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Dia Mundial do Coração: o papel do exercício na prevenção

Dia Mundial do Coração: o papel do exercício na prevenção

No dia 29 de setembro, assinala-se o Dia Mundial do Coração, uma data que nos lembra da importância de cuidar da saúde cardiovascular ao longo de toda a vida. As doenças do coração continuam a ser uma das principais causas de morte em todo o Mundo, mas a boa notícia é que grande parte delas pode ser prevenida com hábitos de vida saudáveis — e o exercício físico é um dos pilares fundamentais dessa prevenção.

Para falar sobre o papel do exercício na promoção da saúde cardíaca e na redução do risco de doenças cardiovasculares, conversámos com Hélder Dores, cardiologista no Hospital da Luz Lisboa, médico do Health & Performance Department do Sport Lisboa e Benfica (SLB) e autor do livro Exercício Físico e Coração. Nesta entrevista ao Raio-X, o especialista explica por que razão a atividade física é tão importante, quais os exercícios mais recomendados para quem já tem doença cardiovascular e como podemos combater o sedentarismo e promover um coração mais saudável.

RAIO-X (RX): Porque é que o exercício físico é considerado um dos pilares mais importantes na prevenção das doenças cardiovasculares?

Hélder Dores (HD): O exercício físico constitui um dos pilares mais importantes para a prevenção das doenças cardiovasculares, principalmente porque previne e controla múltiplos fatores de risco associados ao desenvolvimento destas doenças. Entre estes destacam-se a obesidade, a hipertensão arterial, o colesterol elevado e a diabetes.

Por outro lado, mesmo em pessoas com doenças cardiovasculares já conhecidas, o exercício físico continua a ser benéfico, nomeadamente quando inserido em programas de reabilitação cardíaca. Neste contexto, é responsável pela melhoria da capacidade funcional, qualidade de vida e prognóstico dos doentes.

RX: Ainda existe resistência ou desconhecimento entre os doentes cardíacos em relação à prática de exercício físico?

HD: Sim. Há claramente pouca literacia relativamente à importância da prática de exercício físico na presença de doenças cardiovasculares. Paralelamente, existe ainda receio de que este possa agravar a condição clínica ou originar eventos cardiovasculares. Contudo, este problema não está apenas do lado dos doentes. Os próprios profissionais de saúde, incluindo médicos, devem encarar as recomendações quanto à prática de exercício como uma prioridade na sua prática clínica, permitindo aos doentes usufruir dos seus benefícios e em segurança.

RX: Como podemos combater isso?

HD: O combate a esta resistência ou desconhecimento deve ser realizado em várias frentes. Em primeiro lugar, porque estamos a falar de pessoas já com doenças cardiovasculares, é importante adquirirem junto dos médicos assistentes e de outros profissionais de saúde informação sobre os benefícios e os riscos do exercício físico, devendo este ser devidamente prescrito.

Em simultâneo, o desenvolvimento de programas educacionais e campanhas que promovam hábitos de vida saudáveis, incluindo a prática regular de exercício físico, podem ajudar a melhorar este paradigma. Outra medida essencial, e que em Portugal ainda está muito aquém do desejável, é aumentar a disponibilidade de programas e centros de reabilitação cardíaca, nas suas diferentes fases, constituídos por profissionais diferenciados nesta área.

RX: Quais são os tipos de exercício mais recomendados para pessoas que já têm doença cardiovascular?

HD: O exercício recomendado para as pessoas com doença cardiovascular depende de vários fatores, relacionados com a própria pessoa e doença. Antes de iniciar a prática de exercício é fundamental realizar uma avaliação médica detalhada para identificar eventuais características de risco elevado que possam originar complicações clínicas. Em termos genéricos, após esta avaliação, a prescrição de exercício deve ter em consideração variáveis com o modo, tipo, frequência e intensidade do mesmo. Obviamente que nas doenças mais graves ou instáveis há restrições e a intensidade de exercício deve ser mais baixa. A combinação ideal deve incluir sessões de treino aeróbio e de força, mas é essencial garantir que se recomenda uma atividade que seja estimulante, que motive e que permita ao doente manter uma adesão a longo prazo.

Em suma, não existe um tipo de exercício ideal para todas as pessoas. A escolha deve ser individualizada, envolver o próprio indivíduo no processo de decisão e garantir uma prática segura e adaptada às suas necessidades.

RX: Existem exercícios que devem ser evitados por estes doentes?

HD: Mais uma vez, depende do tipo de doença, nomeadamente da sua gravidade. Nos casos mais preocupantes, o exercício de elevada intensidade pode estar contraindicado, havendo algumas especificidades que devem ser avaliadas caso a caso. Por exemplo, nas pessoas que fazem medicação para “diluir” o sangue  (como a aspirina ou outros fármacos) deve evitar-se exercício com elevado risco de impacto ou contacto, uma vez que aumenta a probabilidade de hemorragia.

Também no cenário de pessoas com hipertensão arterial descontrolada ou doenças da artéria aorta, o treino de força de elevada intensidade deve ser evitado. Há ainda algumas doenças, sobretudo hereditárias, que se associam a morte súbita, implicando mais restrições. Noutros casos, como por exemplo nos doentes com doença das artérias coronárias, arritmias, doença valvular ou insuficiência cardíaca, é importante ter em consideração a presença de sintomas e se estes são despoletados pelo exercício.

A recomendação principal é que antes de praticarem exercício físico se procure aconselhamento junto de médicos com experiência em cardiologia desportiva ou medicina desportiva e, se possível, acompanhamento diferenciado por profissionais do exercício.

RX: Como deve ser feita a adaptação do treino nestes casos?

HD: A adaptação do treino deve ser feita gradualmente, respeitando a condição clínica e a capacidade funcional de cada pessoa. É essencial que a prescrição de exercício siga um plano estruturado e individualizado, idealmente com acompanhamento por profissionais de saúde e do exercício com experiência em doença cardiovascular, como mencionado anteriormente.               

Para além da orientação técnica durante a prática de exercício, esta supervisão é crucial para a deteção precoce de sinais e de sintomas que possam indicar descompensação da doença de base ou outros sinais de alarme, permitindo, quando justificável, realizar uma intervenção atempada.

RX: É necessário acompanhamento médico constante?

HD: A avaliação médica prévia ao início da prática regular de exercício físico é essencial, bem como periódica, sobretudo nas pessoas com risco mais elevado, para monitorizar a evolução e quando necessário ajustar o plano de exercício. O acompanhamento médico constante é habitualmente reservado para os casos mais graves, como os doentes incluídos em programas de reabilitação cardíaca, nos quais a complexidade da condição clínica justifica uma supervisão médica mais frequente.

RX: O exercício físico pode ter um papel na redução do risco de morte súbita? De que forma?

HD: A associação entre exercício físico e morte súbita é geralmente abordada na perspetiva negativa devido aos casos inesperados que ocorrem em atletas aparentemente saudáveis. Contudo, de forma mais global, existem várias doenças associadas a morte súbita que podem ser prevenidas pela prática de exercício físico. Um exemplo claro é a doença das artérias coronárias, especialmente por enfarte agudo do miocárdio, que constitui a principal causa de morte súbita nos atletas veteranos. O exercício físico contribui para a prevenção e para o controlo dos principais fatores de risco cardiovascular, diminuindo, assim, a probabilidade do desenvolvimento desta doença e da ocorrência de morte súbita que constitui, por vezes, a sua apresentação clínica.

RX: Com que idade é que deve começar a preocupação com a saúde cardiovascular e com a prática de exercício?

HD: De forma geral, não existe uma idade específica para começar a preocupação com a saúde cardiovascular, mas diria que quanto mais cedo melhor. Promover hábitos de vida saudáveis desde a infância, nomeadamente a prática regular de exercício físico, tanto no ambiente familiar como escolar, é essencial para o desenvolvimento de adultos mais saudáveis no futuro. A adoção precoce de um estilo de vida fisicamente ativo terá um impacto mais eficaz e duradouro na prevenção de doenças cardiovasculares, com benefícios para a saúde individual e coletiva.

RX: Que conselhos deixaria a quem leva uma vida sedentária e quer começar a mover-se por um coração mais saudável?

HD: O primeiro passo é reconhecer que está na altura de mudar. É fundamental ter consciência de que o sedentarismo representa um risco significativo para a saúde, enquanto a adoção de um estilo de vida mais ativo traz múltiplos benefícios, sobretudo, mas não só, a nível cardiovascular.

É igualmente crucial desmistificar a ideia de que praticar exercício exige muito tempo, equipamentos caros ou atividades complexas. Estes argumentos não passam de pretextos e desculpas! É possível começar com uma atividade simples, acessível e, acima de tudo, que seja do interesse de cada pessoa. Desta forma é possível aumentar a motivação e melhorar a adesão à prática de exercício a longo prazo.

RX: Em que medida o seu livro pode ajudar a desmistificar o papel do exercício físico na Cardiologia?

HD: O livro “Exercício Físico e Coração” visa ajudar todas as pessoas que desejam iniciar ou manter a prática regular de exercício físico. Tanto atletas como pessoas com doença cardiovascular e profissionais de saúde e do exercício podem encontrar conteúdos úteis e adaptados às diferentes realidades, tendo por base a evidência científica.

Ao longo do livro, de forma transversal e com uma linguagem acessível, tento explorar a relação entre o exercício físico e a saúde cardiovascular nas suas várias vertentes. São discutidos temas como os benefícios da atividade física, a metodologia de prescrição de exercício, as particularidades na presença de doença cardiovascular, a identificação de sinais de alarme, os comportamentos a adotar em situações de emergência, a problemática da morte súbita no desporto e a importância da avaliação médica prévia.

Em suma, este livro tem como objetivo principal contribuir para que mais pessoas pratiquem exercício físico de forma segura e adequada, ambicionando promover uma vida mais longa e com melhor qualidade.

Experiência Clínica e Desportiva

RX: Como é que a sua experiência no Sport Lisboa e Benfica e no Hospital da Luz influencia a forma como vê o papel do exercício na prevenção cardiovascular?

HD: A minha experiência clínica no Sport Lisboa e Benfica e no Hospital da Luz Lisboa é complementar, tendo sempre por base o exercício físico. Se no clube avalio atletas de elevado nível competitivo, tendo como principal foco a avaliação pré-competitiva, no hospital, para além da avaliação de atletas, tanto de nível competitivo como recreativo, tenho como responsabilidade a avaliação de pessoas já com doença cardiovascular, mais especificamente pela coordenação do programa de reabilitação cardíaca.

Estas diferentes perspetivas enquadram-se naquilo que considero ser o papel do exercício físico, que deve ser encarado como um verdadeiro medicamento e um pilar essencial quer na prevenção primária quer secundária. Na prática, tanto no atleta como no doente, a ideia base da minha atividade clínica é que as pessoas continuem a prática de exercício físico em segurança, contribuindo para alcançarem os seus objetivos, sejam eles marcar mais um golo, ganhar mais uma medalha ou ter uma vida com mais qualidade.

RX: O que podemos aprender com os atletas de alta competição sobre a relação entre treino, saúde e longevidade cardíaca?

HD: Os atletas de alta competição valorizam a avaliação médica regular, não só para minimizar o risco de eventos clínicos durante a prática desportiva, mas também pela importância de manterem o seu rendimento ao mais alto nível, no qual a componente clínica é um aspeto fulcral. Mesmo que, por vezes, seja por exigência regulamentar, este acompanhamento médico reflete uma cultura de maior preocupação com a saúde, constituindo um exemplo a seguir pela população geral.

Para além disso, quem pratica desporto desde cedo tende a ter uma menor incidência de várias doenças crónicas a longo prazo, incluindo as cardiovasculares. Existem, naturalmente, algumas particularidades, como nos casos dos praticantes de exercício extremo, que em contextos muito específicos pode associar-se ao desenvolvimento de algumas alterações cardíacas patológicas. Porém, a evidência é robusta e a prática regular de exercício físico está associada a uma melhor saúde cardiovascular e maior longevidade, desde que realizada de forma adequada.

Por Rita Rodrigues