Dirk Arnold: “No futuro continuará a haver lugar para todos os tipos de tratamento para o cancro”
No próximo dia 7 de julho, a Academia Cuf vai promover o Update Clinical Oncology que terá lugar na biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova e que conta com um painel de reconhecidos especialistas na área da Oncologia. Em entrevista ao Raio-X, Dirk Arnorld, coordenador clínico estratégico de oncologia na CUF, antecipa alguns dos temas que estarão em debate e recorda os grandes avanços que, nos últimos anos, marcaram a forma como se diagnostica e trata o cancro.
Raio-X – Esta é uma reunião de atualização em Oncologia. O que há de novo no conhecimento e na abordagem do cancro?
Dirk Arnold – Para falarmos de inovação temos de voltar 15 anos para trás. E há 15 anos atrás começámos a pensar no cancro de uma forma mais multidisciplinar do que pensávamos até então. Percebemos que o cirurgião, o radiologista, o oncologista médico não podem trabalhar isoladamente, mas sim em equipa e que as decisões têm de ser partilhadas. Mais recentemente, há cerca de cinco anos, fizemos novas descobertas sobre a biologia molecular dos tumores e isso permitiu-nos desenvolver terapias mais específicas, as chamadas terapias dirigidas. Há cerca de dois anos percebemos que a célula tumoral não está sozinha nem atua isolada. A célula tumoral interage com todo o organismo, com todo o ambiente e até com o sistema imunitário. E o conhecimento desta realidade abriu as portas à era da Imuno-Oncologia.
Os congressos dos últimos anos mostraram que os conceitos de multidisciplinaridade, de multimodalidade, em associação com as terapias dirigidas e com a imunoterapia são os aspetos que realmente representam a verdadeira inovação dos últimos anos na abordagem e conhecimento sobre o cancro. E são os aspetos que, de facto, permitem melhorar o prognóstico dos doentes com cancro.
RX – Pela primeira vez ouvimos o conceito de “cura funcional” com a emergência da imunoterapia. Acredita que é esse o caminho e que, no futuro o cancro será uma doença crónica que poderá manter-se estável a longo prazo?
DA – Penso que o conceito de cura é um pouco forte, no entanto, alguns tipos de cancro podem, de facto, tornar-se doenças crónicas e isso não está apenas relacionado com a imunoterapia, mas também com todas as abordagens de que dispomos, desde a quimioterapia, à cirurgia, radioterapia, terapias dirigidas, entre outras, mesmo em casos de doença incurável. Em doenças classificadas em estádios menos avançados e que têm potencial curativo, o tratamento cirúrgico permite manter a doença controlada por longos períodos de tempo. O número de doentes nestas condições é ainda reduzido, mas acredito que venha a aumentar no futuro. Penso que a imunoterapia, enquanto nova estratégia terapêutica poderá contribuir para esse aumento de doentes que mantêm a doença controlada.
RX – Ainda assim, apenas uma pequena proporção de doentes apresenta uma resposta à imunoterapia capaz de manter o cancro controlado?
DA – De facto, uma pequena percentagem de doentes apresenta uma boa resposta à imunoterapia, no entanto, nesses doentes, os benefícios são muito relevantes. Há alguns tipos de tumores em que a imunoterapia faz uma grande diferença. É o caso do melanoma e do cancro do pulmão que, para já, são aqueles em que uma maior proporção de doentes apresenta uma boa resposta. Depois temos um vasto conjunto de tumores em que apenas alguns doentes beneficiam desta abordagem.
RX – A descoberta de biomarcadores preditivos de resposta seria também um passo importante, especificamente nesse tipo de tumores?
DA – Para além da identificação de biomarcadores é importante definir quais as características e o tipo de doença que oferece maior probabilidade de benefício em relação a estes tratamentos.
RX – A emergência desta nova estratégia de “fortalecimento” do sistema imunitário para combater as células tumorais vai substituir as terapêuticas convencionais ou haverá sempre lugar para a quimioterapia, para a radioterapia, para a cirurgia, para as terapias dirigidas?
DA – Temos tratamentos sistémicos que consistem em terapêuticas farmacológicas e temos tratamentos localizados como a radioterapia e a cirurgia que, ao longo dos anos, têm permitido prolongar a sobrevivência dos doentes com cancro. Aliás, também aqui houve uma mudança de paradigma porque até há alguns anos considerávamos a cirurgia apenas para a doença com potencial curativo e, hoje em dia, sabemos que, mesmo na doença incurável, a cirurgia pode representar benefícios em termos de controlo da doença e de prolongamento da sobrevivência. Penso que no futuro continuará a haver lugar para todos os tipos de tratamentos.
Antecipar o diagnóstico para melhorar o prognóstico
RX – As preocupações atuais estão muito focadas na inovação e no desenvolvimento de novas soluções terapêuticas, no entanto, o diagnóstico precoce que tem um grande impacto no prognóstico dos doentes continua a ser um pouco “negligenciado”. O que pode ser feito para antecipar o diagnóstico do cancro?
DA – Sem dúvida que o diagnóstico precoce pode salvar os doentes. Todos acreditamos em programas de prevenção e rastreio e o ideal seria detetarmos o risco de desenvolvimento da doença antes de ela estar presente. No entanto, não sabemos exatamente como aplicar estes programas na população. Este tema tem de ser analisado de forma sistemática. Temos excelentes programas de rastreio em vários países, incluindo em Portugal, nomeadamente para o cancro do colo do útero, da mama e até do cólon e da próstata. Todavia, para outros tipos de tumores não temos programas de rastreio estabelecidos. Acredito que, nos próximos anos, quando entrarmos na era do diagnóstico molecular, vamos conseguir antecipar o diagnóstico do cancro em muitos doentes. Contamos ter testes moleculares que nos permitem identificar células no sangue que nos sugerem uma maior propensão ou até a presença de doença pré-maligna. Acredito que a realização de testes genéticos permite a identificação de marcadores da doença antes mesmo de ela estar instalada.
RX – Mas face à impossibilidade de rastrear toda a população, qual o critério de seleção dos doentes a quem devem ser feitos estes testes?
DA – Posso responder-lhe com um exemplo: para o cancro colo-retal temos um rastreio muito pouco específico que passa pela deteção de sangue oculto nas fezes e temos um teste mais preciso, mas também muito invasivo que é a colonoscopia que é feito mesmo em doentes assintomáticos. Atualmente o inespecífico teste de sangue oculto nas fezes está a ser substituído por um teste mais específico baseado na avaliação de enzimas imunológica que permite filtrar melhor os doentes que devem fazer a colonoscopia. Ou seja, se tivermos testes não invasivos mais específicos, conseguimos reduzir a população que vamos referenciar para a realização de testes mais invasivos, como é o caso da colonoscopia. Com este tipo de estratégias conseguimos minimizar os custos, aliviar os sistemas de saúde e poupar os doentes de exames mais incómodos.
O mesmo pode ser feito em relação ao cancro do pulmão. Conseguimos detetar precocemente o cancro do pulmão com uma tomografia computorizada (CT scan), mas não podemos submeter dez milhões de habitantes a este rastreio. Mas podemos começar pelos fumadores de longa data, por exemplo. Ou pelos grupos que têm comportamentos ou exposição a fatores de risco.
RX – Qual o posicionamento dos Hospitais CUF relativamente à abordagem dos doentes oncológicos?
DA – Dentro do setor privado, os Hospitais CUF são os que tratam mais doentes oncológicos. Isto leva-nos a pensar que temos de reestruturar os nossos serviços. Temos 16 programas de doenças com vista a abordar especificamente os diferentes tipos de tumor, tendo em conta particularidades que vão desde a multidisciplinaridade do tratamento à definição de estratégias de rastreio e diagnóstico precoce. Para nós, o mais importante é que dentro dos Hospitais CUF os doentes tenham acesso a todo o tipo de acompanhamento de que necessitam. Desde exames complementares de diagnóstico às mais variadas modalidades terapêuticas. Tentamos ter os serviços organizados para que os doentes não tenham de viajar pelo país para receberem os seus tratamentos e fazerem os seus exames. Há técnicas que envolvem uma grande experiência e que poderão ser oferecidas em apenas um centro CUF, no entanto, há procedimentos que podem ser feitos em vários centros.
Ou seja, tentamos concentrar alguns serviços em alguns centros, como é o caso da radioterapia ou da cirurgia, mas há serviços que têm de ser repetidos com maior frequência, como a quimioterapia, que oferecemos em vários centros para garantir a proximidade do doente e evitar a sua deslocação para pontos mais distantes do país.
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