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Breve História da Cirurgia Metabólica

Breve História da Cirurgia Metabólica

O Raio-X partilha um artigo de opinião de Gil Faria, cirurgião especialista em Cirurgia da Obesidade e Metabolismo, que aborda uma doença crónica multifatorial, já reconhecida pela OMS como a grande epidemia do séc. XXI: a obesidade.  As soluções médicas existentes para travar esta patologia, designadamente as cirurgias bariátricas, assim como os novos fármacos que tanto se tem falado e que podem, no seu entendimento, ser bons aliados no combate à obesidade são alguns pontos abordados neste artigo. 

Reporta-se à Espanha do século X a primeira utilização da cirurgia metabólica. D. Sancho, Rei de Leão, tinha uma obesidade tão grave que, alegadamente, não conseguia caminhar, cavalgar ou pegar numa espada. Por esse motivo, perdeu o seu trono! A sua avó levou-o até Córdoba onde foi tratado por um famoso médico judeu, que lhe suturou os lábios e apenas o alimentou, por uma palhinha, com uma mistura líquida de diversas ervas que estimulavam a perda de peso. D. Sancho perdeu metade do seu peso, regressou a León e recuperou o seu trono.

A cirurgia da obesidade apenas saiu da obscuridade nos anos 90, apesar de alguns relatos na literatura da segunda metade do século XX. A primeira cirurgia metabólica foi reportada na literatura científica, em 1954, e consistia numa cirurgia de derivação jejunoileal com inativação de grande parte do intestino delgado. O objetivo da cirurgia era o controlo da hiperlipidemia familiar, mas estava associada a formas graves de diarreia e desnutrição. Em 1966, um cirurgião da Universidade de Iowa (nos EUA), após reparar que os doentes submetidos a gastrectomia por cancro, perdiam grandes quantidades de peso, propôs o primeiro Bypass Gástrico, o que resultou em grandes perdas de peso, sem as complicações das derivações jejunoileais.

No início dos anos 80, descobriu-se também que, além de tratar a obesidade, o Bypass Gástrico era uma forma muito eficaz de controlar rapidamente a Diabetes Mellitus tipo 2. Mas só em 1994, com a realização do primeiro Bypass Gástrico por via laparoscópica, é que se iniciou o crescimento exponencial e a cirurgia metabólica estava pronta para assumir o papel principal. Com o aumento dos números deste tipo de operação, surgiram várias adaptações técnicas do Bypass Gástrico por via laparoscópica, com o objetivo de otimizar os resultados e diminuir as complicações.

Como alternativa ao Bypass Gástrico, surgiram técnicas consideradas puramente restritivas, que diminuíam a capacidade de ingestão de alimentos. A mais famosa destas técnicas foi a Banda Gástrica, em que a colocação de um anel de silicone ajustável à volta do estômago limitava a capacidade de ingerir alimentos. Era uma técnica simples e com baixo risco operatório, mas, entretanto, foi praticamente abandonada por falência de resultados e complicações a longo prazo.

Por outro lado, diversos cirurgiões acreditavam que era necessário provocar má absorção intestinal para a perda de peso bem-sucedida. Devido às complicações das derivações jejunoileais, foram propostas várias alterações técnicas, e desenhadas cirurgias que associavam uma divisão do estômago a uma inativação de parte muito significativa do intestino delgado. Apesar do sucesso destas técnicas na perda de peso (Cirurgia de Scopinaro, Switch Duodenal, etc.) a sua complexidade técnica e risco de má nutrição fizeram com que nunca fossem a abordagem prioritária.

Devido à complexidade técnica do Switch Duodenal por via laparoscópica, um cirurgião no Canadá propôs que a cirurgia pudesse ser realizada em dois tempos, sendo que o primeiro fosse a parte da Gastrectomia vertical (Gastric Sleeve). No entanto, ao final de alguns meses, os doentes submetidos a este procedimento tinham perdido grandes quantidades de peso e não necessitavam da parte da derivação intestinal. Foi assim proposta a técnica da Gastrectomia vertical (Sleeve) como cirurgia independente, com bons resultados ao nível de perda de peso e muito baixa taxa de complicações.

Desde o século X, a cirurgia metabólica percorreu um longo caminho. Hoje, percebemos que a cirurgia funciona não por mecanismos de restrição ou má absorção, mas por induzir uma profunda alteração no metabolismo dos indivíduos (e daqui a sua mudança de nome de cirurgia bariátrica para cirurgia metabólica). Temos, hoje em dia, um leque de opções com características adaptáveis a cada doente. De longos períodos de recuperação e taxas de complicações superiores a 15%, hoje conseguimos efetuar cirurgias com recuperação em poucos dias, com curtas permanências hospitalares e taxas de complicações graves muito reduzidas (<1%). Podemos, portanto, afirmar que a cirurgia metabólica consiste, atualmente, num conjunto de técnicas cirúrgicas de elevada complexidade e é extraordinariamente segura, com elevadas taxas de sucesso no tratamento da doença da obesidade.