Pedro Marques distinguido com o prestigiado Early Investigator Award 2025
Distinguido com o prestigiado Early Investigator Award 2025 pela Endocrine Society — uma das mais importantes sociedades científicas de Endocrinologia a nível mundial — Pedro Marques faz parte da nova geração de endocrinologistas e investigadores em Portugal. Médico endocrinologista, docente na Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa e investigador dedicado ao estudo dos tumores da hipófise, tem-se destacado internacionalmente pelo seu contributo inovador na área do microambiente tumoral dos adenomas hipofisários.
Nesta entrevista ao Raio-X, partilha o significado pessoal e profissional desta distinção, descreve os principais avanços científicos da sua investigação e reflete sobre os desafios e oportunidades no futuro da Endocrinologia.
Raio-X (RX): O que representa para si, a nível pessoal e profissional, a distinção com o Early Investigator Award 2025 pela Endocrine Society?
Pedro Marques (PM): Ter recebido este prémio é muito relevante para mim em termos profissionais, por representar o culminar do reconhecimento e validação do meu trabalho e dos projetos de investigação que desenvolvi nos últimos anos na área do microambiente tumoral dos adenomas hipofisários. Trata-se de um prémio competitivo, atribuído pela Sociedade Americana de Endocrinologia (Endocrine Society), que muito me honrou receber, conferindo credibilidade e visibilidade aos meus projetos e à minha área de investigação ao mais alto nível. É também um estímulo para continuar a dedicar a minha carreira à hipófise e à Neuroendocrinologia.
RX: Como recebeu a notícia da atribuição do prémio?
PM: A notícia, recebida por email, deixou-me naturalmente muito feliz, pelo reconhecimento do meu trabalho e do meu percurso na investigação em hipófise. Quando me candidatei ao prémio, tinha alguma esperança de que me fosse atribuído, mas, ao mesmo tempo, estava plenamente consciente de que se trata de uma distinção extremamente competitiva, com investigadores de todo o mundo a concorrer, muitos deles oriundos de instituições de grande reputação e dotadas de vastos recursos humanos, financeiros e logísticos. Por isso, sabia que a probabilidade de ser distinguido seria reduzida. Creio que todos os anos há dezenas — se não mesmo centenas — de candidaturas de médicos e investigadores com muito talento e percursos distintos na área da Endocrinologia, o que torna este prémio ainda mais difícil de alcançar. Felizmente, fui distinguido este ano, o que constitui um grande reconhecimento pessoal e profissional. Ao mesmo tempo, é também um motivo de orgulho e uma fonte de motivação para o meu grupo de investigação e para a Endocrinologia Nacional.
RX: Esta distinção é atribuída a jovens investigadores com trabalho de excelência. Quais considera serem os principais contributos da sua investigação que justificam este reconhecimento?
PM: Os meus estudos dos últimos anos contribuíram de forma significativa para o avanço do conhecimento sobre o microambiente tumoral nos adenomas da hipófise. Quando iniciei o meu doutoramento na Queen Mary University of London, em 2017, havia muito poucos estudos publicados nesta área e o microambiente dos tumores hipofisários era ainda pouco explorado. As minhas duas principais publicações, em 2019, em revistas científicas de referência, permitiram estudar o secretoma de citocinas em culturas primárias de tumores hipofisários e em fibroblastos isolados desses mesmos tumores. Estes trabalhos vieram aprofundar o conhecimento da biologia destes tumores e levantar hipóteses relevantes quanto à identificação de novos biomarcadores que possam ser úteis no diagnóstico, prognóstico e eventual tratamento dos adenomas hipofisários.
Em 2020, estudei o impacto destas citocinas na angiogénese dos adenomas hipofisários. Mais recentemente, num estudo publicado este ano, avaliámos o papel da quimiocina CCL2 no microambiente dos tumores hipofisários — uma das principais citocinas secretadas tanto por células tumorais como por fibroblastos nestes tumores, mas que nunca tinha sido estudada neste contexto. O nosso trabalho, realizado numa coorte de 86 casos de tumores hipofisários, demonstrou pela primeira vez que uma maior expressão de CCL2 está associada a piores desfechos clínicos e a tumores mais agressivos e difíceis de tratar, o que posiciona esta quimiocina como um potencial biomarcador de valor prognóstico.
Verificámos também que a expressão aumentada de CCL2 modula mecanismos oncogénicos importantes em tumores hipofisários, nomeadamente a angiogénese e a transição epitélio-mesenquimatosa. Os nossos dados são ainda promissores do ponto de vista terapêutico, uma vez que existem já fármacos capazes de bloquear a ação da CCL2 e que poderão, no futuro, revelar-se úteis no tratamento de doentes com tumores hipofisários agressivos, resistentes ou metastáticos — um tópico que pretendemos aprofundar em próximos estudos.
RX: O seu trabalho centra-se na investigação dos adenomas hipofisários e no microambiente tumoral da glândula hipófise. Pode explicar, de forma acessível, o que é o microambiente tumoral e porque é tão relevante estudá-lo?
PM: O conceito de microambiente tumoral (ou, em inglês, tumor microenvironment) designa o conjunto de células, moléculas e estruturas que circundam e interagem com as células tumorais no interior de um determinado tumor. O microambiente tumoral inclui, portanto, não apenas as células tumorais, mas também um vasto conjunto de outras células não tumorais, como células do sistema imunitário (por exemplo, linfócitos ou macrófagos), células estromais como os fibroblastos, células endoteliais que compõem os vasos sanguíneos, a matriz extracelular, bem como as diversas moléculas responsáveis pela comunicação e interação entre as células tumorais e não tumorais no seio do próprio tumor — nomeadamente citocinas, quimiocinas e fatores de crescimento.
Estudar o microambiente tumoral é, por isso, particularmente relevante, já que ele influencia diretamente o crescimento e a progressão dos tumores, a sua agressividade biológica, a resposta aos tratamentos e, consequentemente, os respetivos desfechos clínicos. A compreensão aprofundada das interações que ocorrem no microambiente pode revelar-se crucial para o desenvolvimento de novas terapias — sobretudo no domínio da imunoterapia — que permitam um tratamento mais eficaz destes tumores, em especial daqueles que apresentam um comportamento mais agressivo ou que se mostram resistentes às abordagens terapêuticas convencionais.
RX: Que novas perspetivas terapêuticas este foco de investigação pode abrir para os doentes com tumores da hipófise?
PM: Compreender o papel do microambiente tumoral e dos seus diferentes componentes — como as citocinas e as células imunitárias — na biologia dos adenomas hipofisários permitirá identificar novos biomarcadores úteis para o diagnóstico e prognóstico da doença. Do ponto de vista terapêutico, este conhecimento poderá também contribuir para o delineamento de novos alvos e estratégias de tratamento, sobretudo no domínio da imunoterapia, com particular relevância para os casos mais agressivos, resistentes às terapêuticas convencionais ou eventualmente metastáticos.
Estas abordagens incluem, por exemplo, o desenvolvimento de fármacos que potenciem a eficácia do sistema imunitário no combate às células tumorais ou que bloqueiem mediadores-chave do microambiente tumoral — como é o caso dos fármacos anti-CCL2, nomeadamente o carlumab, já utilizado em outros tipos de cancro. Por outro lado, uma melhor compreensão do microambiente poderá igualmente permitir aumentar a eficácia dos tratamentos atualmente disponíveis para os tumores hipofisários, contribuindo assim para melhorar os resultados terapêuticos nos casos mais complexos e refratários.
RX: A investigação nesta área tem evoluído nos últimos anos? Que desafios ainda persistem?
PM: A investigação do microambiente tumoral dos adenomas hipofisários tem evoluído bastante na última década, para o que os nossos estudos têm sido determinantes. Mas há, de facto, ainda muitas lacunas no conhecimento mais básico e fundamental dos tumores da hipófise. Efetivamente, há um grande contraste entre aquilo que se sabe sobre os tumores da hipófise e o que se conhece relativamente a outros cancros, como o melanoma ou os cancros da mama ou do pulmão — áreas em que a investigação tem sido mais ativa e onde há um número substancialmente maior de estudos publicados.
O estudo do microambiente em tumores da hipófise enfrenta vários desafios. Os tumores da hipófise são relativamente raros quando comparados com outros tumores sólidos, o que se traduz na dificuldade de obtenção de amostras suficientes para estudos mais robustos. Há uma grande heterogeneidade molecular e clínica entre os diferentes tipos de adenomas hipofisários, o que complica a generalização dos resultados.
Por outro lado, existem poucos modelos animais ou celulares que permitam estudar e/ou reproduzir fidedignamente o microambiente dos tumores da hipófise. A realização de culturas primárias de tumores hipofisários é tecnicamente difícil; por vezes, as amostras de tecido após cirurgia são muito escassas, devido à reduzida dimensão destes tumores, e modelos in vitro, como organoides ou culturas tridimensionais, ainda estão em desenvolvimento e são menos abundantes do que noutros tipos de tumores mais estudados (por exemplo, o cancro da mama ou do pulmão).
Outros desafios técnico-experimentais prendem-se com a pequena quantidade de tecido disponível em cirurgias hipofisárias, o que limita a quantidade de material tumoral para estudo e aplicação de metodologias mais avançadas, bem como a dificuldade em obter tecido hipofisário normal e viável para estudos comparativos.
RX: Até que ponto este conhecimento mais profundo do microambiente tumoral poderá, no futuro, traduzir-se em tratamentos mais eficazes e personalizados?
PM: Um conhecimento mais profundo do microambiente dos tumores da hipófise tem um enorme potencial para melhorar o tratamento destes tumores, pois pode contribuir para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e personalizados. A compreensão das interações no microambiente, bem como da sua composição e funcionamento, pode conduzir ao desenvolvimento de terapêuticas específicas e altamente direcionadas.
Por outro lado, identificar biomarcadores prognósticos ou indicativos de maior agressividade pode permitir o desenvolvimento de estratégias de tratamento mais ou menos invasivas e personalizadas, em função do tipo de tumor em causa. Muitas vezes, a resistência à terapêutica convencional ocorre devido ao microambiente e, por conseguinte, intervenções terapêuticas que modifiquem esse microambiente poderão aumentar a sensibilidade aos tratamentos existentes, melhorando a eficácia da terapêutica e reduzindo as taxas de recidiva.
Com o aprofundamento do conhecimento sobre o microambiente dos tumores hipofisários, será possível explorar terapêuticas inovadoras, como, por exemplo, imunoterapia dirigida ao tumor hipofisário ou a componentes específicos do microambiente (como macrófagos ou citoquinas específicas), terapia génica local ou, eventualmente, nanomedicamentos que atuem no microambiente.
Portanto, estudar o microambiente dos tumores da hipófise não só ajudará a compreender melhor a biologia destes tumores, mas também permitirá identificar tratamentos mais eficazes, menos invasivos e personalizados, aumentando as taxas de sucesso terapêutico e a qualidade de vida dos nossos doentes.
RX: Que mensagem gostaria de deixar a jovens médicos e investigadores que estejam a iniciar percurso na área da Endocrinologia e da investigação translacional?
PM: Para aqueles que estão a iniciar um percurso na área da Endocrinologia e da investigação translacional em Endocrinologia, começaria por dizer: “bem-vindos à melhor especialidade em Medicina”, e aconselharia a prepararem-se para trabalhar arduamente numa área médica de grande complexidade, com vários domínios em que ainda há muito por descobrir.
A Endocrinologia é uma especialidade exigente, devido às complexas ações hormonais e neuroendócrinas no nosso organismo. Dado que cada hormona tem efeitos, virtualmente, em todas as células e órgãos do corpo humano, o endocrinologista precisa de ter uma visão holística e um vasto conhecimento, tanto em Endocrinologia como em Medicina Interna. Aliás, esta transversalidade de saberes é bem sublinhada no ESE Curriculum and Training Recommendation da Sociedade Europeia de Endocrinologia (disponível aqui), para o qual tive o privilégio de contribuir.
Outras mensagens muito importantes para quem começa este percurso:
- Procurem e encontrem um bom mentor/orientador, e integrem-se num serviço ou departamento com bons recursos e uma filosofia de ensino e treino adequada.
- Colaborem com outros colegas ou centros, a nível nacional ou internacional, pois os avanços mais significativos nesta especialidade têm resultado — e continuarão a resultar — da colaboração entre várias especialidades e entre profissionais de diferentes centros e países. Efetivamente, o progresso científico é, cada vez mais, multidisciplinar.
- Sejam curiosos, resilientes e pacientes, pois o conhecimento e a ciência raramente seguem caminhos lineares, e os desafios e obstáculos surgirão inevitavelmente. No entanto, em cada desafio existe uma oportunidade para aprender e crescer.
- Finalmente, lembrem-se sempre do impacto humano do vosso trabalho. Cada avanço, por mais pequeno que pareça, pode transformar o percurso de um doente ou melhorar a sua qualidade de vida e a sua sobrevida. Prossigam com paixão, ética, responsabilidade e compromisso — o futuro da Endocrinologia depende de vocês!