“É inadmissível que a espera para uma consulta de Oftalmologia seja superior a um ano”
Este ano dedicado à retinopatia, o Dia Mundial da Diabetes assinalou-se no passado dia 14 de novembro, mas as ações de sensibilização dirigidas a profissionais de saúde e à população vão estender-se até ao final do mês. Em declarações ao Raio-X, José Manuel Boavida sublinha que mais de 16% dos doentes com diabetes sofrem de retinopatia. O endocrinologista da APDP alerta para a necessidade de implementar rastreios de base populacional, com garantia de uma resposta em tempo útil para os doentes a quem é detetada alguma complicação oftalmológica.
Raio-X (RX) – Mais de 16% dos doentes com diabetes sofrem de retinopatia, sendo a diabetes a principal causa de cegueira em Portugal. Estes dados são equivalentes aos que se registam nos restantes países europeus?
José Manuel Boavida (JMB) – Estes valores estão dentro dos números esperados e dentro da realidade europeia. O problema é que estes estudos são feitos em pessoas que já sabem que têm diabetes. Isto significa que a percentagem de retinopatia pode ser mais elevada, tendo em conta que há ainda muitos doentes que não estão diagnosticados. Sabemos hoje que metade das pessoas com diabetes não sabem que têm diabetes. E aquilo que verificamos é que muitos doentes aparecem já com complicações, nomeadamente da retina.
RX – Nos doentes que estão diagnosticados há uma avaliação frequente dos olhos?
JMB – Dentro do grupo de pessoas que já estão diagnosticadas com diabetes, menos de metade faz a avaliação anual dos olhos. São cerca de 20%.
RX – No entanto, a grande preocupação continua centrada no diagnóstico dos doentes que ainda não sabem que têm diabetes?
JMB – O desafio, a nível nacional é, francamente maior e passa pelo diagnóstico de mais doentes que têm diabetes mas ainda não sabem. Até porque muitos desses doentes só chegam até nós quando já têm complicações, inclusivamente, ao nível dos olhos.
“Não é ético fazermos um diagnóstico a um doente e não termos depois como dar resposta”
RX – Muitos destes doentes são acompanhados no âmbito dos CSP. Os médicos de família estão devidamente sensibilizados para estas questões?
JMB – Os médicos de família são os primeiros profissionais de saúde a quem as pessoas com diabetes recorrem. É aí que os doentes devem ser acompanhados, só devendo recorrer aos hospitais quando se justifica, nomeadamente quando surge alguma complicação que implica um acompanhamento diferenciado. O que se passa, do ponto de vista dos olhos, é que as listas de espera para as consultas de Oftalmologia são absolutamente inadmissíveis. E estamos, atualmente, a realizar rastreios que depois não têm acompanhamento. Não é ético fazermos um diagnóstico a um doente e não termos depois como dar resposta, em tempo útil, para o tratamento do problema que lhe foi diagnosticado.
RX – O que pode ser feito para corrigir essa situação?
JMB – O Governo tem de melhorar a capacidade de resposta porque não é admissível que os doentes esperem mais de um ano por uma consulta de Oftalmologia. A Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP) tem uma larga experiência nesta área porque faz o rastreio em toda a grande zona de Lisboa, sendo que todas as situações urgentes são assumidas pela própria Associação. Todas as outras entidades que fazem rastreios têm que assumir a responsabilidade de tratar as pessoas que têm lesões graves e que precisam de tratamento imediato. Neste momento, esse é a grande limitação dos médicos de família. Ou seja, se não tiverem um rastreio organizado na sua região, não têm, depois, como encaminhar os doentes para as consultas de Oftalmologia.
Desigualdades regionais podem ser corrigidas
RX – Isso significa que podem estar a ocorrer desigualdades regionais também no que respeita a este tipo de consultas….
JMB – Essas desigualdades existem, no entanto, é possível resolvê-las através de formas eficazes de organização. O Governo fez um despacho que previa que as Administrações Regionais de Saúde tinham de se organizar até ao fim do ano para que realmente o rastreio se efetivasse com todas as regras de ética e de boas práticas. Isso implica que seja um rastreio de base populacional e que seja garantido o acompanhamento das pessoas a quem a doença é detetada.
Não é pensável, hoje em dia, que deixemos que as pessoas cheguem a um ponto de diminuição grave da visão quando, na realidade essa situação pode ser detetada e tratada a tempo.
RX – O controlo eficaz dos níveis glicémicos está, de alguma forma, relacionado com uma prevenção ou um atraso da progressão da retinopatia?
JMB – Sim. Sabemos hoje que as pessoas que têm maior risco de retinopatia são as que têm mais dificuldade em alcançar e manter os níveis glicémicos controlados e dentro dos parâmetros recomendados. Temos de identificar essas pessoas precocemente e sobre elas dedicar uma atenção maior e um controlo glicémico mais exigente.
RX – O que representa o Dia Mundial da Diabetes?
JMB – O Dia Mundial da Diabetes assinala-se a 14 de novembro, é apenas um dia, mas todo o mês de novembro é dedicado a esta doença. No dia 26 vamos ter a Festa da Diabetes, no Pavilhão do Areeiro, onde podemos receber todos aqueles que queiram vir discutir, falar, trocar experiências. São todos bem-vindos.
Por Cátia Jorge