Doença de Alzheimer: “Continua a existir muito desconhecimento e estigma”

O Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer assinala-se a 21 de setembro e, sob esse mote, o Raio-X entrevistou Catarina Alvarez, psicóloga e coordenadora de projetos da Alzheimer Portugal. Os sinais de alerta, os tratamentos e medidas preventivas foram tópicos abordados, bem como o estigma ainda existente quanto a esta patologia e a campanha “Amigos na Demência”.

Quais os sinais de alerta a que devemos estar atentos?

Existem vários sinais de alerta relacionados com alterações do nosso desempenho cognitivo, tais como, esquecimento de informação recente, dificuldades progressivas em planear, tomar decisões ou resolver problemas, em acompanhar uma conversa, desorientação no tempo e no espaço, discernimento diminuído e dificuldade em perceber imagens visuais e relações espaciais.

As demências também podem provocar alterações do humor, do comportamento (apatia, desinibição, irritabilidade, impulsividade, entre outras) e da personalidade, razão pela qual também se deve estar atento a este tipo mudanças, assim como ao afastamento progressivo do trabalho e da vida social e, em geral, a dificuldades manifestadas em executar tarefas habituais.

Quando estas alterações começam a perturbar a vida quotidiana devido à sua frequência e gravidade deve consultar-se um médico.

Muitas vezes, pode ser difícil perceber a diferença entre as mudanças características do envelhecimento dito normal e os primeiros sinais de Doença de Alzheimer ou de outra forma de demência. No primeiro caso, verifica-se uma perda progressiva de capacidades, mas que não implica uma perda de autonomia que torne a pessoa dependente de terceiros na concretização das tarefas do seu dia a dia.

Quais os meios de diagnóstico?

O diagnóstico formal de uma demência é habitualmente realizado por um médico especialista – neurologista ou psiquiatra – que recorre a diversos meios para o efeito, sendo que antes de completar a sua avaliação clínica e formular um diagnóstico, é necessário despistar primeiro outras causas médicas que possam explicar os sintomas, designadamente causas tratáveis, tais como, deficiências vitamínicas, infeções, distúrbios metabólicos e efeitos secundários dos medicamentos.

Em geral, é recolhida a história clínica do paciente, realizado um exame físico e neurológico e solicitada a realização de testes laboratoriais (análises ao sangue  e à urina), um exame de neuroimagem – habitualmente uma Tomografia Axial Computorizada (TAC) ou uma Ressonância Magnética (RM) – e pode ser também pedida uma avaliação neuropsicólogica (realizada por um psicólogo com competências específicas nesta área para avaliar o desempenho das funções cognitivas, nomeadamente da memória, atenção, linguagem, orientação, funções executivas, e identificar as funções mantidas e alteradas e a gravidade dessa alteração).  Existem outros meios de diagnóstico que poderão ser solicitados pelo médico, de acordo com cada situação específica.

Atualmente, quais os tratamentos disponíveis?

Os tratamentos existentes são de dois tipos: farmacológicos e não farmacológicos e são usados, a maior parte das vezes, de modo complementar. Apesar de não curarem nem travarem a progressão do curso da doença, existem medicamentos específicos que contribuem, de forma modesta, para melhorar sintomas, designadamente no que respeita à Doença de Alzheimer. No caso específico da demência vascular, trata-se a hipertensão, a diabetes ou a doença cardíaca com vista a reduzir o risco de novas lesões cerebrais e agravamento da deterioração cognitiva.

As intervenções não farmacológicas são várias e, ainda que não tenham todas o mesmo grau de eficácia comprovado, podem contribuir para diminuir os sintomas psicológicos e comportamentais da demência e para melhorar o funcionamento cognitivo, a autonomia, o bem-estar e a qualidade de vida. Devem ser utilizadas em função das necessidades e preferências da Pessoa com Demência e de acordo com uma avaliação das suas capacidades remanescentes, da fase de evolução da doença em que se encontra e dos sintomas que apresenta.

As principais modalidades consistem em intervenções cognitivas (treino cognitivo; reabilitação cognitiva; orientação para a realidade; estimulação cognitiva individual e em grupo) e outras intervenções psicológicas orientadas para as emoções ou para o comportamento, assim como abordagens orientadas para a estimulação sensorial (musicoterapia; arteterapia; aromaterapia). Contemplam ainda outras intervenções, nomeadamente, o exercício físico e a terapia assistida por animais.

De que forma pode prevenir-se esta patologia?

Sabe-se que o principal fator de risco para vir a desenvolver demência é a idade, ou seja, o risco de ter demência aumenta à medida que vamos envelhecendo. Em termos de prevenção, o foco assenta na redução/eliminação de outros fatores de risco associados ao estilo de vida. Numa publicação muito recente da revista científica Lancet, foram identificados os doze seguintes fatores de risco: nível baixo de escolaridade, perda de audição, traumatismo cranioencefálico, tabagismo, hipertensão, obesidade, diabetes, consumo excessivo de álcool, depressão, inatividade física, isolamento social e poluição atmosférica. Na mesma publicação refere-se que são potencialmente evitáveis até 40% de todas as demências se os referidos 12 fatores de risco forem eliminados em pontos específicos do curso de vida.

Assim sendo, as medidas preventivas consistem em praticar atividade física regular, não fumar, evitar o consumo excessivo de álcool, controlar o peso, adotar uma dieta saudável e vigiar a tensão arterial e os níveis de colesterol e açúcar no sangue. Além disso, importa realizar atividades que estimulem as nossas capacidades cognitivas e sejam ao mesmo tempo significativas para nós. Finalmente, deve-se fomentar o envolvimento e a interação social, mantendo o contacto com a família e os amigos e participando em atividades de grupo. Vários estudos têm demonstrado que as mudanças que ocorrem no cérebro e levam à demência podem ter início 20 anos antes dos sintomas. Esta informação é relevante para que cada pessoa aposte, desde já, na implementação destas medidas.

Estima-se que em 2050 o número de doentes triplique. O que leva a este aumento exponencial?

Em termos globais, a Alzheimer’s Disease International refere a existência de 50 milhões de pessoas com demência no mundo atualmente e estima que aumente para 152 milhões em 2050. Em Portugal, e segundo estimativas publicadas recentemente pela Alzheimer Europe, temos cerca de 200.000 pessoas com demência e prevê-se que este número cresça para 350.000 em 2050. A principal razão de ser para estas previsões assenta no facto da população estar a envelhecer e da idade constituir o principal fator de risco para vir a desenvolver demência. Contudo, importa mais uma vez referir que a demência não faz parte do envelhecimento normal e que não afeta exclusivamente as pessoas idosas. A chamada demência precoce, isto é, com início antes dos 65 anos de idade, é responsável por 9% da totalidade dos casos.

Qual o impacto social e familiar da doença de Alzheimer?

O impacto da Doença de Alzheimer e das outras formas de demência é psicológico, social e económico e envolve não só as pessoas com demência, mas também os seus cuidadores, famílias e a sociedade em geral. É elevadíssimo e acarreta custos para todos. Em 2020, de acordo com dados publicados pela Alzheimer’s Disease International, o custo anual total foi estimado num trilião de dólares, número equivalente a 1,1% do produto interno bruto global.

No que respeita aos cuidadores, a problemática afeta as suas vidas de forma transversal: a nível profissional, social, económico, físico e emocional. O percurso costuma ser longo e dinâmico, no sentido em que contempla várias fases, pelo que vão surgir necessidades distintas ao longo do curso da doença, tornando-se importante acompanhar os familiares desde o início até ao fim, de forma continuada. Sabe-se que os cuidadores estão sujeitos a níveis mais elevados de stress, depressão e ansiedade que a população em geral e menor ânimo e satisfação com a vida, ainda que um número significativo também identifique aspeto positivos resultantes do cuidar.

Os profissionais que os acompanham têm de estar atentos a sinais de exaustão física ou emocional e atuar com prontidão. A intervenção tem de ser integrada e contempla vários eixos de atuação, tais como, informação sobre a doença, capacitação para lidar com o exigente papel que desempenham, apoio psicológico, respostas de descanso, participação em grupos de suporte, apoios sociais e financeiros. Importa ainda tornar estes cuidados acessíveis a todos os que deles necessitem numa lógica de proximidade e independentemente da região do País em que residam e da sua condição socioeconómica.

Os profissionais de saúde estão sensibilizados para esta problemática? E a população em geral?

De há uns anos para cá, nota-se um progresso em relação aos conhecimentos, competências e motivação dos profissionais para intervir com Pessoas com Demência e as suas famílias, tanto na área da saúde como no setor social. Contudo, há ainda um longo caminho a percorrer. É necessário continuar a apostar na qualificação dos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários, do internamento hospitalar, de Unidades de Cuidados Continuados, assim como das Respostas Sociais de Apoio a Idosos (serviços de apoio domiciliário, centros de dia e estruturas residenciais). Contudo, é preciso também dar-lhes melhores condições para poderem trabalhar, sobretudo nos centros de dia e estruturas residenciais, onde se presta apoio a um número cada vez mais significativo de pessoas com demência. Nestas respostas, o rácio de profissionais por utente determinado por Lei é manifestamente insuficiente para se prestarem cuidados de qualidade a estas pessoas.

No que respeita à população em geral, continua a existir muito desconhecimento e estigma, razão pela qual é fundamental prestarmos informação sobre a demência, mas também desenvolvermos iniciativas que desconstruam preconceitos. A campanha “Amigos na Demência” lançada no nosso País pela Alzheimer Portugal, faz parte do movimento global “Dementia Friends” e assenta em 5 mensagens chave para mudar a forma como pensamos, agimos e falamos sobre este tema e que resumem o que é fundamental transmitir: (1) a demência não faz parte do envelhecimento normal; (2) a demência é causada por doenças do cérebro; (3) a demência não se resume à perda de memória; (4) é possível viver melhor com demência; (5) a pessoa é muito mais do que a demência.

Que papel tem e pode ter no futuro a Alzheimer Portugal?

A Alzheimer Portugal foi criada há 32 anos, é uma IPSS de âmbito nacional e tem por missão melhorar a qualidade de vida das Pessoas com Demência e dos seus cuidadores. Como associação de doentes, pretende contribuir para a representação, mobilização e empoderamento de um número estimado de 200.000 Pessoas com Demência em Portugal e, consequentemente, pelo menos, do mesmo número de cuidadores informais.

A Alzheimer Portugal desenvolve o seu trabalho em duas grandes áreas de atuação: por um lado, oferece respostas e presta apoio específico e direto às Pessoas com Demência e aos seus cuidadores, incluindo informação e encaminhamento, apoio social, serviços clínicos e formação nesta área, sendo que a sua intervenção é descentralizada, permitindo a realização de um trabalho individualizado e de proximidade em vários concelhos do País, complementado com uma Linha Telefónica de Apoio a nível nacional. O apoio direto contempla também várias respostas sociais, nomeadamente, um Lar, quatro Centros de Dia e três Serviços de Apoio Domiciliário. Por outro lado, a associação realiza numerosas ações de informação e iniciativas para consciencialização da comunidade e atua junto dos poderes públicos para tornar as demências uma prioridade nacional, em termos sociais e de saúde pública.

No que respeita ao seu papel no futuro e dado continuar a existir muita falta de informação e ideias preconcebidas em relação às demências, e não se avizinhar um tratamento curativo a curto prazo, a Alzheimer Portugal vai prosseguir o seu trabalho diário, com o importante apoio de entidades parceiras, e contribuir para uma mudança social que um dia concretize a sua visão de conseguir uma sociedade que integre verdadeiramente as Pessoas com Demência e os seus cuidadores e reconheça os seus Direitos.

Por Marisa Teixeira

 

Campanha “Amigos na Demência”

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