Lisboa recebe IV Congresso Mundial de Esclerose Sistémica
Mais de mil especialistas provenientes dos quatro cantos do mundo estiveram, entre os dias 18 e 20 de fevereiro, reunidos em Lisboa para discutir os avanços no diagnóstico e tratamento da esclerose sistémica. Ana Cordeiro, reumatologista do Hospital de Garcia de Orta e membro da organização local do evento, explicou ao Raio-X que a descoberta de marcadores biológicos permitiu um diagnóstico mais precoce e um tratamento mais dirigido das múltiplas manifestações da esclerose sistémica.
Não é uma doença comum, mas pelo peso que representa em termos de morbilidade e até de redução da esperança de vida, tem vindo a merecer mais atenção ao longo dos anos. A esclerose sistémica, ou esclerodermia, é, segundo Ana Cordeiro, “uma doença reumática, sistémica, na medida em que pode afetar vários órgãos – nomeadamente a pele, os órgãos internos e os vasos sanguíneos -, e crónica, porque não tem um tratamento curativo”.
Caracteriza-se por uma inflamação que, gradualmente, vai gerando fibrose, ou seja, “um espessamento da pele” que, por sua vez, “provoca contratura das mãos, perda da expressão facial e até dificuldade em abrir a boca”, como descreveu a reumatologista do Hospital Garcia de Orta e membro da direção da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e da comissão organizadora do congresso.
Do ponto de vista vascular, a esclerodermia induz alterações dos vasos sanguíneos que comprometem a circulação nas mãos e nas restantes extremidades do corpo. “Os doentes queixam-se muito de dor, de inchaço e do fenómeno de Raynaud em que as mãos passam de uma cor branca para azulada, devido a essa constrição dos pequenos vasos. Tudo isto aumenta o risco de desenvolvimento de feridas, as chamadas úlceras digitais, que têm uma cicatrização muito lenta, devido a uma menor irrigação dos tecidos. Nas situações mais graves, os doentes podem perder as extremidades dos dedos”, acrescentou.
A estas alterações cutâneas e vasculares, acresce ainda a calcinose, ou seja, pequenas calcificações articulares que provocam deformação das mãos.
Em alguns casos, a esclerodermia tem ainda um envolvimento gastrintestinal, com manifestações induzidas pela fibrose ao longo de todo o tubo digestivo. Vómitos, diarreias, hemorragia gastrintestinal, sensação de enfartamento, dilatação do estômago são algumas das complicações frequentes que podem levar a situações de desnutrição.
“Os doentes queixam-se muito de dor, de inchaço e do fenómeno de Raynaud em que as mãos passam de uma cor branca para azulada, devido a essa constrição dos pequenos vasos”, Ana Cordeiro
Apesar de ser considerada uma doença reumática, uma vez que envolve todo o aparelho musculosquelético, a esclerodermia implica cuidados multidisciplinares que envolvem desde a Dermatologia, à Gastrenterologia, passando pela Nefrologia, pela Pneumologia e pela Cardiologia. Aliás, “as complicações cardíacas e pulmonares são a principal causa de morte nestes doentes”, sublinhou Ana Cordeiro.
Tratamento é “menos eficaz nas fases tardias da doença”
Para evitar ou retardar o aparecimento das complicações mais graves da doença, a reumatologista defende que o diagnóstico deve ser feito nas fases mais iniciais da esclerodermia. Isto porque, “nas fases tardias, o tratamento é menos eficaz”.
Ana Cordeiro lembra que, nos últimos anos, foram alcançados ganhos significativos na sobrevivência aos dez anos, contudo, “ainda estamos aquém daquilo que gostaríamos para os nossos doentes”. Esta melhoria deve-se ao aparecimento de opções terapêuticas mais eficazes e a uma melhoria das condições do diagnóstico. “Os anticorpos presentes ajudam-nos muito a compreender o tipo de manifestações que cada doente vai apresentar da doença. Nesse sentido, conseguimos antecipar o aparecimento dessas complicações. Podemos seguir o doente de uma forma mais específica”, descreve. A especialista considera que a descoberta desses marcadores representa uma inovação muito importante e que, neste momento, “com várias manifestações precoces, com a presença de anticorpos e com recurso à capilaroscopia, que é uma técnica não invasiva de avaliação do leito ungueal e das alterações dos vasos, já conseguimos fazer um diagnóstico muito mais cedo. Às vezes, até mesmo antes de os doentes apresentarem manifestações internas ou cutâneas”.
Uma vez que a manifestação mais frequente se verifica ao nível da pele e do fenómeno de Reynaud, o tratamento inicial passa pela abordagem sintomática dessas manifestações. “Hidratar a pele, evitar a exposição ao frio e ao stresse e usar, sobretudo, medicamentos que ajudam a dilatar os vasos sanguíneos” são algumas das medidas terapêuticas recomendadas.
“Em fase mais adiantada da doença recorremos ao tratamento imunossupressor que ajuda a controlar todo o processo inflamatório. Para a fibrose ainda temos poucas opções terapêuticas eficazes”, esclarece Ana Cordeiro.
A terapêutica biológica tem demonstrado uma eficácia “muito variável e sempre inferior à que é alcançada no tratamento de outras doenças reumáticas inflamatórias como é o caso da artrite reumatoide, por exemplo”.
“Os anticorpos presentes ajudam-nos muito a compreender o tipo de manifestações que cada doente vai apresentar da doença. Nesse sentido, conseguimos antecipar o aparecimento dessas complicações”
Face à inexistência de um tratamento que permita abordar todas as manifestações da esclerodermia, “acabamos por adotar fármacos que usamos no tratamento de outras doenças”. No entanto, o melhor conhecimento sobre a doença tem permitido alargar a investigação de novos tratamentos dirigidos a alvos mais específicos. “Estamos muito otimistas em relação a alguns resultados que vão ser apresentados neste congresso e que representam uma nova esperança para o tratamento dos doentes com esclerodermia”, afirmou Ana Cordeiro.
Mais de 250 doentes no congresso
Apesar de ser um congresso científico, esta reunião teve também uma vertente dirigida aos doentes, com sessões onde foi utilizada uma linguagem mais acessível e onde cada um teve oportunidade de debater e expor as suas dificuldades. “Na verdade, nestas sessões são abordadas questões mais práticas do dia-a-dia que, para nós, médicos, por vezes são menos valorizadas”, adianta Ana Cordeiro referindo-se a questões relacionadas com a sexualidade, com a alimentação e com a gravidez.
Ao participar nestes eventos, os doentes podem educar-se sobre a sua doença, podem ter um contacto com médicos especialistas na área e conseguem criar condições para exigir mais dos médicos que os acompanham e para participar de forma mais ativa nas decisões clínicas”.
Cátia Jorge
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