Encontros da Primavera: Oncologia nacional debate temas controversos
No arranque dos Encontros da Primavera, que decorrem até ao próximo dia 10, no ÉvoraHotel, a Comissão Organizadora falou ao Raio-X sobre alguns temas que vão estar no centro do debate.
O desafio foi lançado: uma questão para cada um dos membros da Organização sobre a sessão em que estarão mais envolvidos ao longo do evento. O resultado final é o reflexo da multidisciplinariedade e variedade temática que caracteriza o programa científico daquele que é um dos mais prestigiados eventos da Oncologia Nacional.
Ana Castro, Ana Pais, Hélder Mansinho, Joana Augusto, Margarida Damasceno, Miguel Barbosa, Noémia Afonso e Sandra Bento comentam as últimas novidades e controvérsias da área.
RX – Neste último ano, muito se tem falado de novas imunoterapias, nomeadamente anti-PD1 e anti-PDL1, e de alguns biomarcadores (PDL1) que parecem ser preditivos de resposta a estas terapêuticas. De que forma poderão contribuir para uma melhor seleção dos doentes candidatos a este tratamento?
Ana Castro – É com enorme prazer que organizamos uma vez mais este curso de Imuno-Oncologia nos EP 2016. Em relação a este tema muito se tem dito e escrito no último ano. Foram aprovadas novas indicações para os novos agentes os anti-PD1 (ex: cancro do pulmão), e de outras se esperam dados os excelentes resultados alcançados nos ensaios fase 3 que entretanto foram apresentados em congressos internacionais (ex. carcinoma do rim) e que aguardamos a apresentação próxima na ASCO 2016 (ex. cancro de cabeça e pescoço).
Com tantas novas indicações, seria desejável podermos ter um biomarcador que nos pudesse ajudar a selecionar os melhores candidatos a estas terapêuticas, mas a expressão do PDL1 ainda não é um marcador que possamos utilizar exclusivamente, isto porque existem diferenças na sua expressão e quantificação de acordo com o teste utilizado e, por outro lado, os doentes com maior expressão parecem ter melhores resultados, mas os que não expressam este marcador ainda apresentam benefício, mesmo que este seja menor.
Assim, ainda nos falta percorrer um longo caminho para podermos aferir quais os melhores doentes para cada uma das terapêuticas, que poderá passar por algo mais complexo como assinaturas genéticas.
Convidamos todos a estarem presentes nestes EP 2016 onde serão certamente discutidos estes temas e muito mais.
RX – A tromboprofilaxia é frequentemente desvalorizada na abordagem do doente oncológico. Neste contexto, vão ser apresentados novos dados com base no inquérito promovido pelo Grupo de Estudos de Cancro de Trombose (GESCAT)?
Ana Pais – Sempre que se instituem medidas profiláticas, o intuito é minimizar os riscos e promover a saúde. Em Oncologia, no contexto do tromboembolismo venoso, a profilaxia assume particular importância, atendendo a que estamos a lidar com uma causa importante de morbilidade e a segunda causa de morte no doente oncológico, potencialmente evitável.
O GESCAT tem desenvolvido esforços no sentido de sensibilizar para esta realidade e consequente mudança de paradigma. Nos Encontros da Primavera 2014, iniciámos um projeto de identificação da prática clínica e avaliação do nível de conhecimento e importância do tema na comunidade oncológica. Decorridos dois anos vamos dar continuidade a esse projeto com a apresentação dos dados atualizados do inquérito.
Acreditamos que a tromboprofilaxia é um compromisso crescente dos profissionais de saúde e das instituições hospitalares. Estamos convictos de que os dados a apresentar vão seguramente reforçar esta realidade.
Desafio-vos a estarem presentes!
RX – Qual o racional para a utilização de terapia rechallenge em doentes com cancro do cólon metastático que progrediu? Quais os resultados evidenciados na investigação clínica?
Hélder Mansinho – Este ano ponderou-se refletir sobre os dados clínicos disponíveis sobre o rechallenge terapêutico no tratamento dos doentes com cancro colorretal metastático. Esta prática é, frequentemente, realizada por necessidade, resultante da falta de alternativas terapêuticas, dado que não existem dados sólidos capazes de consubstanciarem uma estratégia definida enquanto algoritmo terapêutico desta patologia.
Para abordar este tema serão analisados os mecanismos de resistência às drogas, visando demonstrar que a heterogeneidade tumoral é facilitadora desses mesmos mecanismos. A caracterização dos biomarcadores RAS e B-RAF não é um fenómeno de tudo ou nada. Saliente-se que, com técnicas mais sensíveis, é possível provar que nos tumores dados como Wild Type existem clones mutados; além disso, a mutação do B-RAF e K-RAS não são mutuamente exclusivas, verificando-se ainda que os mecanismos de resistência podem ser múltiplos num só tumor, sendo imprescindível perceber qual aquele que será o principal.
Irá ser analisado um estudo que, apesar de envolver um número pequeno de doentes, mostra claramente que, após seis meses de paragem de terapêutica com inibidores do EGFR, se verifica de novo uma resposta com uma magnitude de 54% dos doentes tratados.
Conclui-se que o processo de resistência tumoral e a resposta ao tratamento são processos dinâmicos e que os clones tumorais reagem à pressão causada pela terapêutica com mecanismos diversos de resistência. Infere-se ainda que depois da paragem dessa mesma terapêutica todos esses mecanismos de resistência desaparecem progressivamente, podendo após um determinado intervalo de tempo serem de novo “desafiados” com benefício objetivo para a sobrevivência dos doentes.
RX – Face à emergência e aos resultados otimistas da imunoterapia no melanoma, qual o lugar das terapêuticas convencionais, tais como quimioterapia, radioterapia e terapêuticas dirigidas?
Joana Augusto – O avanço da investigação científica tem permitido demonstrar a superioridade da imunoterapia e de terapêuticas alvo/dirigidas em detrimento da quimioterapia no tratamento do melanoma irressecável ou metastático, tanto nas taxas de resposta como no prolongamento de sobrevida, associados a eventos adversos diferentes, mas facilmente manuseáveis. Atualmente, o desafio do tratamento do melanoma avançado passa pela discussão multidisciplinar da melhor abordagem para cada doente e a definição da melhor sequenciação das terapêuticas disponíveis, nomeadamente a imunoterapia e terapêuticas alvo.
Face à eficácia limitada da quimioterapia, a sua utilização deve apenas ser considerada quando as novas terapêuticas não estão disponíveis.
A radioterapia apresenta um papel limitado no tratamento do melanoma, em diferentes estádios da doença, contudo as suas indicações são pontuais em casos selecionados, sem impacto na sobrevida global do doente.
RX – À luz dos resultados do relatório da DGS do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, apesar de não ser o mais incidente, o cancro do pulmão é o que mais mata. Quais os fatores que estão na base desta realidade?
Margarida Damasceno – O cancro do pulmão, para além da agressividade do tumor, é frequentemente diagnosticado em fase avançada da doença. Embora com elevada mortalidade, tem melhor prognóstico do que o cancro do pâncreas, apenas mata mais por ser muito mais frequente, não sendo rastreável, pelo que o diagnóstico é muitas vezes tardio.
No entanto grandes têm sido os avanços no tratamento do cancro do pulmão, desde as terapêuticas alvo à imunoterapia, com eficácia comprovada no cancro do pulmão, pelo que, tendo já sido aumentada a sobrevivência global, esperamos também diminuir a mortalidade por cancro do pulmão
RX – Na abordagem do cancro da próstata, estamos hoje mais próximos de uma Oncologia personalizada/de precisão?
Miguel Barbosa – Nos últimos anos assistimos ao surgimento de novas opções no tratamento do cancro da próstata metastático resistente à castração, como a abiraterona ou a enzalutamida. A escolha da melhor sequência de tratamento com vista à otimização do controlo da doença constitui um dos principais desafios que se coloca ao clínico assistente.
Simultaneamente, e à medida que aumenta a sobrevivência global do cancro da próstata metastático resistente à castração, as questões relacionadas com a qualidade de vida assumem uma importância crescente: será que todas as estratégias de tratamento apresentam o mesmo grau de evidência científica no controlo da dor, da fadiga ou na preservação da capacidade de esforço dos doentes? E qual a perceção do doente sobre a real eficácia do tratamento?
Sexta-feira, dia 8 de abril, na sessão dedicada ao cancro génito-urinário com inicio às 16 horas irá procurar-se dar resposta a estas e outras questões tendo por base os últimos dados publicados.
RX – Quais os principais ganhos nos últimos anos na área do cancro da mama? No âmbito deste tema, o que vai ser discutido nos EP?
Noémia Afonso – A discussão de temas pertinentes da área do cancro da mama tem sido constante em todos os Encontros da Primavera. Nestes EP2016 foram selecionados temas atuais e controversos que, esperamos, suscitem interesse e partilha de experiências entre colegas com diferentes vivências, que têm neste local uma oportunidade única para se reunirem.
O alargamento na prática clínica ao recurso ao tratamento neoadjuvante, justificou a proposta de discussão em torno do impacto da resposta patológica completa no prognóstico a longo prazo, e a abordagem em função do subtipo de cancro da mama, em particular no associado a sobre-expressão HER2. Uma outra vertente, focando o cancro da mama metastático, salienta-se pelo desenvolvimento de novas terapêuticas – novos fármacos e associações de fármacos – destacando-se a possibilidade de reversão de resistência a tratamentos. Será discutida a definição da mais eficaz forma de sequenciação terapêutica, com a associação de novas abordagens aos tratamentos convencionais, considerando importante o papel de todos. A administração metronómica de quimioterapia, apesar de utilizada com frequência na prática clínica, tornou-se, recentemente, alvo de discussão e de investigação com vista a melhor esclarecer o seu papel no cancro da mama. Vamos contar com a participação de quatro palestrantes de reconhecimento internacional na área clinica e investigacional na discussão destes temas.
Num outro ambiente serão abordadas questões importantes e ainda controversas, nomeadamente relativas à abordagem cirúrgica (margens cirúrgicas e gânglio sentinela no contexto do tratamento neoadjuvante) e do carcinoma da mama in situ.
Aguardamos pela participação ativa de todos!
RX – Qual o papel dos biomarcadores na classificação dos tumores gástricos e na eleição da melhor estratégia terapêutica?
Sandra Bento – A neoplasia gástrica é uma doença heterogénea, continuando a ser uma das principais causas de morte por cancro, pelo que a identificação de biomarcadores com valor diagnóstico e prognóstico constitui uma necessidade.
Classicamente são utilizados o CEA e o CA19.9, mas de utilidade reduzida, pela sua baixa sensibilidade.
Na abordagem diagnóstica e terapêutica do cancro gástrico, faz parte a avaliação do Her 2, sendo a sobrexpressão de Her2 considerada um marcador preditivo de resposta ao trastuzumab. No último ano foi também aprovado um novo fármaco anti- VEGFR, o ramucirumab, em contexto de tratamento de segunda linha.
Outros biomarcadores têm vindo a ser estudados (ex. caderina-E, ERCC1, p53, MSI, LOH, infiltração linfocitária,…), na maior parte ainda considerados investigacionais e de limitada aplicação prática clinica diária.
Recomendo a sessão dedicada ao cancro gástrico, onde serão abordadas as novas estratégias terapêuticas e a sua integração no tratamento do doente com cancro gástrico.
Ana Castro – Oncologista no Hospital de Santo António
Ana Pais – Oncologista no IPO Coimbra
Hélder Mansinho – Oncologista no Hospital Garcia de Orta
Joana Augusto – Oncologista no Hospital Espírito Santo de Évora
Margarida Damasceno – Oncologista no Hospital de São João
Miguel Barbosa – Oncologista no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
Noémia Afonso – Oncologista no IPO Porto
Sandra Bento – Oncologista no Hospital Distrital de Santarém
Para mais informações, aceda à página oficial do evento AQUI.
Cátia Jorge e Patrícia Rebelo