10% de DRC de acordo com dados recolhidos dos registos do SPMS.
Já em diálise, a própria SPN dispõe de um registo público onde tanto a incidência como a prevalência da DRC estadio 5 com necessidade de TSFR é elevadíssima. Em 2020, mais de 2000 novos doentes iniciaram alguma TSFR e o país apresentou uma prevalência de 2011.31 pmp de doentes em TSFR, ou seja, mais de 20 mil doentes ou estão em diálise ou foram já transplantados. De acordo com o Registo da European Renal Association, esta prevalência é mesmo uma das mais altas de toda a Europa.4
Dados não menos preocupantes mostram que a prevalência da DRC deverá aumentar e, em 2040, será a quinta principal causa de anos de vida perdidos por doença5.
Como se este impacto, a nível individual e social, não fosse suficientemente angustiante, também a nível financeiro e económico é bastante inquietante. Embora apenas 0.1-0.2% da população geral seja submetida a algum tipo de TSFR, esse grupo consome pelo menos 2% e até 5-6% do orçamento dos cuidados de saúde6. Estima-se, aliás, que cada doente custe ao Estado cerca de 80000€/ano.7, 8
Segundo dados do estudo CaReMi CKD3, a DRC em Portugal acarreta mais custos que a insuficiência cardíaca, o enfarte agudo de miocárdio ou a doença arterial periférica, o que não acontece por exemplo na vizinha Espanha. Um artigo publicado há uma semana identifica a DRC como uma das que mais custos traz aos serviços de saúde, sugerindo que medidas políticas devem ser tomadas com base nesta evidência.9
Apesar de a doença renal poder ser uma “doença silenciosa” com poucos ou nenhuns sintomas até estádios mais tardios, é também verdade que a doença renal pode ser prevenida (ou melhor, a sua progressão) abordando fatores de estilo de vida, como a otimização de nutrição, aumento da atividade física, parar de fumar ou mesmo com fármacos que provaram ter forte impacto na progressão da doença e na mortalidade, por melhoria dos outcomes cardiovasculares.
A SPN, sendo uma Sociedade Científica, congrega os seus esforços no apoio, divulgação e promoção de iniciativas que visam o estudo da doença renal que, em última análise, resultam no benefício das pessoas que sofrem destas patologias e, embora reconheçam a importância de outras patologias crónica identificadas neste documento, como o cancro e a diabetes, parece-nos que a DRC já é um problema de saúde com uma dimensão que justifique a sua inclusão nas áreas prioritárias de intervenção na próxima década.
Esta é uma preocupação global e não apenas da SPN como se pode constatar nas iniciativas levadas a cabo junto do Parlamento Europeu pela European Kidney Health Alliance (EKHA)10 -12 da qual a SPN é associada.
Assim, não nos é inteligível que esta problemática não mereça outra atenção neste pilar dos cuidados em Saúde em Portugal, como aliás tem vindo a acontecer em outros países.
A nossa proposta é a inclusão da doença renal crónica na vertente de identificação precoce, critérios de referenciação para consultas de nefrologia, medidas de nefroprotecção e tratamento modificador do prognóstico num sub-capítulo da estratégia para a diabetes e/ou doença cardiovascular.
Embora estas preocupações já tenham sido identificadas pela sub-comissão de Epidemiologia e Prevenção da Doença Renal (incluída na Comissão Nacional de Acompanhamento da Diálise, da Direção Geral da Saúde) a SPN está disponível para colaborar e participar numa estratégia global do PNS.
Ficamos assim ao dispor para qualquer outro esclarecimento ou apoio para dar a devida atenção a uma situação que nos é tão cara.