Promoção do brincar como instrumento terapêutico: cuidados não traumáticos em ambiente hospitalar
Na tentativa de minimizar o sofrimento da criança, uma das estratégias mobilizadas é o brincar terapêutico. Conceição et al (2011) constata que este é reconhecido como um importante instrumento de intervenção na preparação para procedimentos, favorecendo a compreensão, minimizando o stresse e promovendo o seu bem-estar psicofisiológico.
O meu último Ensino Clínico (EC) da minha Licenciatura em Enfermagem foi realizado no internamento de Pediatria, onde tive a oportunidade de mobilizar e realizar esta intervenção a crianças hospitalizadas. Compreendi que, após a intervenção do brincar terapêutico, existia uma diminuição do stresse, observado pelo comportamento das crianças antes e após o brincar terapêutico. Para a realização desta observação realizei uma tabela baseada no estudo de Lemos et al (2016), onde constatei que as crianças após a aplicação do brincar terapêutico diminuíam a tensão muscular, o choro, o evitar o contacto visual com o enfermeiro, a postura retraída, entre ouros.
É de realçar que esta intervenção foi mobilizada, antes da realização de procedimentos traumáticos, como por exemplo, a punção venosa. Esta minha observação e argumento enquanto Estudante de Enfermagem vai ao encontro dos resultados do estudo de Silva et al (2016), onde se refere que, sem uso do brinquedo terapêutico, as crianças demonstram medo, respostas monossilábicas e evitaram o contacto visual com os técnicos. Com a utilização do brinquedo terapêutico, 40% aceitam calmamente a punção venosa, e 100% passaram de uma reação negativista para uma reação de cooperação, participação e interação com os técnicos, mesmo após o procedimento.
Consegui ir mais longe, e planear uma sessão individual com base no brincar terapêutico e com base num kit realizado por mim no âmbito do EC, em uso no serviço, intitulado de “caixa dos minhocos” (conjunto de estratégias para preparar a criança/jovem e os pais/pessoa significativa para o procedimento de punção venosa / procedimento dolorosos). Utilizei, os materiais desse kit (set médico, abocath sem agulha, frasco de soro, adesivo com desenho colorido e boneco preferido da criança), e constatei através de expressões como “gosto destes materiais. São coloridos. / eu às vezes choro quando tenho um dói-dói. / percebi o que aconteceu com a boneca, agora podemos ir colocar o tubinho em mim” numa criança pré-escolar, observei uma diminuição da ansiedade e uma maior aceitação para o procedimento, que progressivamente, iria acontecer.
Outra preocupação está relacionada com o facto de o brincar terapêutico ser valorizado pelos enfermeiros como componente essencial, não só para o alívio do stresse e medo, mas também para o estabelecimento de uma relação terapûtica com as crianças/jovens hospitalizados. Constatei que os mesmos têm conhecimento e brincam com as crianças de forma terapêutica, muitas vezes antes dos tratamentos, porque é uma estratégia que facilita a sua adesão.
Verifiquei que as crianças adoram brincar e que isso facilita a relação que se estabelece com elas. Em relação aos pais/pessoa significativa, da minha pouca experiencia clínica, ficam mais satisfeitos quando se brinca e interage com as crianças. Batista et al (2004) refere que as crianças valorizam o brincar quando estão internadas, onde 80% referem que gostam que os enfermeiros brinquem com elas. O estudo também revela que todos os enfermeiros têm o hábito de brincar, e na maioria das vezes reconhecem que o brincar revela a relação empática, reconhecendo que facilita a adesão aos tratamentos.
Na revisão da evidência científica observa-se um papel fundamental do enfermeiro na prestação dos cuidados não traumáticos à criança/jovem. Os cuidados não traumáticos são uma intervenção autónoma e fundamental em enfermagem que permite um cuidar global e eficaz, com benefícios para criança, sendo que é importante reforçar a sua utilidade e importância. Aprofundei na revisão da evidência científica que as estratégias não farmacológicas no controlo da dor, como as cognitivas, comportamentais, cognitivo-comportamentais, físicas ou periféricas, suporte emocional e ambientais (Ordem dos Enfermeiros, 2013) na criança, eram fundamentais na minimização do medo, ansiedade e dor que presenciava ao longo da minha prática clínica.
Segundo Hockenberry (2014) um dos objetivos dos cuidados não traumáticos é estimular o controlo da criança, reduzindo a angústia psicológica que pode incluir a ansiedade, medo, raiva, deceção, tristeza, vergonha ou culpa.
Observei a importância que é dada aos pais acerca do fundamento da realização do procedimento, e à sua colaboração, sendo uma estratégia não farmacológica cognitiva e de suporte emocional muito utilizada. Reduzindo significativamente a ansiedade e dor da criança (aplicando a escala devidamente validada para a faixa etária da criança) durante os procedimentos traumáticos. O estudo de Zamora & Lara (2014) refere que a presença dos pais é fundamental na redução da dor da criança na prática clínica.
Também foi observado que a contenção física (maioritariamente nos Toddler) é uma estratégia não farmacológica realizada pelos pais muito importante, tal qual como a distração ativa (por exemplo, bolas de sabão) e a informação do procedimento à criança de acordo com o seu desenvolvimento. Estas estratégias mostraram-se, na prática clínica, facilitadoras e essenciais na diminuição da dor na criança quando se aplicava a escala de avaliação da dor de acordo com a faixa etária. Gupta e Vardhan (2014) evidenciam a perceção da dor por parte da criança é menor quando existe contenção física dos pais e distração. Observei que quanto mais tranquilos estivessem os pais/pessoa significativa, mais tranquilas iriam estar as crianças, tal como é referido no estudo de Tayler & Ken (2011) em que o comportamento dos pais influência as estratégias de coping a criança no aumento ou na redução do stresse.
Uma importante estratégia farmacológica para o alívio da dor, sempre utilizada (a não ser em procedimentos com máxima urgência em que não existia tempo para aguardar-se a aplicação – 1h) é a utilização do anestésico tópico EMLA®. Observou-se uma diminuição significativa da dor e uma maior tranquilização dos pais face aos procedimentos dolorosos. Handet et al (2010) refere que a utilização de anestésico tópico é eficaz na gestão da dor na criança e fator de tranquilização para os pais.
Como técnicas novas que têm surgido referenciadas na evidência científica, consegui utilizar uma delas – o uso da vibração e do gelo na prática clínica, sempre que eticamente era possível, isto é, com consentimento dos pais/pessoa significativa, dos jovens e quando não existia tempo de aplicação do anestésico tópico.
Utilizei esta técnica nos adolescentes, onde foi eficaz. Comprovado pela aplicação da escala numérica da dor onde o score foi ≤1, tendo ouvido frases de jovens como: “só senti uma impressãozinha. Nunca pensei que a vibração desse este efeito” (sic) e ainda de certos pais como por exemplo: isto também se devia utilizar nos adultos. Já fui picada tanta vez, e doeu tanto” (sic). Segundo o estudo de Moore et al (2014), a aplicação da vibração, por exemplo, na punção venosa, é eficaz na redução da dor e globalmente bem aceite por crianças, pais e enfermeiros, sendo que grande parte das crianças manifestaram vontade em usar o aparelho de vibração em punçoes venosas futuras.
Atualmente atribui-se importância à dor da criança (Barros, 2003), sendo que os enfermeiros desempenham um papel essencial na sua avaliação e alívio, pois são os profissionais que mais tempo passam com as crianças. Segundo a minha opinião, é essencial e importante que se realizem formações nesta área para sensibilizar os enfermeiros para esta questão, porque eticamente é exigível que se diminua ao máximo a dor na criança, o que vai ao encontro do que é referido no Plano Nacional de Luta Contra a Dor (2001), onde é, também, sublinhado o facto de ser eticamente inaceitável não propiciar às crianças todos os meios disponíveis para lhe aliviar a dor e sofrimento.
Opinião de Cristiana da Cruz Rodrigues
Enfermeira