“Indivíduos institucionalizados com uma lesão cerebral devem ser triados para despiste de disfagia”
Segundo a terapeuta da fala do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, nas situações que habitualmente acompanha, a disfagia surge frequentemente associada a situações de lesão cerebral, mas também de envelhecimento. Pode ainda surgir em situações oncológicas, mais frequentemente em situações de cancro de cabeça e pescoço e na infância (em crianças com patologias diversas, congénitas ou adquiridas). Apesar dos vários instrumentos já existentes no nosso país que ajudam a diagnosticar esta perturbação da deglutição, “trata-se de um problema, infelizmente, subvalorizado”. A intervenção do terapeuta da fala passa, de acordo com Assunção Matos, pela identificação da perturbação, pela avaliação detalhada do sistema estomatognático e da biomecânica da deglutição e por uma intervenção, planeada, com base nos resultados desta avaliação. Este trabalho deverá ser desenvolvido estando integrado numa equipa multidisciplinar, constituída por diferentes profissionais de saúde.
“A disfagia é definida como uma perturbação da capacidade de deglutir alimentos, líquidos ou medicamentos de uma forma segura”, esclarece Assunção Matos. Por outras palavras, “numa deglutição normal, qualquer tipo de alimento que seja ingerido segue imediatamente para o esófago até ao estômago, mas num doente com disfagia, há o risco de este trajeto surgir alterado e o alimento ser aspirado para o sistema respiratório”, acrescenta a especialista.
A deglutição é um processo complexo controlado por diferentes estruturas cerebrais e, havendo uma lesão numa dessas estruturas, pode surgir uma perturbação da deglutição e o doente apresentar disfagia. Por vezes esta complicação surge também associada a situações de envelhecimento das diferentes estruturas que interferem com o processo de deglutição. “Não tem necessariamente de haver uma patologia de base associada”, sublinha Assunção Matos.
Segundo a terapeuta da fala, “a disfagia acaba por ser um sintoma de que algo não está bem, no entanto, é muitas vezes subvalorizada”. A especialista defende, por isso, que qualquer indivíduo hospitalizado, que tenha sofrido uma lesão cerebral, deva ser sinalizado e alvo de uma triagem de despiste de disfagia. “Há vários instrumentos que ajudam a diagnosticar a disfagia, nomeadamente o V-VST (Volume-Viscosity Swallow Test) que já está disponível em Portugal, como resultado de um trabalho conjunto entre o Departamento de Disfagia da Sociedade Portuguesa de Terapia da Fala e a Nutricia, em que traduzimos e ajustámos este teste à realidade nacional”, descreve a especialista. Sendo aplicado numa fase inicial do internamento ou da institucionalização, preferencialmente antes da ingestão de qualquer alimento e/ou medicamento, o V-VST pode dar indicações sobre a possibilidade de haver uma perturbação da deglutição. “Nessa altura o indivíduo deve ser avaliado de forma mais detalhada por um profissional da Terapia da Fala que deve investigar a presença ou não de disfagia, mas também a sua etiologia e gravidade. Só a partir daí deverá definir uma estratégia de intervenção para ultrapassar o problema”.
Segundo a terapeuta da fala, “a disfagia acaba por ser um sintoma de que algo não está bem, no entanto, é muitas vezes subvalorizada”. A especialista defende, por isso, que qualquer indivíduo hospitalizado, que tenha sofrido uma lesão cerebral, deva ser sinalizado e alvo de uma triagem de despiste de disfagia
A par do V-VST existem outros instrumentos devidamente validados para a população portuguesa que podem servir de apoio à identificação da disfagia (EAT 10, FOIS, GUSS,…).
Portanto, de forma resumida, Assunção Matos explica que a intervenção do terapeuta da fala em indivíduos com disfagia passa, antes de mais, pela identificação da perturbação, depois, pela avaliação detalhada, com recolha de dados clínicos e do estado nutricional, com avaliação do sistema estomatognático e da fisiologia e da dinâmica da deglutição. Esta avaliação pode ou não ser complementada com recurso a uma avaliação instrumental, tal como a videofluoroscopia e a nasofibroendoscopia, no sentido de objetivar o que, efetivamente, está a acontecer com o alimento.
Numa terceira fase, o terapeuta da fala pode implementar um conjunto de medidas com vista a ultrapassar ou gerir os problemas de deglutição. “Pode adaptar a consistência dos alimentos e dos líquidos, recorrendo, por exemplo, à adaptação da dieta e à utilização de um espessante alimentar ou pode, simplesmente, modificar a postura do doente, facilitando a passagem dos alimentos para o tubo digestivo, impedindo-os de entrar nas vias respiratórias”. Por outro lado, “recorremos também a técnicas específicas, tais como a execução de exercícios miofuncionais, ou a eletroestimulação”.
Assunção Matos explica que a intervenção do terapeuta da fala em indivíduos com disfagia passa, antes de mais, pela identificação da perturbação, depois, pela avaliação detalhada, com recolha de dados clínicos e do estado nutricional, com avaliação do sistema estomatognático e da fisiologia e da dinâmica da deglutição
Minimal Massive Intervention
Numa apresentação que teve lugar no I Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Terapia da Fala, o Prof. Pere Clavé abordou uma intervenção cada vez mais utilizada em vários hospitais.
“Trata-se da Minimal Massive Intervention que preconiza que todos os doentes hospitalizados que possam ter sinais de disfagia sejam triados num primeiro momento”, descreve Assunção Matos. Partindo também do teste V-VST, o doente é avaliado do ponto de vista da perturbação da deglutição mas também em função do seu estado nutricional e da sua higiene oral. “Com base nessa avaliação, há um conjunto de recomendações específicas e ajustadas ao estado do doente, tendo em conta o volume e a viscosidade dos alimentos, do suporte nutritivo e práticas para uma boa higiene oral”, acrescenta a especialista. A partir dessa avaliação inicial, o doente é depois reavaliado aos três, aos seis, aos doze meses no sentido de determinar se está a haver uma resposta adequada ao tratamento preconizado.
Atualmente já existem vários estudos reportando as vantagens deste tipo de intervenção na redução do risco de complicações secundárias à disfagia, tais como a malnutrição, desidratação e até infeções pulmonares graves que podem comprometer a vida do doente.
“Trata-se da Minimal Massive Intervention que preconiza que todos os doentes hospitalizados que possam ter sinais de disfagia sejam triados num primeiro momento”, descreve Assunção Matos
“Duração da disfagia depende da duração da sua etiologia”
Se há situações em que a disfagia é transitória, como é o caso de algumas situações de AVC, em que a posterior reorganização das estruturas cerebrais acaba por resolver a perturbação da deglutição inicialmente apresentada, noutras a disfagia pode tornar-se crónica,”, esclarece Assunção Matos. Segundo a terapeuta da fala, a duração da disfagia depende sempre da sua etiologia. Todavia, independentemente de ser transitória ou permanente, “a disfagia deve sempre ser avaliada, tratada e acompanhada”, alerta a especialista.
Artigo originalmente publicado no Guia do I Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Terapia da Fala, que pode consultar AQUI.